O tempo é – continua a ser – de
cuidar dos vivos, de circunscrever os focos a círculos cada vez mais reduzidos
de pessoas, de se desenvolverem medicamentos para tratamento e as vacinas
adequadas.
António Abreu | AbrilAbril |
opinião
Os sintomas iniciais dos primeiros
pacientes, em Dezembro passado, eram bastante leves, aparentemente não mais do
que uma gripe típica do inverno e, portanto, não eram motivo de preocupação
especial. Somente após duas semanas, quando os sintomas se tornaram mais graves
e os pacientes precisaram de hospitalização, os médicos especialistas se
convenceram estar a braços com uma nova epidemia.
Depois disso, as coisas
aconteceram muito rapidamente, com extensos testes e investigações, a
descoberta do novo coronavírus, a descodificação de todo o seu genoma e a
distribuição desse genoma para a Organização Mundial de Saúde (OMS) e outras
autoridades, tudo realizado em cerca de duas semanas. A reacção rápida da China
e os resultados sólidos geraram elogios em todo o mundo pelas autoridades.
Anúncios públicos foram feitos ao mesmo tempo, revelando os factos disponíveis
até este momento.
Foi nesse ponto que as
autoridades imediatamente instituíram a quarentena efectiva, primeiro em Wuhan e
depois na maior parte da província de Hubei, uma quarentena que agora se expandiu
para várias outras cidades de outras províncias na tentativa de cercear o vírus
e impedir um contágio mais amplo. E, novamente, a reacção rápida da China e os
resultados sólidos geraram elogios de autoridades em todo o mundo.
Passaram a circular dois tipos de
«teorias de conspiração».
A primeira surgiu à medida
que o surto de coronavírus continuava a elevar as preocupações na China, os
meios de comunicação da Rússia, onde um número crescente de comentaristas
políticos acredita que o vírus é uma arma biológica dos EUA, a ser depois
dirigida contra a Rússia. Baseando-se para isso em que, nomeadamente depois do
colapso soviético, a presença de bio-laboratórios americanos já ter sido
confirmada na Geórgia, Ucrânia, Cazaquistão, Azerbaijão e Uzbequistão. Apesar
do Departamento de Estado norte-americano ter desvalorizado esses factos,
declarando que se tratam de grupos inofensivos encarregados de desenvolver
dispositivos médicos, a pergunta que se seguiu foi, «mas se eles são tão
inofensivos, porque razão os americanos os tinham construído, não em casa, mas
fora dela, noutros cantos do mundo?».
E a segunda com a pergunta
da Casa Branca às autoridades para que investigassem a fonte da doença. O Washington
Post referia que uma autoridade dos EUA lhe afirmara ser um sinal
ameaçador que rumores falsos, desde o início do surto várias semanas atrás,
tivessem começado a circular na Internet chinesa, alegando que o vírus faz
parte de uma conspiração dos EUA para espalhar armas. Isso poderia indicar que
a China estaria a preparar meios de propaganda para combater futuras acusações
de que o novo vírus escapou de um dos laboratórios civis ou de defesa de Wuhan.
A Casa Branca passou a fazer
perguntas sobre o novo vírus. Como relatou a ABC News, o director do
Gabinete de Política Científica e Tecnológica da Casa Branca (OSTP), em carta
às Academias Nacionais de Ciências, Engenharia e Medicina, solicitou que
especialistas científicos «rapidamente» examinassem as origens do vírus a fim
de abordar a disseminação actual e «informar a preparação futura de surtos e
entender melhor os aspectos de transmissão animal/humana e ambiental dos
coronavírus».
Para lá de o novo vírus ter
circulado abrigado nas asas de morcegos, uma iguaria tradicional, a China
recebeu indicações de que o genoma do novo vírus nunca poderia ocorrer por meios
considerados naturais. De facto, o genoma do novo vírus acrescenta um novo
«fragmento do meio» à proteína do SARS (síndrome respiratória aguda grave) que
parece, de acordo com a sua análise, ter sido inserido no do SARS, usando
a tecnologia «pShuttle». E essa técnica só pode ser feita em laboratório,
não ocorrendo espontaneamente na natureza.
Os desafios que a China enfrenta
Passados quarenta dias depois de
ser identificado o grande perigo da epidemia (2019-nCoV) e de o número de
mortos, apesar de elevado, ter passado a ser inferior ao número de doentes
curados, a China defrontou e está a defrontar com êxito vários desafios.
1. A identificação do genoma
distintivo deste vírus em relação a outras estirpes já conhecidas. O novo
coronavírus, que pode provocar doenças respiratórias potencialmente graves como
a pneumonia, foi detectado, pela primeira vez no final do ano em Wuhan, na
província de Hubei, província do centro da China.
2. O tomar de medidas
excepcionais sobre um conjunto de cidades do distrito de Hubei, que se traduziu
nomeadamente no declarar a quarentena para cerca de 50 milhões de
residentes, os quais, acompanhados pelos serviços de saúde, são declarados
livres de perigo ou suspeitos de infecção e, a partir dessa quarentena, são
identificados os que têm que receber tratamento. Que só em casos particulares
acabam por falecer.
3. O terem-se concentrado os
maiores esforços em aumentar as taxas de internamento e recuperação e
diminuir a taxa de infecção e de mortalidade. E de se gerar confiança nos
profissionais de saúde e pacientes por, no epicentro do surto, terem mostrado
que casos graves, mesmo pacientes críticos, podem ser curados por meio de
tratamento razoável e activo.
E que se está a trabalhar com
eficácia para aumentar os salvamentos de vidas a uma taxa superior à taxa de
mortalidade.
4. O suprir rapidamente as
carências de profissionais de saúde. Mais de 11 000 funcionários médicos,
incluindo 3000 especialistas em terapia intensiva e a melhor equipa de Unidade
de Terapia Intensiva (UTI) do país, foram enviados para Wuhan. Até para renovar
as equipas médicas que, estando a trabalhar há muito tempo, estão exaustas
física e mentalmente.
Os principais especialistas em
terapia intensiva da China também se reuniram em Wuhan para realizar consultas
e realizar rondas nas enfermarias.
5. O resolver carências nas
outras cidades acompanhadas na província de Hubei.
Montar um sistema de apoio
individual em 16 províncias, com cada uma das províncias ajudando uma cidade em
Hubei a combater a epidemia.
6. Montar em dez dias dois
hospitais de campanha com dois pisos, no parque de exposições de Wuhan tornou-se
matéria «viral» na internet e no You Tube. Estão já a receber as
pessoas com suspeitas de poder ter contraído a doença, depois de no passado dia
3 terem sido entregues as chaves ao exército chinês. Segundo as autoridades
chinesas, neles existem 1900 camas e podem ter a trabalhar cerca de 2000
profissionais de saúde. Mais de 1000 trabalhadores fizeram turnos para
assegurar 24 horas de construção por dia.
7. A China acelerou a aprovação
dos kits de testes para a nova pneumonia por coronavírus. O registo de sete
produtos de teste de sete empresas foi aprovado pelo governo, expandindo a
capacidade de fornecimento de kits de Teste de Ácido Nucleico.
8. Cerca de 10 000 camas
hospitalares foram acrescentadas em Wuhan para atender pessoas com sintomas
leves, pois a cidade transformou estabelecimentos públicos, como ginásios, em
hospitais temporários.
Os laboratórios Mobile P3 e mais
de 2000 equipes médicas de todo o país passaram a ter a tarefa de tratar
pacientes e fornecer aconselhamento psicológico nesses hospitais temporários.
9. Apesar de terem começado
a circular afirmações de que o sistema de saúde chinês não teria capacidade
para enfrentar uma crise epidémica como a que se tem vindo a verificar, as
mesmas foram sustidas através de uma partilha frequente de informação com
a Organização Mundial de Saúde e com todos os governos do mundo, que
também passará pelo envio de uma missão internacional liderada por aquela
organização para a China1.
A OMS declarou em 30 de Janeiro
uma situação de emergência de saúde pública de âmbito internacional, o que
pressupõe a adopção de medidas de prevenção e coordenação à escala mundial. Na
passada quarta-feira, a organização das Nações Unidas apelou à criação de um
fundo de 675 milhões de dólares (613 milhões de euros) para combater o surto do
novo coronavírus nos próximos três meses. E na passada segunda-feira o
director-geral da OMS twittou: «Estou admirado com os milhares de trabalhadores
da saúde na China, especialmente em Hubei, que estão a cuidar de pacientes e
juntando dados sobre o novo coronavírus de 2019 para análise científica,
enquanto estão sob imensa pressão».
Desde a OMS, a vários governos e
institutos especializados, destacados investigadores de vários países e mesmo…
Donald Trump, já reconheceram esta capacidade das autoridades chinesas estarem
a dar as respostas à crise2.
10. A gestão da informação
pública de maneira a torná-la tão rápida quanto o desenrolar de acontecimentos
o permitisse, dando prioridade ao direito à informação devidamente validada pelos organismos
competentes.
Bem como, com ela, combater alarmes infundados e criar um ambiente física e
psicologicamente sustentado numa confiança que se baseia em factos e
no conhecimento global do que se está a fazer.
11. Tais progressos procuram
minimizar os efeitos da quarentena, o aparente isolamento.
Apesar do contacto através
da internet chinesa, da permanente recolha de informação telefónica que
sossegue todas as pessoas ou determine a sua deslocação para as unidades
hospitalares provisórias.
E até uma aplicação móvel, desenvolvida por uma empresa de
tecnologia do estado, por orientação do governo chinês, que avisa os
utilizadores quando estão em risco iminente de contrair o coronavírus. O
designado «detector de contacto proxy» ficou disponível para utilizadores
chineses, que têm que fornecer apenas o nome, número de telefone e ID para
instalação, segundo informou a Xinhua no passado dia 5 de Fevereiro.
O aplicativo informa o utilizador se ele entrou em contacto com alguém
infectado pelo vírus 2019-nCoV3
Enquanto se procuram medicamentos
eficazes, aqueles que esperam e sofrem precisam saber que o medo nunca fará
parte da cura.
12. Numa visita ao Instituto de
Biologia Patogénica da Academia Chinesa de Ciências Médicas no passado dia 8 de
Fevereiro, o primeiro-ministro chinês: sublinhou a dedicação e o trabalho árduo
dos investigadores; pediu-lhes que comuniquem ao público o seu conhecimento
oficial sobre como o vírus é transmitido e outros assuntos de interesse público
para facilitar a prevenção e controle científicos; instou-os a «correr contra o
tempo» para reunir sabedoria e estudar tratamentos de casos curados num esforço
de pesquisa abrangente de medicamentos eficazes; e sublinhou o respeito à
ciência e às regras científicas nessa pesquisa de medicamentos e vacinas para
garantir segurança e eficácia.
13. Na história humana
moderna, como responder a uma emergência de saúde sempre foi uma pergunta
difícil para quem decide, pois precisa de sopesar urgência e prudência ao mesmo
tempo.
«A reacção exagerada pode ser tão
prejudicial quanto a reacção insuficiente», escreveu Jeremy Brown,
director do Gabinete de Pesquisa em Cuidados de Emergência do Instituto
Nacional de Saúde dos EUA, num artigo publicado pelo Wall Street Journal,
referindo-se a ela como uma das «lições».
Li Wenliang, médico de 34 anos,
foi chamado pela polícia quando tentou avisar outros médicos sobre o vírus, em
Dezembro. Enviou uma mensagem aos colegas num chat de grupo, dia 30, e depois
foi chamado pela Secretaria de Segurança Pública, onde o obrigaram a assinar um
papel em que era acusado de fazer «comentários falsos».
A difusão do facto, não validado,
não respeitou o princípio de serem os porta-vozes das autoridades de saúde
competentes quem faz a divulgação.
Pode parecer difícil de aceitar,
mas fazer um anúncio público imediato seria imprudente, criando um alarme
público desnecessário e até situações de pânico, além de prejudicar a confiança
do público nos organismos de saúde. Obviamente, a principal preocupação é o bem-estar
da população, mas as autoridades têm que reunir factos e informações
suficientes para entenderem que objectivos se devem atingir e como irá isso ser
feito. Esse processo de apuramento de factos deve levar apenas alguns dias
ou talvez uma semana ou duas, no máximo, dependendo das circunstâncias.
Declarações públicas na ausência de factos seriam prematuras e até
irresponsáveis.
Tendo falecido depois de ter
ficado infectado, gerou-se um movimento de simpatia para com ele, explorando
sentimentos de que algo poderia estar a ser sonegado em termos de informação
pública e que Li Wenliang tinha sido quem descobrira o vírus – ambas as coisas
não verdadeiras. Aguarda-se o resultado de um inquérito, decidido pelo
governo, à sua morte.
14. O desaconselhar, tal como a
OMS faz, quebras no comércio internacional bem como nas viagens – apesar da
primeira e única reacção de alguns governos ter sido terem-se apressado a impor
essas restrições. Além do mais, a reacção exagerada é contraproducente e
assustadora. As autoridades chinesas têm salientado que tais restrições
podem ter o efeito de aumentar o medo e o estigma, com pouco benefício para a
saúde pública. E poder originar casos de sinofobia, com incidentes recentes
em vários países, de que são vítimas cidadãos chineses em viagens fora do seu
país.
Em Portugal, o embaixador chinês
Cai Run reconheceu que, «durante o combate à epidemia, a China e Portugal têm
mantido coordenação e colaboração estreitas».
Cai Run lembrou que «o Governo
chinês tem procurado ajudar as autoridades no repatriamento de portugueses».
No início da epidemia, a
embaixada chinesa em Lisboa «comunicou atempadamente» às autoridades
portuguesas a evolução da epidemia do novo coronavírus e que continuará a
«assumir as obrigações internacionais» para assegurar a segurança das pessoas.
15. Numa circular, divulgada
no fim de semana passado, o Conselho de Estado da China apelou a esforços
para proteger os trabalhadores contra a infecção e, entretanto, para retomar a
produção o mais rapidamente possível.
As empresas que fornecem
suprimentos e serviços de controle de epidemias, como material médico e
necessidades diárias de abastecimento, empresas de entregas e de logística
estão entre os primeiros grupos a retomar o trabalho e já começaram a voltar à
plena capacidade para combater o novo surto de coronavírus.
Para ajudar a combater o surto de
pneumonia causada por este novo coronavírus, trabalhadores de muitas empresas
de material médico disponibilizaram-se para regressarem ao trabalho antes
do previsto.
Para apoiar as pequenas e médias
empresas (PME) na retoma do trabalho, o Ministério da Indústria e Tecnologia da
Informação (MIIT) prometeu ajudar no fornecimento e transporte de
matérias-primas, e proporcionar equipamentos de protecção, como máscaras e
detectores de temperatura corporal. Os governos locais são incentivados a
reduzir ou renunciar a impostos e taxas administrativas em certas PME, aumentar
subsídios a programas de formação profissional e estender o prazo de pagamento
das suas contas de electricidade e gás para as apoiar em tempos difíceis, disse
o MIIT.
Da mesma forma, os governos
locais receberam directivas para tomar medidas para ajudar as empresas de
capital estrangeiro a retomar a produção e a operação de maneira ordenada. Um
apoio especial será direccionado a grandes projectos de investimento
estrangeiro, de acordo com o Ministério do Comércio, que pediu esforços
coordenados para resolver as dificuldades e minimizar os impactos da epidemia.
Agora, com o país a voltar ao trabalho, muitos estão confiantes de que o impacto económico potencial causado pela interrupção da
produção nacional deve ser apenas um golpe pontual e de curto prazo contra
a sólida base económica da China.
Segundo o vice-governador do
banco central da China, a epidemia pode perturbar as actividades económicas no
primeiro trimestre deste ano, mas, segundo as autoridades, é provável que a
economia estabilize logo após a epidemia, já que o desencadear de resposta às
procuras que não tiveram resposta, compensará o fraco desempenho económico
anterior.
O tempo é – continua a ser – de
cuidar dos vivos, de circunscrever os focos a círculos cada vez mais reduzidos
de pessoas, de se desenvolverem medicamentos para tratamento e as vacinas
adequadas. Enfim, suster a epidemia, mas também de relançar a economia. Para
depois ficarão as considerações mais ou menos geoestratégicas, baseadas no
aprofundamento científico do que tem vindo a acorrer desde Dezembro passado.
Poder-se-ão então validar teorias.
Notas:
1.O
mais recente e completo relatório da OMS pode ser consultado aqui.
2.Hoje
mesmo os países que integram o G77 e as Nações Unidas
reconheceram os esforços da China para conter a epidemia e declararam o seu
apoio total a essa luta.
3.No
dia em que publicamos o presente artigo a Organização Mundial de Saúde anunciou designar o novo vírus como COVID-19 – a partir de «coronavirus
desease 2019».
Na imagem: Vista aérea do
hospital Huoshenshan, na cidade de Wuhan, destinado a lutra contra o surto do
novo coronavírus. Entrou ao serviço em 3 de Fevereiro de 2019, após ter sido
edificado em apenas 10 dias pelas autoridades chinesas.Créditos/ YFC
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