Economistas ouvidos pela DW
Africa veem fragilidades na ofensiva do Governo angolano contra a corrupção e
consideram que o eventual confisco dos ativos de Isabel dos Santos não terá
grande impacto na economia.
O impacto económico dos bens
arrestados à Isabel dos Santos por decisão da justiça angolana seria uma gota
d'água no oceano. E o que pensa o diretor do Centro de Estudos e Investigação
Científica da Universidade Católica de Angola (CEIC), Manuel Alves da Rocha.
"Ao falar-se em 1.100
milhões de dólares, montante que ainda não percebi como é que foi atribuído…
Isso é uma gota d'água [num oceano]. As necessidades financeiras da economia
angolana são eventualmente cem vezes mais do que isso", pondera.
Rocha lembra que continua a ser
uma incógnita o montante total de valores retirados ilegalmente do Estado e
transferidos de Angola para o exterior.
"Ninguém conseguiu dizer
qual é o montante dos bens, o valor do dinheiro que saiu do país ou que foi
retirado ilegalmente do Estado - nem o Banco Nacional de Angola, nem o próprio
Governo conseguiram fazer isso", destaca o economista.
O diretor do CEIC lembra que a
economia angolana está em recessão contínua desde 2015, e questiona se não
existem outras razões que levam o Governo de João Lourenço a focalizar-se na
família e aliados políticos de José Eduardo dos Santos.
Já o economista e professor da
Universidade de Lisboa, Manuel Ennes Ferreira, considera necessário dar o
benefício da dúvida ao Governo face às promessas de reformas que se impõem há
muito tempo – especialmente a luta contra a corrupção.
Ennes Ferreira considera que um
eventual confisco dos bens de Isabel dos Santos não iria contribuir para um
salto significativo da economia angolana. O economista concorda, entretanto,
que se a ofensiva legal ficar somente em Isabel dos Santos "passa a ideia
de que é uma perseguição à família do ex-Presidente José Eduardo dos
Santos".
Para Rocha, o Governo de João
Lourenço tem perdido apoio popular na suas ações contra a corrupção. "Ele
representou ou pretendeu representar a mudança, uma nova atitude de organização
da economia e da sociedade, só que os resultados não estão a aparecer".
Pode haver confisco
Ennes Ferreira questiona-se sobre
a recuperação de ativos expatriados por vários integrantes da elite angolana
durante o regime de José Eduardo dos Santos. O professor lembra que o Governo
referiu que sabia sobre os responsáveis e os valores expatriados, além de
anunciar que contava com apoio internacional para recuperar os [ativos].
"Passaram dois anos e pouco
e há este fugaz. Eu espero que seja mais do que um fugaz, que é muito forte,
este da Isabel dos Santos. As pessoas, no entanto, questionam se há lista e
porque ela não é divulgada?"
Para Ennes Ferreira, é
precipitado da parte de Isabel dos Santos afirmar que a decisão judicial de
arresto dos seus bens em Angola não terá impacto em Portugal, onde a empresária
detém participações em várias empresas. O economista considera que a multimilionária
angolana pode contar com os obstáculos jurídicos tanto em Angola como em
Portugal, mas em Angola "pode haver uma decisão radical, que é o
confisco".
Um eventual arresto de bens de
cidadãos angolanos fora de Angola esbarra na legislação vigente no país
recetor, porque os capitais aplicados geralmente são feitos de acordo com a
legislação.
Assim, o Governo angolano pode
detetar que é um dinheiro desviado, mas - do ponto de vista do país de quem
recebe os capitais - os trâmites podem obedecer a lei. "Obviamente tem que
haver cooperação entre as autoridades judiciais desses países e de Angola. Não
vai ser muito simples", diz o professor da Universidade de Lisboa.
Conta-gotas
Ennes Ferreira acha que a
ofensiva contra a corrupção do Governo de João Lourenço deveria ser mais
concreta e ágil. Para ele, há processos judiciais que dão a sensação de se
estar a agir a conta-gotas, "para ir mantendo a chama viva", com o
objetivo de dar a entender que se está a "tentar fazer alguma coisa".
Por outro lado, ele considera que
há limitações, barreiras e questões de ordem jurídica que limitam a expetativa
das pessoas sobre a recuperação dos ativos e bens pertencentes ao Estado.
"Alguma coisa de concreto, mas muito concreto, tem que ser feita sob pena
de as pessoas começarem a deixar de acreditar", adverte.
Rocha e Ennes Ferreira lançaram
nesta quarta-feira (16.01), em Lisboa, o livro "Angola: Dois Olhares
Cruzados". Na obra, eles consideram que os desafios que João Lourenço
enfrenta são enormes, porque originam-se numa herança que envolve
"corrupção, burocracia, deficiência da administração pública, tráfico de influências,
ambiente de negócios pouco favorável ao investimento estrangeiro e fraquíssima
qualificação do capital humano".
Os autores analisam as
fragilidades de Angola para lidar com taxas de pobreza e desemprego elevadas, o
desafio demográfico, a taxa de urbanização crescente, a pressão sobre os
equipamentos sociais, a gestão do desenvolvimento tecnológico, os circuitos
internos de distribuição e comercialização.
João Carlos (Lisboa) | Deutsche
Welle
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