Pedro Tadeu | TSF | opinião,
em 02 Março, 2020
Segundo a ONU, há 820 milhões de
pessoas que passam fome no mundo e a cada quatro ou cinco segundos há uma
pessoa, muitas vezes criança, que morre por não comer o suficiente para
sobreviver.
A malária, uma doença que, apesar
de estar em queda assinalável, atinge mais de 200 milhões de pessoas no mundo,
mata ainda 300 a 400 mil pessoas todos os anos.
A pneumonia mata 16 pessoas por
dia em Portugal e mais de 11 mil só na Europa.
As doenças cardiovasculares, as
chamadas doenças do coração, matam cerca de 17 milhões de pessoas todos os anos
e um estudo recente do Centro de Medicina Baseada na Evidência da Faculdade de
Medicina da Universidade de Lisboa afirma que até 2036 vamos ter em Portugal um
aumento de 70% de mortes devido à insuficiência cardíaca, por causa do efeito
do envelhecimento da população.
E o cancro provoca cerca de 26%
de todas as mortes no planeta.
Todos este números servem para eu
tentar aqui relativizar o medo que parece estar instalado à escala global com
os números do coronavírus, uma doença que até agora, desde dezembro/janeiro,
provocou cerca de três mil mortes mas que mobilizou já meios de combate e de
prevenção gigantescos e que parece estar a assustar as pessoas muito para lá da
racionalidade e da prudência saudáveis.
Note-se que em Portugal ainda não
há notícia de haver uma pessoa residente infetada (embora seja inevitável que
isso vá acontecer) e já li que na semana passada houve em alguns sítios uma
corrida à compra de máscaras (que esgotaram rapidamente) a medicamentos para
aliviar sintomas e até a desinfetantes nos hipermercados.
Por outro lado, a exigência de
resposta que populações afetadas fazem aos respetivos governos é extremamente
elevada e os políticos mobilizam tudo o que podem para tentar conter as
críticas enquanto os que estão na oposição argumentam que tudo o que está a ser
feito é tardio ou insuficiente.
E, claro, nas bolsas os
especuladores aproveitaram para venderem as ações que têm e que ainda estavam
caras para, daqui a uns meses, quando o pânico passar, voltarem a comprá-las
muito mais baratas e assim, mais uma vez, obterem lucros de milhares de milhões
enquanto, no meio do processo, provavelmente milhares de empresas terão de se
reestruturar e mandar milhões de trabalhadores para o desemprego.
Este comportamento um tanto ou
quanto histérico face a uma doença nova contrasta violentamente com a relativa
indiferença com que encaramos as mortes, muito mais elevadas, de doenças que já
conhecemos e com que nos habituámos a lidar.
Quando, por exemplo, vejo os
números de mortos pela fome ou pela malária que citei há pouco, tragédias para
as quais a humanidade, em teoria, tem há décadas recursos suficientes para as
evitar, percebo de forma dramática como as pessoas dos países mais pobres são
simplesmente abandonados pelos países mais ricos, numa gestão global do sistema
em que vive a humanidade que é, simplesmente, criminosa.
O coronavírus tem, portanto, este
lado irritante de ser uma espécie de doença da moda, que nos mete medo por nos
poder matar, mas que não nos confronta com a nossa indiferença perante as
crónicas milhões de mortes (há, literalmente, séculos) provocadas por doenças
que desvalorizamos porque são dos pobres ou porque nos habituámos a conviver
com elas e a aceitá-las como naturais.
O coronavírus mostra que até nas
doenças a desigualdade mostra cruelmente o lado perverso da organização da
sociedade humana: como em tudo, nem todas as doenças mortais são iguais.
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