Publicado originalmente em 14 de
abril de 2020
No sábado, o New York Times publicou
uma longa reportagem documentando o fracasso do governo Trump em responder às
repetidas advertências, vindas de dentro do próprio governo federal, de que os
Estados Unidos estavam à beira de um desastre que ameaçava centenas de milhares
de vidas.
O Times observou: “O
gabinete responsável por monitorar pandemias do Conselho Nacional de Segurança
recebeu relatórios de inteligência no início de janeiro, prevendo a propagação
do vírus para os Estados Unidos e em poucas semanas já apresentava alternativas,
como manter os estadunidenses afastados do trabalho e fechar cidades do tamanho
de Chicago. O Sr. Trump evitaria tais medidas até março.”
Esses alertas foram repetidos
pelos Institutos Nacionais de Saúde, pelos Centros de Controle e Prevenção de
Doenças e até mesmo por membros do gabinete presidencial. Apesar desses
alertas, o governo Trump não conseguiu implementar as medidas mais básicas para
conter a pandemia. Em 2 de março, quase dois meses após Trump ter recebido as
advertências iniciais de que a pandemia atingiria os Estados Unidos, havia
menos de 500 casos confirmados de COVID-19 em todo o país. Naquela altura, a
pandemia já se espalhava sem controle há mais de um mês.
Em público, Trump minimizou
deliberadamente a gravidade da doença, alegando falsamente que a pandemia não
era pior que uma gripe. Argumentou que ela desapareceria por si mesma e
declarou que a doença era uma “farsa”. No domingo, Trump retuitou uma
publicação que o encorajava a demitir o Dr. Anthony Fauci, seu principal
conselheiro científico, que declarou publicamente que, se as medidas tivessem
sido implementadas mais cedo, vidas teriam sido salvas.
Claramente irritado com a
exposição da incompetência de seu próprio governo, Trump, como de costume,
atacou ferozmente a imprensa na segunda-feira, insultando repórteres em uma
nova demonstração de ignorância, brutalidade, reacionarismo e autoglorificação.
Como sempre, Trump passou a maior parte de sua coletiva de imprensa elogiando a
si mesmo e negando toda a responsabilidade pelo desastre que está se
desenrolando.
Apesar da reportagem do Times fazer
uma denúncia importante da incompetência da resposta de Trump à pandemia, ela deixa
de fora uma parte essencial do quadro. Não explica por que a classe dominante
como um todo estava tão despreparada para lidar com a pandemia.
A sequência de erros desastrosos
cometidos por Trump foi uma continuidade natural das políticas adotadas por
todo o establishment político e pelos governos anteriores. Afinal, os governos
Bush e Obama destruíram a prontidão do sistema público de saúde, cortando
verbas ano após ano. Apesar dos alertas do perigo de uma pandemia há pelo menos
duas décadas, nenhuma ação foi tomada para formar estoques de equipamentos
necessários.
Além disso, de janeiro até hoje,
nenhum setor do establishment político estadunidense exigiu seriamente uma
expansão real dos gastos com saúde pública e um programa de testes massivos,
uma quarentena e mapeamento dos contatos com o vírus que poderiam ter contido a
pandemia e salvo dezenas de milhares de vidas. E ainda assim, em questão de
semanas, ambos os partidos – Republicano e Democrata – foram capazes de
trabalhar juntos para garantir um resgate de vários trilhões de dólares a Wall
Street e às grandes corporações, o que fez o mercado de ações disparar ao mesmo
tempo que milhões de pessoas perdiam seus empregos.
A narrativa do Times também
não explica por que o seu próprio histórico e de outros grandes veículos de
comunicação é tão deplorável quanto o de Trump.
Apesar dos inúmeros avisos sobre
o novo coronavírus na mídia internacional, desde o início de janeiro, o New
York Times só foi dedicar seu primeiro editorial ao tema em 29 de janeiro.
O jornal, que várias vezes serve como porta-voz de “fontes anônimas” dentro do
aparato de inteligência, não reportou os “relatórios de inteligência no início
de janeiro, prevendo a propagação do vírus para os Estados Unidos” como mais
uma das “bombas” que recorrentemente estampam suas manchetes.
Em seu editorial de 29 de
janeiro, advertiu que a “desconfiança” nas “instituições” – uma palavra que o
jornal usa para se referir tanto a si mesmo quanto às agências de inteligência
dos EUA – é o maior fator de risco para a disseminação da COVID-19. Ele não
exigiu nenhuma medida de emergência para combater a doença, nem uma expansão da
capacidade de testes, quarentena e rastreamento de contatos.
Em seguida, um silêncio total
tomou conta do jornal durante um mês inteiro, ao longo do qual o New York
Times não escreveu um único editorial sobre a pandemia. Foi só em 29 de
fevereiro, quando havia 63 casos registrados nos Estados Unidos e estava
confirmada a transmissão comunitária, que o conselho editorial do Times voltou
ao assunto.
Nesse meio tempo, que abarcou a
conclusão da tentativa abortada de impeachment de Trump com base em falsas
alegações de “conluio” com a Rússia, o Times apresentou aos seus
leitores sua cota habitual de alegações de “intromissão russa” na sociedade
estadunidense, de propaganda a favor da guerra, de histeria do movimento #MeToo
e de demandas por expansão do poder das agências de inteligência dos EUA.
Durante o mês de fevereiro, as
bolsas de valores estadunidenses continuaram a atingir novos patamares. Trump
tem insistido em deixar claro que sua principal preocupação com a pandemia é o
seu impacto na economia e, em particular, nos mercados de ações. Não é difícil
supor que preocupações semelhantes motivaram o conselho editorial do Times a
tentar minimizar as “más notícias”.
De fato, quando seu conselho
editorial voltou ao assunto, em 3 de março, possuía um novo foco: “Se o governo
federal não for capaz de conter a disseminação do coronavírus e o panorama
econômico escurecer, um estímulo tão amplo pode ser necessário”.
Enquanto o Times se
calava sobre a pandemia da COVID-19, políticos democratas e republicanos
preparavam um projeto de lei bipartidário de estímulo, que incluía US$ 450
bilhões em resgates corporativos e financiava os pagamentos de US$ 5 trilhões
que o Federal Reserve destinaria a Wall Street e às grandes empresas.
O silêncio do governo Trump e do
Partido Democrata contrasta com as extensas advertências do World
Socialist Web Site.
Um artigo de
Benjamin Mateus publicado em 24 de janeiro notou que “surgiram evidências de
que a infecção de pessoa para pessoa está ocorrendo” e que “casos já foram
confirmados na Tailândia, Japão, Coréia do Sul, Taiwan, Vietnã, Cingapura,
Arábia Saudita e Estados Unidos”.
Em um artigo da seção
“Perspectiva”, de 28 de janeiro, intitulado “O surto de coronavírus em Wuhan e
a ameaça global de doenças infecciosas”, o WSWS observou: “O surto expôs a
enorme vulnerabilidade da sociedade contemporânea a novas cepas de doenças
infecciosas, perigos para os quais nenhum governo capitalista se preparou
adequadamente”.
O WSWS afirmou: “Ainda que a
situação na China seja terrível, os chamados países de primeiro mundo não estão
melhor preparados para lidar com um surto na escala que está ocorrendo em
Wuhan”.
A perspectiva continuava:
Dito de outra forma, enquanto os
governos do mundo, particularmente os Estados Unidos, montaram ao longo do
último quarto de século planos meticulosos para uma guerra em larga escala,
nenhum recurso ou planejamento foi dedicado ao combate da explosão de epidemias
que assolaram o planeta durante o mesmo período. Desde 1996, houve 67 epidemias
em todo o mundo, incluindo o surto da doença da vaca louca de 1996 a 2001, a
gripe suína em 2009 e o Zika Vírus em 2015-2016, além da contínua epidemia de
HIV/AIDS, que já matou ao menos 30 milhões de pessoas desde que surgiu, em
1960.
Estes desastres são evitáveis a
cada vez que ocorrem. A ciência médica avançou ao ponto de ser capaz de
identificar novos vírus em semanas e desenvolver vacinas em meses. E ainda,
como a então Diretora Geral da OMS, Dra. Margaret Chan, observou em 2014 em
relação ao surto de Ebola: “uma indústria movida pelo lucro não investe em
produtos para mercados que não podem pagar”. …
Os esquemas mercenários de lucros
a curto prazo, que são inerentes ao capitalismo, são incapazes de alocar os
recursos necessários para se planejar com antecedência e se preparar para os riscos
globais.
Ao longo do mês seguinte, no
período em que o conselho editorial do New York Times esteve calado,
o World Socialist Web Site escreveu quatro grandes declarações sobre
a pandemia, além de sua cobertura jornalística diária.
Em “A pandemia do coronavírus: um
desastre global”, de 11 de fevereiro, o World Socialist Web Site condenou as
políticas nacionalistas e xenofóbicas da administração Trump e as declarações
do Secretário de Comércio Wilbur Ross de que a pandemia “acelerará a volta dos
empregos para a América do Norte”. O artigo advertia: “Como todos os problemas
sociais – incluindo a crescente desigualdade social, as mudanças climáticas que
se aceleram e a ameaça exacerbada de guerra – a epidemia do coronavírus é um
problema global que requer uma solução internacional”.
Em 27 de fevereiro, o WSWS
publicou uma Perspectiva intitulada:
“A pandemia do coronavírus e a necessidade de uma medicina global socializada”.
Alex Lantier escreveu: “É fundamental que o sistema de saúde mundial seja capaz
de isolar pacientes, limitar a velocidade de propagação da doença e dedicar os
recursos necessários para proporcionar cuidados intensivos aos pacientes que
desenvolveram pneumonia a partir da infecção”.
No dia seguinte, o WSWS publicou
uma declaração do
Comitê Internacional da Quarta Internacional que afirmava: “O governo dos EUA
está completamente despreparado para um grande surto. Não existe um sistema
para ao menos detectar sistematicamente o vírus.”
E concluía: “A classe
trabalhadora deve exigir que os governos disponibilizem os recursos necessários
para conter a propagação da doença, tratar e cuidar das pessoas infectadas e
garantir a subsistência de centenas de milhões de pessoas que serão afetadas
pelas consequências econômicas”.
O World Socialist Web Site não
possui os vastos recursos financeiros que o New York Times tem à sua
disposição. E mesmo assim conseguimos alertar o público sobre o desastre que
estava prestes a ocorrer.
A razão disso é que a orientação
política do WSWS é totalmente diferente. A preocupação tanto do governo Trump
quanto do New York Times, o principal meio de comunicação do Partido
Democrata, é a preservação dos interesses financeiros e econômicos da elite
dominante. A preocupação do WSWS é a defesa da classe trabalhadora e das amplas
massas da população.
Assim como deixaram de alertar o
público sobre os perigos do coronavírus que se espalhava pelo país, tanto o
governo Trump como o New York Times procuram hoje, mais uma vez,
minimizar a pandemia para criar um clima para um
retorno prematuro ao trabalho. O World Socialist Web Site está
focado em alertar sobre esses movimentos, argumentando que as vidas humanas
devem ter prioridade sobre os lucros da elite dominante.
Há mais de duas décadas, o World
Socialist Web Site, a publicação do Comitê Internacional da Quarta
Internacional, tem se mostrado uma ferramenta indispensável na defesa dos
interesses sociais e políticos da classe trabalhadora.
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Andre Damon
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Na imagem: O Presidente Donald
Trump fala durante uma reunião da força-tarefa do coronavírus, na Casa Branca,
Washington, em 10 de abril de 2020 (Crédito: AP Photo/Evan Vucci)
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