Jornal de Notícias | editorial
Já tínhamos visto de tudo no
futebol português. Na verdade, pensávamos que já tínhamos visto de tudo no
futebol português. Afinal, não. Afinal, ainda havia um nível subterrâneo para
percorrer no imenso lodaçal em que germina o desporto mais mobilizador do país.
O racismo entrou em campo, vindo
de fora do campo, e acabou como deve acabar. Fora de jogo. Os insultos racistas
de que foi vítima Marega envergonham o futebol, mas envergonham sobretudo o
país. E são, infelizmente, um retrato cru de uma guerra civil que, a cada
jornada que passa, se alimenta com mais voragem de uma cultura de ódio que nada
tem que ver com os valores do desporto ou sequer de uma sociedade livre,
democrática e inclusiva.
Mas agora ponha o dedo no ar quem
podia garantir que, mais cedo ou mais tarde, isto não iria acontecer. Que um
jogador, fosse ele qual fosse, de que clube fosse, não ia, um dia, num jogo
mais acalorado, decidir abandonar o terreno por ter sido rasteirado da forma
mais vil possível. Porque não é a primeira vez que assistimos a episódios de
racismo nos campos de futebol em Portugal, mas é a primeira vez que um
profissional de futebol marca uma posição tão corajosa. E isso, no meio de
tanta hipocrisia, é que releva o peso deste murro na mesa de um jogador que
desistiu de fazer o que é suposto fazer. Marcar golos. Correr atrás de uma
bola. Lutar. Ser um profissional.
Só que isto já não é
"só" sobre futebol. O que se passou ontem em Guimarães ultrapassa o
reduto das quatro linhas, dos comentadores aditivados e das cegueiras compulsivas.
O que se passou ontem em Guimarães mostrou ao Mundo um Portugal que não pode
ser tolerado. Seja nas bancadas de um estádio, seja noutro palco qualquer. Em
Espanha, no Brasil e no Canadá, o Portugal que vai ser visto é um Portugal que
não podemos aceitar como país acolhedor que somos, como país que convive
pacificamente com a diversidade cultural, étnica e religiosa.
Seria de esperar que o caso
Marega pudesse contribuir para elevar o debate no futebol português em torno do
que verdadeiramente importa. Mas não. O clamor que vimos e ouvimos a alguns não
foi suficiente para abafar a turba barulhenta que vive para atirar gasolina
para a fogueira. Adeptos, dirigentes, comentadores. Eles que enchem a boca com
futebol, mas que o tratam tão mal. A eles, a todos eles, só podemos responder
com o vigor de uma certeza: os golos não têm cor. O futebol não pode tolerar
racismos nem racistas. Por isso, Marega, faz dos golos a tua lição. A outra
lição. Porque a maior de todas, essa, já a deste. Ao futebol, ao país e aos ignorantes
que olharam para a tua pele e não te viram a ti.
A Direção
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