No dia 25 de Novembro de 2016, o
governador provincial de Luanda, general Higino Carneiro, alegou questões de
segurança para proibir a realização de uma manifestação cívica contra a
nomeação de Isabel dos Santos, para a direcção da petrolífera estatal Sonangol,
marcada para o dia seguinte. Onde andava nessa altura V. Exa. Sr.
Presidente?
Orlando Castro | Folha 8
Embora a manifestação já
estivesse tacitamente aprovada (se Angola fosse um Estado de Direito que
respeitasse as suas próprias leis), o governador achou por bem mostrar, mais
uma vez, que o no reino vigora a “lei” do “quero, posso e mando”.
Era, é, aliás, uma prática
recorrente. O mesmo se passara um ano antes quando se preparava uma
manifestação que os promotores, o Conselho Nacional de Activistas,
auto-intitulados “defensores dos direitos humanos” em Angola, pretendiam
realizar e que coincidia com as comemorações oficiais dos 40 anos da
independência, em frente ao Palácio Real e ao Tribunal Constitucional.
Na decisão de proibir a
manifestação – intenção comunicada pelos organizadores ao governo provincial -,
o então governador (Graciano Domingos) invocou a lei sobre o direito de
reuniões e manifestações, recordando que em termos legais, por “razões de
segurança”, estas não podem ocorrer “a menos de 100 metros das sedes dos órgãos
de soberania”.
“Pelo que foi aduzido, o
governador provincial de Luanda decide proibir a realização da manifestação”,
lia-se no documento, assinado por Graciano Domingos, com data de 14 de Outubro
de 2015. Onde andava nessa altura V. Exa. Sr. Presidente?
Por norma, este tipo de
manifestações que nunca são autorizadas pelas autoridades sob o manto diáfano
da segurança, termina com a intervenção policial e detenções. A única excepção
respeita a manifestações organizadas pelo regime e que, por regra, coincidem
sempre com qualquer iniciativa de sentido contrário.
Voltou a passar-se o mesmo em
2016. O governador da capital do reino, general Higino Carneiro, proibiu a
manifestação, dando prioridade e direitos exclusivos a uma marcha de uma
organização detentora de um mercado da fé e milimetricamente coincidente com a
dos manifestantes contra a nomeação de Isabel dos Santos. Assim, mais
importante do que querer defender a legalidade em Angola era (é) – na óptica do
despótico poder instalado – abrir alas à marcha sobre “O Papel da Mulher
Religiosa na Consolidação da paz em Angola”. Onde andava nessa altura V.
Exa. Sr. Presidente?
O comandante provincial de Luanda
da Polícia Nacional informou que o pedido de autorização para a marcha foi
feito pelo departamento da mulher do Conselho de Igrejas Cristãs em Angola
(CICA) em 28 de Setembro, para o trajecto do Cemitério da Santana para a Praça
1º de Maio.
José Sita justificou que a
prioridade deveria recair sobre o evento religioso, “prevendo-se a participação
de um número considerável de pessoas”. E tinha razão. Segundo as contas do
Folha 8, este evento deveria contar com a participação de mais de 25 milhões de
angolanos…
“Com vista a evitar
constrangimentos aos automobilistas, bem como às pessoas que afluirão ao local,
sugerimos que o trânsito automóvel seja desviado no perímetro da Praça da
Independência, contando com a colaboração das organizações juvenis
apartidárias, para a organização do evento”, lê-se no documento da polícia. Onde
andava nessa altura V. Exa. Sr. Presidente?
Os promotores da manifestação
contra a nomeação de Isabel dos Santos esqueceram-se, lamentavelmente, de dizer
que o seu lema era “O papel dos cidadãos, religiosos ou não, na consolidação de
paz em Angola”.
De nada serve hoje, como ontem,
como amanhã, dizer que tanto a Polícia como o Governo Provincial praticaram com
a proibição uma série de crimes. Isto, no quadro jurídico da lei e da
Constituição de Angola que, contudo, sabemos ser diferente da lei e da
“Constituição” do regime. Onde andava nessa altura V. Exa. Sr. Presidente?
De acordo com a lei e a
Constituição do país, a manifestação estava autorizada “de jure”, pois o
Governador provincial não respondeu no prazo de 24 horas a contar da data da
recepção da comunicação dos manifestantes (10 de Outubro), conforme estabelece
o art.º 7.º da Lei sobre o Direito de Reunião e de Manifestação.
Não adiantará dizer que a decisão
do governador provincial de Luanda, Higino Carneiro, coincidentemente, general
das FAA, está eivada de má-fé, abusos de autoridade, inconstitucionalidades,
ilegalidades e desprezo pelos direitos dos demais cidadãos.
Higino Carneiro tratou, mais uma
vez, os promotores e os demais cidadãos, como sendo de segunda categoria ou
seres menores, sem nenhuns direitos, logo com o único dever de cumprir uma
vontade, uma ordem inconstitucional e ilegal.
Quando isso acontece, estamos
diante de uma ditadura que, quase sempre, nos aparece apalhaçadamente
maquilhada de democracia. Onde andava nessa altura V. Exa. Sr. Presidente?
Embora não tenhamos a certeza de
que os ilustres governantes do regime compreendam o que está escrito nas leis e
na Constituição, aqui deixamos o que, ipsis verbis” a Constituição diz no art.º
47.º (Liberdade de reunião e de manifestação):
“1. É garantida a todos os
cidadãos a liberdade de reunião e de manifestação pacífica e sem armas, sem
necessidade de qualquer autorização e nos termos da lei.
2. As reuniões e manifestações em
lugares públicos carecem de prévia comunicação à autoridade competente, nos
termos e para os efeitos estabelecidos por lei.”
Por outro lado, o governador não
respeita as leis, como é o caso da Lei n.º 16/91 de 11 de Maio, no art.º7.º
(Proibição da realização de reunião ou manifestação):
1. O governador ou o Comissário
que decida, nos termos do disposto nos Artigos 4.º e 5.º, n.º 2 da presente
lei, proibir a realização da reunião ou manifestação deve fundamentar a sua
decisão e notificá-la por escrito, no prazo de 24 horas a contar da recepção da
comunicação aos promotores, no domicílio por eles indicado e às autoridades
competentes.
2. A não notificação aos
promotores no prazo indicado no número anterior é considerada como não objecção
para a realização da reunião ou manifestação”.
O quadro fático de não resposta
do governador provincial, no prazo de 24 horas, após a recepção da comunicação
dos promotores da manifestação, conforme o n.º2 do art.º 7.º da Lei 16/91 de 11
de Maio, produziu o efeito jurídico de não objecção à realização da
manifestação. Portanto, legalmente, a manifestação foi aceite, no dia 12 de Outubro
de 2016.
Ressalve-se que este raciocínio
enferma de um mal suicida. Isto é, parte do princípio de que Angola é o que não
é, ou seja, um Estado de Direito Democrático. E como não é, o que conta é a lei
fundamental do regime feudal e esclavagista: “Queremos, podemos e mandamos”.
Onde andava nessa altura V. Exa.
Sr. Presidente?
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