quarta-feira, 19 de fevereiro de 2020

Moçambique | O adeus a Marcelino dos Santos


Nesta quarta-feira (19.02), Moçambique rende a última homenagem ao membro fundador da FRELIMO. Marcelino dos Santos faleceu no dia 11 de fevereiro, e terá funeral público na Praça dos Heróis Moçambicanos, em Maputo.

Marcelino dos Santos é tido por historiadores, jornalistas e realizadores como um homem que manteve a linha da "FRELIMO histórica" e defensor do bem-estar do povo.

Nesta quarta-feira (19.02), realiza-se o funeral do veterano da luta armada na cripta da Praça dos heróis, uma cerimónia antecedida pela leitura de várias mensagens.

Em vida, Marcelino dos Santos idealizou e defendeu um socialismo de orientação marxista-leninista como a melhor opção para o combate à pobreza em Moçambique.

O nacionalista criticou durante as suas intervenções a mudança do socialismo para a economia de mercado e chegou a revelar que esse assunto não foi discutido no partido que está no poder há quatro décadas.

O jornalista e historiador Refinaldo Chilengue acredita que isto faz sentido, porque Marcelino dos Santos manteve a sua coerência política cultivada desde os tempos da luta pela independência. Chilengue acha que ele resistiu às mudanças que outros companheiros de luta fizeram após a proclamação da independência.

O abandono do marxismo-leninismo

"Ele, como ser humano, pode ter tido desequilíbrios no seu desempenho mas, no fundamental, Marcelino dos Santos manteve a sua rigidez ideológica", avalia o historiador Chilengue.

O capitalismo era um modelo impensável na altura da proclamação da independência, mas - a partir de 1987, quando Moçambique abre-se ao liberalismo económico - muitos membros da FRELIMO foram criticados por Marcelino por terem enriquecido de forma rápida.

Para Chilengue, Marcelino dos Santos não tem histórias de acumulação de fortunas - pelo menos que seja público. Isso revelaria o sentido socialista que mantinha.

"É dos que não se conhecem grandes fortunas, [ele] não se meteu em grandes negócios de origem duvidosa. Ele morreu defendendo - pelo menos publicamente - aquela filosofia inicial que tivemos conhecimento quando a FRELIMO chegou [ao poder] oficialmente em 1974", destaca.

"Kalungano"

O realizador cinematográfico Sol de Carvalho considera que "Kalungano" - um pseudónimo adotado por Marcelino dos Santos em seus poemas - é uma história que ainda tem de se desvendar.

arvalho entende que a história de Major-General remete aos moçambicanos a uma reflexão para ser saboreada com objetividade.

"Hoje, se calhar, ainda há muitos preconceitos, muitas vontades que não são muito coincidentes e que provocam algum atrito nessa visão histórica objetiva. Mas o tempo vai dizer porque ele marcou de fato uma geração", pondera Carvalho.

Quando Moçambique alcançou a independência, em Junho de 1975, houve cenários políticos e económicos que pressionavam o país a mudar de sistema político.

Mesmo assim, segundo o jornalista cultural Belmiro Adamgy, o poeta Marcelino dos Santos continuou com o seu sonho.

"Porque ele continuou a ser uma pessoa lúcida, bastante interventiva quando tinha oportunidade de falar, ele nunca se coibiu de falar o que pensava, o que mostra que ele tinha bem presente na cabeça dele as coisas que ele queria e os seus colegas que participaram na luta armada", avalia Adamgy.

Kalungano em algumas ocasiões ficou desencantado com alguns membros do partido por terem tirado proveitos pessoais, como analisa ainda o jornalista.

"Não concordava com isso. Ele dizia que não era com isso que Mondlane sonhava e que, nalgum momento, algumas pessoas tinham confundido os objetivos para os quais a FRELIMO tinha sido criada".

Romeu da Silva (Maputo) | Deutsche Welle

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