Mariana Mortágua* |
Jornal de Notícias | opinião
Na semana passada o PS fez
conhecer os dois nomes que indicará para o Tribunal Constitucional. Ao
contrário do que aconteceu na anterior legislatura, desta vez o PS dispensou a
consulta daqueles a quem chama parceiros, ignorando qualquer negociação com os
partidos à sua esquerda. A nomeação, a confirmar-se, resultará na redução da
presença de mulheres, mas, além disso, na entrada de Vitalino Canas no Tribunal
Constitucional.
Conhecemos bem Vitalino Canas e o
seu currículo. Ligado aos interesses económicos de Macau, foi consultor da
Fundação Stanley Ho, o magnata dos casinos, fez parte do Conselho Consultivo de
uma empresa imobiliária, presidiu à comissão de remunerações e à Assembleia
Geral do Banco Português de Gestão (da Fundação Oriente, de que também foi
consultor), entre outros negócios. A maior parte destas atividades foi
desenvolvida ao mesmo tempo que exercia funções de deputado do PS, ou seja
entre 2002 e 2019.
A proximidade de Vitalino Canas
ao mundo empresarial foi agora lembrada por outros membros do PS, como Manuel
Alegre e Ana Gomes, que criticaram publicamente não só a escolha como método de
nomeações em "circuito fechado".
Mas sabendo nós que cabe ao
Tribunal Constitucional julgar e defender o interesse público sobre tantas
matérias, incluindo as alterações ao Código do Trabalho, há um cargo privado de
Vitalino Canas que assume particular importância: entre julho de 2007 e maio de
2017, foi o provedor da Ética Empresarial e do Trabalhador Temporário, nomeado
pela Associação Portuguesa de Empresas do Setor Privado de Emprego e de
Recursos Humanos. Acontece que isso fez de Vitalino Canas o representante, no
Parlamento, dos interesses dos patrões das empresas de trabalho temporário
(ETT), as maiores responsáveis pelo abuso laboral e pelos níveis de
precariedade em Portugal.
Em 2007, na votação da lei do
trabalho temporário, Vitalino Canas apresentou uma declaração de voto indignada
contra as garantias de proteção aos trabalhadores contidas no diploma: "é
com inquietação que constato que (...) o novo regime de trabalho temporário é
mais restritivo do que aquele que o PS apresentou inicialmente". Para se
opor à limitação dos contratos de trabalho temporário a um máximo de dois anos,
afirmou: "Não é de esperar que, perante estes obstáculos, as empresas
optem por soluções "habilidosas", menos transparentes, de trabalho
ilegal sem grandes hipóteses de fiscalização?".
Vitalino Canas lá saberia se, na
sua opinião, seria normal esperar ilegalidades por parte dos patrões das ETT
como resposta à introdução de direitos laborais. À esquerda cabe esperar e
garantir, através do voto no Parlamento, que a opinião de Vitalino Canas fica
longe das decisões do Tribunal Constitucional.
*Deputada do BE
Sobre o nomeado:
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