Depois de negligenciar por meses
a Covid-19, e ver EUA convertidos no epicentro da doença, Trump ataca… a OMS!
Veja também: no Brasil, o ministério da Saúde vacila, a quarentena afrouxa e
país fica sob ameaça de tragédia humanitária
Maíra Mathias e Raquel Torres
| Outras Palavras
DONALD TRUMP QUER UM CULPADO
Depois de culpar a China, a mídia
e até o governo Obama, Donald Trump elegeu uma nova inimiga: a Organização Mundial da Saúde (OMS).
Sim, o mesmo Donald Trump que demorou 52 dias para decretar estado de
emergência nacional depois que o primeiro caso de covid-19 foi identificado nos
Estados Unidos. O mesmo que não acreditava na necessidade de as escolas se
prepararem para a avalanche nos casos. O mesmo que pretendia reabrir os
negócios em todo o país neste domingo de Páscoa…
“Vamos fazer uma retenção no dinheiro gasto na OMS, vamos fazer uma retenção poderosa e vamos ver”, ameaçou o presidente ontem – por uma infeliz coincidência, Dia Mundial da Saúde e aniversário da Organização.
Os ataques continuaram no Twitter: “A OMS recebe uma grande quantidade de dinheiro dos EUA, somos responsáveis pela maior parte do dinheiro. Eles [os integrantes da OMS] criticaram e discordaram da minha proibição a viagens na época. Eles estavam errados, sobre muitas coisas. Eles tinham muitas informações com antecedência e não quiseram agir. Eles parecem ser muito centrados na China”. As referências são sobre a proibição das viagens da China, que os EUA estabeleceram em 31 de janeiro. A OMS havia acabado de aconselhar os países a manterem abertas suas fronteiras, mas ressaltando que cada nação poderia adotar suas medidas individuais. Na época, além da China já havia casos confirmados em 15 países, incluindo os EUA.
Uma campanha contra a China tem se espalhado rapidamente, por sinal. Na semana passada, o senador republicano Marco Rubio pediu a renúncia do diretor-geral do organismo, Tedros Ghebreyesus, dizendo que “ele permitiu que Pequim usasse a OMS para enganar a comunidade global”. A denúncia – até o momento, não confirmada – de que o governo chinês estaria encobrindo os verdadeiros números do coronavírus no país está realmente ganhando os corações conservadores.
Mas a verdade é que Trump quer cortar dinheiro da OMS há tempos. O financiamento dos EUA para as Nações Unidas tem diminuído; em 2018 o presidente chegou a propor reduzi-lo em 50%. Há três anos a Casa Branca tenta impor restrições a programas globais de saúde e, em meados de fevereiro, o governo tinha planos específicos para a OMS: planejava cortar pela metade o financiamento no ano que vem.
Aliás… Quando todos os olhares estão voltados para a pandemia, o episódio ajuda a jogar luz sobre o quanto a OMS depende de um punhado de financiadores. Entre os países-membros, os EUA são os que mais financiam a Organização, com seus recursos representando 14,67% do total. Para este biénio, eles forneceram US$ 893 milhões, sendo US$ 236 milhões em taxas obrigatórias (que são proporcionais ao tamanho e ao PIB dos países) e a grande maioria, US$ 657 milhões, em doações voluntárias. Justamente as doações voluntárias é que representam o maior volume do orçamento da OMS – nada menos do que três quartos dele. E quem costuma ficar lado a lado com os EUA, disputando sempre o primeiro lugar nas doações voluntárias, não é algum outro governo, mas a Fundação Bill & Melinda Gates. Explicamos isso longamente nesta reportagem do Outra Saúde, que segue atual.
“Vamos fazer uma retenção no dinheiro gasto na OMS, vamos fazer uma retenção poderosa e vamos ver”, ameaçou o presidente ontem – por uma infeliz coincidência, Dia Mundial da Saúde e aniversário da Organização.
Os ataques continuaram no Twitter: “A OMS recebe uma grande quantidade de dinheiro dos EUA, somos responsáveis pela maior parte do dinheiro. Eles [os integrantes da OMS] criticaram e discordaram da minha proibição a viagens na época. Eles estavam errados, sobre muitas coisas. Eles tinham muitas informações com antecedência e não quiseram agir. Eles parecem ser muito centrados na China”. As referências são sobre a proibição das viagens da China, que os EUA estabeleceram em 31 de janeiro. A OMS havia acabado de aconselhar os países a manterem abertas suas fronteiras, mas ressaltando que cada nação poderia adotar suas medidas individuais. Na época, além da China já havia casos confirmados em 15 países, incluindo os EUA.
Uma campanha contra a China tem se espalhado rapidamente, por sinal. Na semana passada, o senador republicano Marco Rubio pediu a renúncia do diretor-geral do organismo, Tedros Ghebreyesus, dizendo que “ele permitiu que Pequim usasse a OMS para enganar a comunidade global”. A denúncia – até o momento, não confirmada – de que o governo chinês estaria encobrindo os verdadeiros números do coronavírus no país está realmente ganhando os corações conservadores.
Mas a verdade é que Trump quer cortar dinheiro da OMS há tempos. O financiamento dos EUA para as Nações Unidas tem diminuído; em 2018 o presidente chegou a propor reduzi-lo em 50%. Há três anos a Casa Branca tenta impor restrições a programas globais de saúde e, em meados de fevereiro, o governo tinha planos específicos para a OMS: planejava cortar pela metade o financiamento no ano que vem.
Aliás… Quando todos os olhares estão voltados para a pandemia, o episódio ajuda a jogar luz sobre o quanto a OMS depende de um punhado de financiadores. Entre os países-membros, os EUA são os que mais financiam a Organização, com seus recursos representando 14,67% do total. Para este biénio, eles forneceram US$ 893 milhões, sendo US$ 236 milhões em taxas obrigatórias (que são proporcionais ao tamanho e ao PIB dos países) e a grande maioria, US$ 657 milhões, em doações voluntárias. Justamente as doações voluntárias é que representam o maior volume do orçamento da OMS – nada menos do que três quartos dele. E quem costuma ficar lado a lado com os EUA, disputando sempre o primeiro lugar nas doações voluntárias, não é algum outro governo, mas a Fundação Bill & Melinda Gates. Explicamos isso longamente nesta reportagem do Outra Saúde, que segue atual.
DEBAIXO DA AMEAÇA
A polémica da vez chega, curiosamente, poucas horas depois que revelações bombásticas dos jornalistas do New York Times e do Axios vieram à tona: memorandos internos do governo, escritos por Peter Navarro, consultor económico de Trump, mostram que o presidente estava sendo avisado desde janeiro sobre os estragos que o novo coronavírus poderiam causar no país.
No primeiro documento, emitido no fim daquele mês, Navarro previa até 500 mil mortes nos EUA pela doença. Em 23 de fevereiro, um novo documento piorava a projeção: alertava que o vírus poderia infectar mais de 100 milhões e matar até dois milhões de pessoas por lá. Pedia pelo menos US$ 3 bilhões do Congresso para prevenção, tratamento e diagnóstico, e recomendava um investimento imediato em equipamentos de proteção individual para profissionais de saúde – seriam necessárias, por exemplo, pelo menos um bilião de máscaras de proteção para um período de quatro a seis meses. Em vez disso, o governo federal suspendeu essas despesas até meados de março.
“O memorando carecia de base para suas projeções, o que levou alguns funcionários a se preocuparem com a possibilidade de atrapalhar desnecessariamente os mercados e não direcionar o financiamento para onde era realmente necessário”, disse ao Axios um alto funcionário da Casa Branca, mostrando como o governo tinha outras preocupações em mente.
Entre tudo que os documentos recomendavam, o que Trump teve gosto em fazer foi restringir as viagens da China. O que o presidente fez além disso? Seguiu dando declarações como as de que tudo estava “sob controle”; que o mercado de ações estava “começando a parecer muito bom”; que o coronavírus iria desaparecer “como um milagre”; que “não, não estou nem um pouco preocupado”. Ainda no fim de fevereiro, quando havia cerca de 60 casos confirmados no país, ele declarou a jornalistas que “poderemos estar com apenas um ou dois casos confirmados em um curto período de tempo”. Menos de dois meses depois, são quase 400 mil, com mais de 12 mil mortes.
Questionado sobre isso na entrevista de ontem, Trump deu de ombros. Disse que não leu os memorandos e ainda continuou sustentando sua posição da época: “Bem, os casos realmente não se desenvolveram por um tempo”, afirmou, Ora, os casos não se desenvolveram porque o país não testava ninguém.
Em tempo: sabemos que o Congresso dos EUA aprovou a implantação do pacote económico de US 2,3 trilhões como socorro durante a pandemia. É o recurso que vai ser usado para dar auxílio financeiro a famílias e empresas. Ontem, Trump demitiu o líder de um comité formado para fiscalizar a atuação do governo em relação ao pacote, investigando suspeitas de fraude, desperdício ou abuso.
NA CORRIDA
Só no primeiro dia de cadastro para receber o auxílio emergencial de R$ 600, 18,3 milhões de trabalhadores informais correram à plataforma da Caixa Econômica. São pessoas que não têm registo de microempreendedor individual nem contribuem de forma autónoma com o INSS. E há muito mais: a estimativa é que sejam de 15 a 20 milhões nessa situação. Eles só vão começar a receber o auxílio no dia 14.
MÓRBIDO INDICADOR
Os especialistas têm defendido que, num país que navega cego pela epidemia de covid-19 como o Brasil, os números mais importantes são os de mortes confirmadas. Pois ontem, pela primeira vez, o Ministério divulgou que houve mais de cem mortes num período de 24 horas. O registo de 114 óbitos entre segunda e terça colocou o Brasil na 12º posição em desfechos fatais do novo coronavírus. De acordo com as informações reunidas pela Universidade John Hopkins (mais dinâmicas do que as da OMS, que precisa esperar os países enviarem os dados oficialmente), estamos entre Suíça (784 óbitos) e Turquia (649). No total, temos 667 mortes registradas e 13.717 casos confirmados.
NÃO É SÓ PELA FALTA
O país não está às cegas só porque faltam testes para detectar o novo coronavírus. Indagado pela Folha, o Ministério da Saúde admitiu ontem que não faz a menor ideia de quantos testes já foram realizados no país. Como se o seu papel se limitasse a distribuir insumos, a Pasta respondeu que só sabe que enviou aos estados 54 mil testes PCR e 500 mil testes rápidos…
POR QUÊ?
Ter um presidente como Jair Bolsonaro é uma variável que atrapalha o Brasil na epidemia de covid-19 de várias formas. Uma delas, que muito nos preocupa, é que percamos de vista a avaliação crítica da resposta dada pelas autoridades sanitárias federais com medo de abrir a porta para ‘o pior’ – neste caso, com medo de jogar óleo na fritura de Luiz Henrique Mandetta.
Ontem, falamos aqui sobre o boletim do Ministério da Saúde que estabelece critérios para a adoção de diferentes formas de isolamento nos estados e municípios. O documento, na prática, recomenda o “isolamento vertical” defendido por Bolsonaro – que recebeu o nome de “isolamento social seletivo” – a partir do dia 13 de abril para locais onde a capacidade dos serviços de saúde não esteja comprometida em mais de 50%.
A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão resolveu fazer dez perguntas ao ministro que tem frisado com tanta contundência sua atuação “técnica”: quais são os estudos técnicos nacionais e internacionais que embasam tal proposta? O órgão do Ministério Público Federal lembra que há uma disparidade muito grande de leitos de internação e de UTI no Brasil. E um critério menos grosseiro seria olhar para a disponibilidade de leitos de tratamento intensivo para cada grupo de mil habitantes ao invés de ter como bússola a capacidade total dos serviços de saúde.
Na coletiva, a imprensa fez ontem outra boa pergunta: por que 13 de abril? “Colocamos dia 13 porque a Páscoa é dia 12”, foi a resposta chocante dada pelo secretário de Vigilância em Saúda da Pasta, Wanderson de Oliveira. Na sequência, ele afirma que “se conseguirmos manter um bom isolamento social até a Páscoa, que é de confraternização, todo mundo quer estar junto” daqui a apenas cinco dias, passada a data religiosa, os gestores poderão avaliar a condição das suas localidades e estabelecer o momento mais oportuno para flexibilizar suas quarentenas. Assim, magicamente, como se a Páscoa abrisse um portal para outra dimensão. A única coisa que nos vem à cabeça é que parece que o governo federal já espera uma pressão da sociedade depois do feriado e, de antemão, jogou a responsabilidade por manter o isolamento no colo dos gestores locais.
Mandetta também tentou se desvencilhar do ônus das decisões que são consequência lógica da flexibilização prevista no documento. Segundo o ministro, Brasília emana os “guidelines” e cabe aos gestores adotarem ou não.
É quase esquizofrénico: se o pico de casos deve acontecer no início de maio, se as próximas semanas serão decisivas, se as pesquisas demonstram que as taxas de adesão às quarentenas em curso são aquém do suficiente, se a Pasta já diagnosticou que faltam leitos, insumos e profissionais, o que explica que justamente agora se publiquem critérios para a flexibilização do isolamento social – que é a estratégia que resta a um país como o Brasil que não testa sua população?
Em tempo: o Exército tirou do ar o documento que recomendava o isolamento social publicado por seu Centro de Estudos Estratégicos…
ENQUANTO ISSO, NOS ESTADOS…
No Rio de Janeiro, o governador Wilson Witzel publicou ontem um decreto que autoriza 30 cidades a retomarem o funcionamento do comércio de forma ampla, geral e irrestrita. São as cidades onde não foi registado nenhum caso da doença até o momento. As prefeituras de cada município poderão “decidir” se seguem ou não a medida. Imagina a pressão? No resto do estado, Witzel liberou que o comércio – não apenas restaurantes – funcione por delivery. O Estadão observa que na capital fluminense, as ruas estão mais movimentadas a cada dia. Ao todo, o Rio registra 1.688 casos, 89 óbitos e a covid-19 já é a causa de 21% de todas as internações registradas, segundo o próprio governador.
Em São Paulo, estudos de mobilidade feitos pela UNESP apontam que medidas de isolamento devem ser adotadas em todas as cidades. Os pesquisadores se debruçaram sobre as principais vias rodoviárias do estado e identificaram 13 cidades de médio porte que são os pequenos epicentros de espalhamento do vírus pelo interior. Por lá, 20% dos municípios – ou 121 de um total de 645 – já possuem ao menos um caso. “Mas é uma questão de tempo”, observa Raul Guimarães, do Laboratório de Geografia da Saúde da UNESP, que defende que apenas a quarentena pode frear o espalhamento.
Ontem, David Uip, que coordena o Centro de Contingência do Coronavírus criado por SP, afirmou que a adesão ao distanciamento social está em 54%, mas precisa aumentar para 70%. Caso contrário, o sistema de saúde paulista entra em colapso. O estado registou 371 mortes e 5.682 casos.
No Ceará, o governador Camilo Santana (PT) voltou atrás da decisão de flexibilizar a quarentena, anunciada no domingo. Na segunda, a medida foi estendida até 20 de abril. Pesquisadores da Fiocruz e da UFBA prevêem que o pico de casos no estado deve acontecer a partir dessa data, transformando o estado no primeiro do país a viver essa situação de estresse.
O Piauí já está perseguindo um caminho mais rigoroso: com quarentena decretada até o dia 30 de abril, o estado vai aplicar multas de R$ 500 em pessoas e entre R$ 5 mil e R$ 17 mil a empresas que descumprirem o isolamento social.
DISCUSSÃO TAMBÉM É QUENTE LÁ FORA
Depois de 11 semanas, termina hoje o isolamento de Wuhan, a cidade chinesa de 11 milhões de habitantes onde o novo coronavírus foi detectado pela primeira vez. A data marca a liberação de todos os transportes públicos. Mas, por lá, escolas, bares, restaurantes e outros estabelecimentos permanecerão fechados. E no restante dos locais, há uma série de condicionantes que precisam ser respeitados.
“Temos de medir a temperatura de todos os empregados duas vezes ao dia e transmitir os dados às autoridades locais. Os trabalhadores devem usar máscaras durante toda a jornada. Temos de provar às autoridades que dispomos de um estoque do produto suficiente para cinco dias de uso. Também devemos fornecer aos empregados produtos desinfetantes para uso pessoal e desinfetar as instalações da empresa duas vezes por dia. O fim da quarentena será gradual porque existe um medo enorme de retomada da epidemia devido aos portadores assintomáticos”, relata o empresário francês Jacky Raimbault, em entrevista a RFI.
A circulação de pessoas foi liberada há mais ou menos duas semanas em Wuhan. Lá, e no restante do país, chineses e estrangeiros precisam provar que estão livre do vírus para usar transporte público. Isso é feito através de um código QR que é enviado pelas autoridades para o telefone celular de cada um. E o país permanece em constante alerta. Uma outra cidade chamada Suifenhe decretou lockdown depois que 25 casos foram confirmados na região, que é próxima à Rússia.
Outro exemplo da importância do isolamento social é o Japão – não porque tenha adotado a medida, mas porque, finalmente – e em parte –, capitulou diante do avanço da covid-19. Ontem, o primeiro-ministro japonês, Shinzo Abe, decretou estado de emergência no país. Isso permitirá que autoridades fechem restaurantes e bares, por exemplo. Também dá início à pressão para que as pessoas fiquem voluntariamente em casa. A medida só se aplica aos grandes centros. Além disso, Abe traçou um panorama pouco realista ao anunciá-la. Segundo o político, duas semanas serão o suficiente para reverter o crescimento de casos, registados às centenas nos últimos dias.
Tarde e otimista demais? Essa é a pergunta feita pelo New York Times a especialistas que defendem que o país adote medidas mais rigorosas, já que sua falta de ação pode ter levado a um iminente crescimento exponencial em cidades superpopulosas, como Tóquio, onde os casos mais que dobraram nos últimos cinco dias.
Essa semana, Suécia e Holanda, que também resistiam, anunciaram medidas mais rígidas para conter o novo coronavírus.
Por outro lado, ali mesmo na Europa, cinco países querem sair da quarentena depois da Páscoa. São eles: Áustria, Dinamarca, Noruega, República Checa e Bélgica. A abertura será “gradual, suave e controlada”, nota a repórter Ana Estela de Sousa Pinto, da Folha, parafraseando uma autoridade dinamarquesa. É preciso ver.
SINALIZOU
Na entrevista coletiva de ontem, Luiz Henrique Mandetta lançou sinais de alinhamento para o Palácio do Planalto. O ministro da saúde descreveu o governo Bolsonaro como um “conjunto de cabeças muito qualificadas que pensam juntas”. Para ele, “às vezes as pessoas têm opiniões divergentes, é normal que tenham”. E ainda: “Tudo o que estamos precisando agora é união”, conclamou.
Em meio a tanta fumaça, um dos sinais mais importantes emitidos por Mandetta ontem tem a ver com o uso da hidroxicloroquina. O ministro afirmou que sua Pasta está estudando se a receita do composto químico para pacientes com sintomas leves de covid-19 pode ter o efeito de evitar o agravamento do quadro. Trata-se da proposta que havia ironizado na véspera, vocalizada por médicos que se aproximaram de Bolsonaro recentemente como Nise Yamaguchi, cotada para assumir o Ministério.
Para integrantes da equipe direta do presidente, no entanto, o comportamento de Mandetta na segunda-feira provocou uma “ressaca” que, no limite, levou o presidente a não participar da cerimónia de liberação da renda básica de R$ 600, seguindo conselhos de dedicação a agendas internas. E como não houve um acerto entre ele e Bolsonaro, “ainda há preocupação com o que poderá acontecer nos próximos dias porque os fios continuam desencapados”, escreve Tânia Monteiro, no Estadão.
Mas a lavação de roupa suja acontece hoje: Mandetta tem uma reunião marcada com Bolsonaro para daqui a pouquinho, às 9h. Será uma conversa só entre os dois.
A propósito: Olavo de Carvalho defendeu ontem a prisão de Mandetta afirmando, dentre outros absurdos, que o ministro proíbe a hidroxicloroquina, taxada como a “cura” para a doença. E Osmar Terra declarou que a quarentena vai “matar o Brasil” e cobrou que o ministro da saúde acerte o discurso com seu chefe.
LOUCA OBSESSÃO
A cena aconteceu no domingo, durante uma entrevsita coletiva. Um repórter perguntou a Anthony Fauci, médico e diretor do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas dos EUA, o que ele pensava sobre a hidroxicloroquina. Donald Trump se meteu: “Você não precisa responder a essa pergunta. Eu já respondi 15 vezes”, disse a Fauci – que tem alertado repetidamente sobre a falta de evidências sobre o tratamento.
As evidências podem chegar, e até seria bom que chegassem. Mas, enquanto isso não acontece, a obsessão do presidente pela cloroquina só deve beneficiar mesmo as farmacêuticas que o produzem. E nisso Trump tem ao menos um pequeno interesse pessoal: Segundo o New York Times, ele tem participação na Sanofi, uma das maiores fabricantes da hidroxicloroquina no mundo. E uma das principais acionistas da Sanofi é uma empresa administrada por Ken Fisher, grande doador do Partido Republicano.
Já comentamos aqui os problemas da pesquisa que impulsionou o frenesi em torno da hidroxicloroquina. Ontem, a colunista Mônica Bergamo falou dos resultados preliminares de um estudo feito pela Fiocruz e pela Fundação de Medicina Tropical com 81 pacientes internados. Infelizmente, a taxa de morte entre os que usaram e os que não usaram a droga foi quase igual. A pesquisa ainda vai seguir até que os dados sejam conclusivos, com 440 pacientes sendo testados em diferentes hospitais do país.
ESTÁ CHEGANDO
Chegou ontem a confirmação do primeiro caso de covid-19 entre Yanomamis. O paciente é um rapaz de 15 anos e, segundo lideranças indígenas, a suspeita é de que a contaminação tenha vindo a partir de garimpeiros ilegais. Quase 30 mil indígenas vivem no território Yanomami. Com a confirmação, subiu para cinco o número de indígenas em aldeias da Amazônia infectados. Os outros quatro são do povo Kokama. Não houve nenhuma morte entre eles mas, segundo o Instituto Socioambiental, dois indígenas não-aldeados já morreram, uma no Pará e um no Amazonas.
A situação no Amazonas é péssima. Em entrevista a’O Globo, o secretário de Saúde Rodrigo Tobias diz que 95% dos leitos estão ocupados, mesmo ainda longe do pico da doença – e o estado é um dos que se encontra, segundo o Ministério da saúde, em possível fase de transição para uma etapa de “aceleração descontrolada” das contaminações.
Há poucos leitos de UTI, eles não existem no interior. As grandes distâncias são um problema extra. UTIs aéreas e ‘ambulanchas’ são as alternativas de transporte para os pacientes chegarem a Manaus. E o coronavírus começa a se espalhar pelos pequenos municípios: dos 636 casos registados no estado, 76 estão no interior, em 12 cidades.
LIBEROU
O governo dos EUA chegou a um acordo com a 3M, uma das maiores produtoras de artigos hospitalares do mundo, para enfim permitir que a empresa continue exportando para outros países. Com a proibição de exportações, a fábrica chinesa da 3M estava proibida de vender para outros mercados; agora, há um certo alívio.
Em tempo: o Ministério Público do Ceará apreendeu ontem 50 mil máscaras hospitalares que estavam sendo vendidas na rede de farmácias Droguista Cearense por preços 1.700% maiores do que os normais. Antes da pandemia, uma caixa dom 50 unidades custava R$ 10, mas o preço tinha chegado a R$ 180.
EM PORTUGUÊS
O robô da OMS que fornece informações confiáveis sobre a covid-19 pelo WhatsApp já está disponível no idioma de Camões. Para se cadastrar, basta mandar ‘oi’ para o número +41 22 501-7735 ou clicar neste link.
APAGÃO
Em dez anos, o mundo vai enfrentar um déficit de profissionais da enfermagem caso nada seja feito para reverter a tendência. O aviso foi dado ontem pela OMS, que projeta falta de 7,6 milhões de enfermeiros em 2030. O levantamento foi feito em 191 países e recomenda que se eleve o número de profissionais formados anualmente em 8%, além de investimentos nas condições de trabalho e aumento dos salários para que mais gente seja atraída pela profissão. Hoje, existem 27,9 milhões de profissionais de enfermagem no mundo.
Outras Palavras
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