A gorda reintegração dos
deputados em Moçambique: "Uma dimensão superior de corrupção"
"Os deputados, por um lado,
deixam o Governo fazer e desfazer e em troca é-lhes permitido aprovar este tipo
de leis (reintegração social do deputado) em seu próprio benefício",
entende Adriano Nuvunga da ONG CDD.
A 6 de abril, o Parlamento
moçambicano aprovou o orçamento para a reintegração social dos deputados, uma
espécie de reforma "jackpot" que lhes garante o usufruto de regalias
após término do mandato. Sem ninguém que os trave, se auto atribuem privilégios
de fazer arregalar os olhos, se comparados com as condições de vida da maioria
da população, maioria essa que, através dos impostos, sustenta as comodidades
dos seus representantes.
Para Adriano Nuvunga, diretor do
Centro para Democracia e Desenvolvimento (CDD), "o problema reside na
legitimidade deste pagamento. É um pagamento legal porque foi aprovado
pela lei de 2014 e o que os deputados estão a fazer é executar isso, mas é
ilegítimo este pagamento, primeiro ponto, o contexto em que nos encontramos da
Covid-19, de incerteza, em que muitos trabalhadores estão a perder os seus
empregos."
E num timing "quase
perfeito", na última semana, o Governo manifestou dúvidas sobre o aumento
salarial para este ano por causa da Covid-19. A concretizar-se, valerá a máxima
"o rico fica cada vez mais rico e o pobre cada vez mais pobre?"
O diretor do CDD questiona este
paradoxo: "A mesa da concertação social onde se discute o aumento do
salário mínimo foi suspenso justamente porque o que está em causa é se os
trabalhadores vão manter ou não os empregos, mas os deputados querem ter essas
mordomias todas nesta altura."
Mas não se trata apenas de um
abuso contra a população, Há leis que não terão sido tomadas em conta, o
que faz questionar o seguinte: falta de conhecimento, falta de respeito ou
violação intencional. Mas em qualquer das hipóteses seria inadmissível a um
Parlamento.
Para o Centro de Integridade
Pública (CIP), que contesta a aprovação do subsídio, "fica claro que, os
deputados que aprovaram o seu próprio estatuto e do mesmo se vão beneficiar,
legislaram em benefício e causa próprios, o que a Lei de Probidade Pública não
permite."
Deputados descontaram ou não?
Face ao escândalo que o caso
provocou, o deputado Galiza Matos Jr. terá justificado à imprensa nacional que
os privilégios provêm de descontos que os deputados efetuaram a partir dos seus
salários. Contudo, juristas colocaram em cheque o deputado da FRELIMO, partido
no poder, ao lembrar o número 2 do artigo 45 da Lei no 31/2014 de 30 de
dezembro que diz "o pagamento do subsídio de reintegração não pressupõe
quaisquer contribuições".
"Este pagamento não é
razoável em dois sentidos, primeiro é uma despesa adicional, não decorre do
desconto do deputado, recorre aos contribuintes num orçamento que vai de ano a
ano deficitário", contesta Adriano Nuvunga.
E o diretor do CDD prossegue com
os contra-argumentos: "O segundo aspeto é que ele não se justifica porque
o deputado, contrariamente aos que estão noutras áreas de soberania,
nomeadamente os juízes e Executivo, esses trabalham de 1 a 30, ora, os
deputados trabalham sazonalmente e continuam a exercer as suas atividades
originais de onde saíram e quando terminam o mandato voltam para os mesmos
postos com 50% do tempo a contar, ou seja, esteve a contar do tempo que esteve
ausente, ou seja, esteve a receber. Não se encontra paralelo na sociedade para
justificar".
A DW procurou ouvir uma reação
dos deputados a este tema, mas ainda não obteve uma reação.
De que tamanho é o umbigo dos
deputados?
A DW ainda não apurou se o
orçamento foi aprovado por unanimidade, contudo vale a pena lembrar que no Parlamento
a maioria das vezes a oposição e o partido do dia nunca comungam das mesmas
posições. Resta saber se para este caso o inédito concretizou-se. Mesmo sem
esclarecimento, certos setores questionam os reais interesses dos deputados na
chamada casa mãe. Mas como alegam que os interesses do povo é que os norteiam
não seria ético e de bom senso recusarem um privilégio que so promove
desigualdade e injustiça?
"Os deputados, na minha
maneira de ver, partilharam o espólio do Estado, em que por um lado deixam o
Governo fazer e desfazer e em troca lhes é permitido aprovar este tipo de leis
em seu próprio beneficio. De outra maneira não seria possível. É, na verdade,
uma dimensão superior de corrupção política", entende o diretor do CDD.
O orçamento a favor dos deputados
é aprovado numa altura em que Moçambique vive uma crise financeira e económica
sem precedentes, resultante das dívidas ocultas avaliadas em cerca de 2 mil
milhões de euros. Daí a pergunta que não quer calar: onde irá o Governo buscar
dinheiro? Ao bolso do contribuinte, suspeita-se.
Face à irrazoabilidade do
caso, a sociedade civil moçambicana exigiu na quinta-feira (17.04) a revogação
do regulamento ao Parlamento. O Fórum de Monitoria do Orcamento (FMO) justifica
que "o valor aprovado para os subsídios de reintegração dos deputados
mostra-se demasiado elevado para os moçambicanos".
Nádia Issufo | Deutsche Welle
Sem comentários:
Enviar um comentário