terça-feira, 12 de maio de 2020

Paraísos fiscais em tempo de pandemia


Nas vésperas de um Conselho Europeu decisivo e em plena crise de pandemia da COVID-19, multiplicam-se as notícias sobre os avultados dividendos distribuídos pelas maiores empresas em Portugal. Entre os destinos favoritos das empresas do PSI-20 está a Holanda, que se comporta como um offshore no centro da Europa. Dossier organizado por Francisco Louçã e Adriano Campos.

Nas vésperas de um Conselho Europeu decisivo e em plena crise de pandemia da COVID-19, multiplicam-se as notícias sobre os avultados dividendos distribuídos pelas maiores empresas em Portugal. No caso do PSI-20, são as mesmas empresas que deslocalizaram as suas holdings para o estrangeiro, evitando pagar parte dos seus impostos em Portugal. Entre os destinos favoritos, surge a Holanda, país que tem uma carga fiscal mais baixa e um acesso mais fácil à isenção de mais-valias e de tributação de dividendos, figurando na prática como um offshore dentro da União Europeia. O impasse na resposta à crise por parte da UE criado pelo governo holandês não impede que a elite económica em Portugal continue a engrossar os seus lucros por essa via, como refere Pedro Filipe Soares.

Neste dossier sobre os paraísos fiscais em tempo de pandemia, Francisco Louçã e Mariana Mortágua explicam a origem e os mecanismos dos paraísos fiscais. A estimativa apresentada pela Tax Justice Network aponta para um montante entre 21 e 32 biliões de dólares localizados em jurisdições de sigilo em todo o mundo, e para fluxos financeiros transnacionais ilícitos entre 1 e 1,6 biliões de dólares. Segundo o mesmo relatório, os países africanos terão perdido mais de um bilião de dólares em fuga de capitais para estas jurisdições desde 1970, mas não é só nos países em desenvolvimento que o problema assume dimensões astronómicas. Um estudo da Comissão Europeia aponta para que, em média, entre 2001 e 2016, ativos financeiros equivalentes a 26% do PIB nacional tenham sido localizados em territórios offshore. Em Portugal, o recurso a paraísos fiscais ficou bem patente no caso da ESCOM (Grupo Espírito Santo).

Na União Europeia, favoreceu-se desde  há muito a lógica perversa da “competitividade fiscal” entre os países, que incentiva  a fuga para os paraísos fiscais e delapida as receitas dos Estados, como elucidam a Marisa Matias, o José Gusmão e o Vicente Ferreira. O facto de a Comissão Europeia apenas considerar como paraísos fiscais 12 territórios (todos fora da UE) diz tudo sobre a seriedade do combate à evasão fiscal na União. Não deixa de ser curioso que as Ilhas Caimão, o pequeno território britânico que, além das vistosas praias, ficou conhecido pelas mais de 100.000 empresas registadas (1/5 das quais no mesmo edifício), apenas passe a ser considerado para a lista negra dos paraísos fiscais da União após a conclusão do Brexit e a saída do Reino Unido. Para a União Europeia, parece que o combate pela justiça fiscal só se justifica se for como instrumento de retaliação. Em plena crise económica e de saúde pública, alguns países começaram já a tomar medidas, como a Dinamarca e Polónia que excluíram  empresas registadas em paraísos fiscais dos apoios públicos de emergência.

Francisco Louçã | Adriano Campos | Esquerda.net

Sem comentários:

Mais lidas da semana