segunda-feira, 17 de fevereiro de 2020

Portugal | Os golos não têm cor


Jornal de Notícias | editorial

Já tínhamos visto de tudo no futebol português. Na verdade, pensávamos que já tínhamos visto de tudo no futebol português. Afinal, não. Afinal, ainda havia um nível subterrâneo para percorrer no imenso lodaçal em que germina o desporto mais mobilizador do país.

O racismo entrou em campo, vindo de fora do campo, e acabou como deve acabar. Fora de jogo. Os insultos racistas de que foi vítima Marega envergonham o futebol, mas envergonham sobretudo o país. E são, infelizmente, um retrato cru de uma guerra civil que, a cada jornada que passa, se alimenta com mais voragem de uma cultura de ódio que nada tem que ver com os valores do desporto ou sequer de uma sociedade livre, democrática e inclusiva.

Mas agora ponha o dedo no ar quem podia garantir que, mais cedo ou mais tarde, isto não iria acontecer. Que um jogador, fosse ele qual fosse, de que clube fosse, não ia, um dia, num jogo mais acalorado, decidir abandonar o terreno por ter sido rasteirado da forma mais vil possível. Porque não é a primeira vez que assistimos a episódios de racismo nos campos de futebol em Portugal, mas é a primeira vez que um profissional de futebol marca uma posição tão corajosa. E isso, no meio de tanta hipocrisia, é que releva o peso deste murro na mesa de um jogador que desistiu de fazer o que é suposto fazer. Marcar golos. Correr atrás de uma bola. Lutar. Ser um profissional.

Só que isto já não é "só" sobre futebol. O que se passou ontem em Guimarães ultrapassa o reduto das quatro linhas, dos comentadores aditivados e das cegueiras compulsivas. O que se passou ontem em Guimarães mostrou ao Mundo um Portugal que não pode ser tolerado. Seja nas bancadas de um estádio, seja noutro palco qualquer. Em Espanha, no Brasil e no Canadá, o Portugal que vai ser visto é um Portugal que não podemos aceitar como país acolhedor que somos, como país que convive pacificamente com a diversidade cultural, étnica e religiosa.

Seria de esperar que o caso Marega pudesse contribuir para elevar o debate no futebol português em torno do que verdadeiramente importa. Mas não. O clamor que vimos e ouvimos a alguns não foi suficiente para abafar a turba barulhenta que vive para atirar gasolina para a fogueira. Adeptos, dirigentes, comentadores. Eles que enchem a boca com futebol, mas que o tratam tão mal. A eles, a todos eles, só podemos responder com o vigor de uma certeza: os golos não têm cor. O futebol não pode tolerar racismos nem racistas. Por isso, Marega, faz dos golos a tua lição. A outra lição. Porque a maior de todas, essa, já a deste. Ao futebol, ao país e aos ignorantes que olharam para a tua pele e não te viram a ti.

A Direção

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