Agora é oficial: o Reino Unido se
divorcia da União Europeia. Os caminhos do Brexit foram tortuosos e
assustadores, mas nada se compara ao que está por vir para o país e seus
habitantes, opina Rob Mudge*.
Pouco mais de três anos e meio
atrás, na manhã de 23 de junho de 2016, eu me forcei a pular meu ritual diário
de viciado em notícias, deixando de conferir o pinga-pinga constante do
meu news feed, e fui para o trabalho beatamente ignorante sobre o estado das
coisas no mundo.
Eu havia preparado dois artigos
de opinião para o dia: um para a altamente improvável eventualidade de que o
Reino Unido tivesse votado para deixar a União Europeia; e o outro sobre como
nós – obviamente – ficamos no bloco.
Não me agrada usar estes termos
levianamente, mas eu estava realmente em estado de choque ao entrar na redação.
Meus colegas alemães mais tarde me contaram que eu parecia ter visto um
fantasma.
Nos últimos anos, a aparição do
Brexit tomou uma forma corpórea. Mesmo naquele momento eu – ingenuamente, como
se constataria – me agarrei à esperança de que o país voltaria à razão,
revertendo a decisão. Enquanto amigos e colegas meus requeriam a cidadania
alemã, eu adiei essa decisão até mais ou menos o último momento.
Embora acatando plenamente o
resultado de um voto democrático, eu ainda me recuso a aceitar o processo que
nos levou até aqui: uma trama baseada em falsas noções, mentiras e
desinformação.
Muitos dos que foram enganados
pelos líderes solipsísticos e agindo em serviço próprio – do arquiteto do
Brexit David Cameron ao atual primeiro-ministro, Boris Johnson – são defensores
de um Reino Unido preso no passado. É risível a noção de que uma nação que
certa vez ostentou um império de colónias oprimidas tivesse que se livrar
das correntes da UE.
Essas regras e normas, tão
desprezadas por personagens governamentais tanto passadas quanto presentes,
foram elaboradas e configuradas, de uma maneira ou outra, pelo Reino Unido. E
quando o país não gostava delas, se eximia. Nenhum outro Estado-membro da UE se
beneficiou de tantas isenções e descontos.
A UE não é perfeita – longe
disso. Mas é uma ilusão pensar que Londres vá obter um acordo melhor com os
Estados-membros e outros concorrentes importantes. Até o momento, foram assinados
assim chamados "acordos de continuidade" com países como
Liechtenstein, as Ilhas Faroé, Geórgia e Líbano, entre outros.
Sem querer desrespeitar, essas
não são exatamente potências económicas. Contudo ainda não é hora de pânico. O
ministro do Comércio, Liam Fox ("O acordo comercial com a UE deverá ser um
dos mais fáceis da história humana"), diz que tem 40 acordos a serem
assinados "um segundo" depois do Brexit. Hm, espera aí, estou
tentando achar aquela lista...
Quão atraente é para os
investidores externos um país que está perdendo suas indústrias e serviços
chaves em decorrência do Brexit? Não é preciso ser um génio para deduzir por
que líderes do setor automotivo estão fechando fábricas e se mudando para o
continente europeu; ou por que operadores financeiros de ponta estão indo para
Paris e Amsterdão. Para não falar da evasão de cérebros, quando cidadãos da UE
que estiveram atuando em ciência e educação em solo britânico fizerem as malas
e se forem.
Mas não temam, ainda há
esperança. Um dos adeptos do Brexit que vive num universo paralelo é o
secretário de Estado para o Brexit, Steve Barclay. Recentemente ele lembrou que
99% do vinho consumido no país é importado. Uma vez que o Reino Unido saia da
UE, contudo, esse "setor vital" poderá florescer. Não estou
inventando. Duas coisas: ele já parou para pensar por que todo esse vinho é
importado? E desde quando a indústria vinícola britânica é um "setor
vital"?
Vamos para um nível de ignorância
mais acima – e, também aqui, ninguém seria capaz de inventar tal coisa: a
deputada do Parlamento Europeu June Mummery teve recentemente uma epifânia, ao
tuitar que, uma vez que o Reino Unido deixe a UE, ele não mais terá
representação em Bruxelas para a política pesqueira. Se a ironia ainda não
estivesse morta, esse teria sido o golpe de misericórdia. (Ela pode sempre
conferir se Johnson não tem uns arenquezinhos escondidos no geladeira.)
O Brexit deixará a Grã-Bretanha
quebrada, um reino desunido. Geograficamente, a ilha sempre esteve à parte da
Europa continental. Essa distância ficará cada vez mais palpável – política,
económica e socialmente.
Pode ser que eu não vá estar aqui
para ver (uma bênção dúbia, de certo modo), mas prevejo que, dentro dos
próximos 20 anos, Londres virá de rabo entre as pernas, implorando para voltar
para a União Europeia – mas em termos infinitamente piores do que os que pôde
disfrutar por tanto tempo.
Rob Mudge* Deutsche Welle | opinião
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