Autárquicas poderão ser uma
"maneira de o MPLA perder o controlo do poder" e de "introduzir
um elemento de controlo dos eleitores sobre os governos locais", entende
politólogo.
O poder local em Angola, que
pressupõe descentralização democrática, compreende as autarquias locais, poder
tradicional e organização de associações locais. E a implementação das
autarquias, através das eleições, é um passo fundamental para a consolidação da
democratização do país.
Mas apesar de Angola ser
considerada uma democracia, ainda persistem algumas heranças do sistema
de partido único, como a excessiva centralização do poder.
"Acho urgente que Angola
passe a ter esta experiência de democratização local, porque continua a ser
talvez dos Estados africanos mais centralizados", afirma Aslak Orre,
politólogo especializado em governação e corrupção do CMI, um instituto de
pesquisa da Noruega.
"É impossível continuar a
governar um país tão vasto como Angola de uma forma centralizada, porque o
[Governo] central não é capaz de utilizar os recursos de forma mais apropriada.
Para responder às necessidades locais, há uma grande necessidade de descentralizar
o poder", refere.
Indecisão no MPLA?
O ponto 1 do artigo 213 da
Constituição de Angola diz que "a organização do Estado ao nível
local estrutura-se com base no princípio da descentralização
político-administrativa, que compreende a existência de formas organizadas do
poder local".
Mas será que o partido que
governa o país tem interesse em respeitar a lei mãe? Orre não está muito
convicto disso: "Parece-me que o MPLA [Movimento Popular de Libertação de
Angola] está bastante dividido sobre o assunto. Há os que pensam que o partido
só pode perder o controlo político com as autarquias e há outros que entendem
que é preciso passarem por uma governação mais descentralizada."
O investigador recorda que
"o próprio Presidente se comprometeu com a realização de eleições
este ano, publicamente e várias vezes, mas ultimamente parece que está a recuar
um pouco. Portanto, deve haver um debate interno intenso sobre como proceder
com este assunto".
MPLA com receio de perder o
controlo do poder?
Desde que o país é independente,
há cerca de 45 anos, só conhece o MPLA no poder. Em que medida representaria o
poder local uma ameaça ao poder central em Angola?
"O partido
[MPLA] controla tudo de cima para baixo. Então as autarquias, de certa
forma, sugerem uma maneira de o partido perder este controlo e o poder pode
passar para outros partidos. Mas o fundamental é que as autárquicas poderão
introduzir um elemento de controlo dos eleitores locais sobre os governos
locais, algo que nunca existiu em Angola", acrescenta o politólogo.
Componentes do poder local devem
"carburar" em simultâneo
Por isso é que, simbolicamente, a
realização das eleições autárquicas seria vista como mais uma independência de
Angola, depois da independência de Portugal em 1975. Contudo, é um processo
ainda com algumas zonas de penumbra, resultantes de uma dissonância entre
os elementos que compõem o poder local, alerta Luís Jimbo, especialista em
eleições.
"Na assembleia local estão
os partidos políticos, ao nível local vão concorrer os partidos políticos, e
nós temos medo de criarmos em Angola municípios partidarizados. Porque, da
forma como está, vai fazer com que, se um partido que tenha tradições étnicas ganhar
uma maioria num concelho, esse município ficaria partidarizado, e isto vai
fazer retroceder a democracia", prevê.
Luís Jimbo advinha mais:
"Vamos ter indicadores de conflitos durante as eleições motivados pelo
fator etnia, e não seria bom irmos para essa situação."
Em março de 2018, o Presidente de
Angola, João Lourenço, prometeu a realização das primeiras eleições autárquicas
do país para 2020. Mas todo o processo atinente a isso está muito atrasado,
deixando antever o adiamento das eleições.
Nádia Issufo | Deutsche Welle
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