segunda-feira, 2 de março de 2020

Como uma galinha sem cabeça


Darío Herchhoren

O título deste artigo decorre do modo como antigamente se sacrificavam as galinhas, em que o matador utilizava uma faca pesada ou um machado para decepar as cabeças com um só golpe. Uma vez arrancadas as cabeças a galinhas ainda corriam alguns metros até caírem mortas.

A análise da política turca torna verosímil a utilização dessa expressão a fim de qualificá-la, pois zigzagueia de um lado para outro sem cabeça.

Vejamos algo da história da Turquia. Os chamados turcos otomanos tomaram o império romano do oriente – conhecido como Bizâncio, ou Império Bizantino – quando ocuparam a sua capital. Esta era conhecida como Constantinopla, para recordar o imperador romano Constantino que dividiu o velho império romano entre os seus filhos, Arcádio e Honório.

Os turcos provêm da região de Altai, na Ásia Central, onde ainda hoje existem populações de origem turca no que se conhece como Turquestão russo e Turquestão chinês. Na China esta população é conhecida como uigur e nela predomina a religião muçulmana. Na Rússia são conhecidos como tadjiques, os quais foram reconhecidos pela antiga URSS como República Socialista do Tadjiquistão.

A história da Turquia está a condicionar o presente turco e é preciso ter em conta que isto implica certas fidelidades à tradição, ainda que por vezes as mesmas se entrecruzem. Temos por um lado a origem asiático; por outro a criação do império otomano que abrangia grandes territórios no norte de África. Nestes, assentaram-se na Líbia os misratas de origem turca, em todo o Egipto e Sudão, na península arábica e no que se conhece como Oriente Próximo (Síria, Iraque, Líbano e Palestina).




O alinhamento da Turquia com as chamadas potências centrais (Alemanha e Áustria-Hungria) na guerra de 1914-18 implicou na prática o fim do império turco, que caia aos pedaços, e a fundação por Mustafá Kemal Ataturk (o pai dos turcos) da República Turca em 1919, que mantém os territórios actuais.

Nesta fundação a Turquia perde a Grécia, uma parte do que era a Jugoslávia, Chipre e a Albânia.

A partir desse momento, e sobretudo depois da morte de Kemal Ataturk, é o exército que detém o poder real na Turquia. Até que um partido social-democrata encabeçado por Bulent Ecevit consegue retirar poder aos militares. Posteriormente estes voltam a dar outro golpe e retomam seus velhos hábitos golpistas.

A economia turca cresce rapidamente e isto leva a que a Turquia tente entrar na União Europeia. Mas para isso, há que abraçar certas formas democráticas, ainda que sejam apenas formais. E quando adoptaram estas formas a UE afastou-se e fez saber ao governo de Turgut Ozal que é um clube cristão e que lhe dará apenas o estatuto de associado à UE.

Com as coisas neste pé, a Turquia não encontra um lugar no mundo. Não rompe com a NATO, da qual faz parte com um exército de dois milhões de soldados (o maior desta organização). Mas tenta uma lua de mel com a Rússia, comprando-lhe armas como os lança mísseis S300 e S400. Primeiro forma um mercado comum com a Síria e a seguir apoia os jihadistas contra o governo sírio. Assina um acordo para levar a paz ao martirizado povo sírio, juntamente com a Rússia. E finalmente volta-se contra a Rússia, prejudicando a actuação dos militares russos na Síria.

Isto custou à Turquia a perda de mais de cem blindados nos últimos dias, destruídos pela aviação russa, e uma chamada de atenção do ministro Lavrov.

Estão pendentes por um fio as exportações turcas de frutas, verduras e aves para a Rússia. A sua possível perda significaria um golpe duríssimo para a sua economia.

Mas é preciso inscrever tudo isto dentro da nova guerra fria que os EUA estão a travar contra a Rússia. Os EUA firmaram com a Grécia um acordo pelo qual esta lhe entrega o controle de todas as suas bases militares. Isto implica que os EUA tentarão estrangular a Rússia, fechando o Mar Negro à navegação de navios russos através dos Dardanelos , a fim de impedir a passagem de naves russas para o Mediterrâneo.

Nas forças armadas turcas convivem as tendências pró russas e pró ianques. É muito possível que num futuro próximo vejamos um novo golpe de estado. Quem o dará primeiro? É preciso aguardar para ver. Enquanto isso os EUA protegem o clérigo turco Fetullah Gulem, que vive refugiado no seu território e que lhes pode ser útil nas tentativas de debilitar o governo de Erdogan. Este continua a correr como uma galinha sem cabeça, apesar de ainda a manter no seu lugar. Não esqueçamos que a CIA já tentou decapitar o seu governo há poucos anos e que, graças à informação transmitida pela Rússia ao governo Erdogan, este pôde abortá-lo.

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