terça-feira, 25 de fevereiro de 2020

Portugal | O provedor da precariedade no Tribunal Constitucional?!


Mariana Mortágua* | Jornal de Notícias | opinião

Na semana passada o PS fez conhecer os dois nomes que indicará para o Tribunal Constitucional. Ao contrário do que aconteceu na anterior legislatura, desta vez o PS dispensou a consulta daqueles a quem chama parceiros, ignorando qualquer negociação com os partidos à sua esquerda. A nomeação, a confirmar-se, resultará na redução da presença de mulheres, mas, além disso, na entrada de Vitalino Canas no Tribunal Constitucional.

Conhecemos bem Vitalino Canas e o seu currículo. Ligado aos interesses económicos de Macau, foi consultor da Fundação Stanley Ho, o magnata dos casinos, fez parte do Conselho Consultivo de uma empresa imobiliária, presidiu à comissão de remunerações e à Assembleia Geral do Banco Português de Gestão (da Fundação Oriente, de que também foi consultor), entre outros negócios. A maior parte destas atividades foi desenvolvida ao mesmo tempo que exercia funções de deputado do PS, ou seja entre 2002 e 2019.

A proximidade de Vitalino Canas ao mundo empresarial foi agora lembrada por outros membros do PS, como Manuel Alegre e Ana Gomes, que criticaram publicamente não só a escolha como método de nomeações em "circuito fechado".

Mas sabendo nós que cabe ao Tribunal Constitucional julgar e defender o interesse público sobre tantas matérias, incluindo as alterações ao Código do Trabalho, há um cargo privado de Vitalino Canas que assume particular importância: entre julho de 2007 e maio de 2017, foi o provedor da Ética Empresarial e do Trabalhador Temporário, nomeado pela Associação Portuguesa de Empresas do Setor Privado de Emprego e de Recursos Humanos. Acontece que isso fez de Vitalino Canas o representante, no Parlamento, dos interesses dos patrões das empresas de trabalho temporário (ETT), as maiores responsáveis pelo abuso laboral e pelos níveis de precariedade em Portugal.

Em 2007, na votação da lei do trabalho temporário, Vitalino Canas apresentou uma declaração de voto indignada contra as garantias de proteção aos trabalhadores contidas no diploma: "é com inquietação que constato que (...) o novo regime de trabalho temporário é mais restritivo do que aquele que o PS apresentou inicialmente". Para se opor à limitação dos contratos de trabalho temporário a um máximo de dois anos, afirmou: "Não é de esperar que, perante estes obstáculos, as empresas optem por soluções "habilidosas", menos transparentes, de trabalho ilegal sem grandes hipóteses de fiscalização?".

Vitalino Canas lá saberia se, na sua opinião, seria normal esperar ilegalidades por parte dos patrões das ETT como resposta à introdução de direitos laborais. À esquerda cabe esperar e garantir, através do voto no Parlamento, que a opinião de Vitalino Canas fica longe das decisões do Tribunal Constitucional.

*Deputada do BE

Sobre o nomeado:

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