quarta-feira, 15 de abril de 2020

Portugal | E SE O COMBATE FOSSE À DESIGUALDADE?


Paulo Baldaia | Jornal de Notícias | opinião

Vai iniciar-se mais uma etapa no aprofundamento das desigualdades em que vivemos.

Crianças de todo o país, mais no interior do que no litoral, mais na periferia do que nos centros das grandes cidades, vão iniciar a telescola em condições incomparavelmente piores que as crianças que têm computadores e Internet em casa.

Numa sociedade claramente desigual, em que até tendo emprego se pode ser pobre, a pandemia que estamos a viver e o combate que estamos a fazer acentuam essas desigualdades. Lá à frente, a crise económica encarregar-se-á de mostrar, uma vez mais, que uns poucos não vão poder continuar a acumular milhões, alguns conseguirão ultrapassar as dificuldades com as poupanças que fizeram e muitos não vão ter até para as coisas mais básicas. Por isso, o debate sobre o regresso à economia - não o regresso à normalidade, porque esse é impossível - tem de ser agora o debate prioritário.

Não implica "deixar a doença correr". Não implica deixar morrer os mais frágeis. Implica que os testes passem a ser generalizados. Implica garantir que há máscaras para toda a gente. Implica responsabilidade máxima de todos nós, para garantir distanciamento social e regras de higiene rigorosas.

Na véspera de ser decretado o estado de emergência - já lá vai quase um mês - defendi nas páginas do JN que as restrições impostas não poderiam ser exageradas, sob pena de se poder "dar o caso desta sociedade não morrer da doença e acabar por morrer da cura". Ainda não chegamos lá, mas para lá caminhamos. Ninguém duvida que o confinamento foi essencial para impedir o colapso do SNS, mas ultrapassada essa fase, é chegado o momento de voltar à vida. Temos de salvar o máximo de empresas e empregos e isso não se faz com um lay-off prolongado.

As condições em que se faz este confinamento já é profundamente desigual, entre os que partilham casas pequenas sem uma varanda sequer e os que vivem com muito espaço interior e exterior. As possibilidades de escapar sem contaminação também são muito desiguais. Pessoal dos hospitais (médicos, enfermeiros e auxiliares); dos lares de terceira idade; dos supermercados, das farmácias, da limpeza urbana, motoristas profissionais e estafetas, quase todos mal pagos, são "sacrificados" porque entendemos que as suas atividades são cruciais para a vida de todos. Quanto mais o tempo passa, mais atividades profissionais entram nesta categoria. É esse passo que temos de dar rapidamente para que voltar à economia não seja entrar num deserto onde só sobrevivem espécies protegidas.

Jornalista

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