Pedro Santos Guerreiro | Expresso
| opinião
O primeiro-ministro sabe tudo.
Sabe de cor os apoios a sócios-gerentes e a recibos verdes, o número de
disciplinas nas escolas e de máscaras nos transportes públicos, o que vai
acontecer nas praias e nos festivais de música, o primeiro-ministro nunca é apanhado
em falso numa entrevista. Só não sabe uma coisa: que foram transferidos mil
milhões para o Novo Banco.
O mesmo primeiro-ministro que não
diz gastar um cêntimo na TAP sem controlar não controla cem mil milhões de
cêntimos para o Novo Banco.
Está tudo errado. É chocante
saber que nem António Costa abriu os olhos para o dinheiro nem o ministro das
Finanças pestanejou em transferi-los. É claro que a oposição vai pôr em causa a
justiça na repartição de sacrifícios na pandemia. E é previsível que agora se
diga e sublinhe e repita que “para os bancos há sempre dinheiro”. Até porque é
verdade. Como verdade é o seguinte: já não podia ser de outra forma, porque
todo o sistema de apoios ao Novo Banco foi assim montado.
Chamar ‘banco bom’ ao Novo Banco
foi como chamar ‘Pai Natal’ a quem dá presentes. Ambos não existem. O ex-BES
carregou milhares de milhões em créditos maus que foi vendendo ao preço da uva
mijona, pois era mesmo uva que não poderia dar vinho. Fê-lo porque era preciso.
E fê-lo porque pôde: havia capital garantido no Fundo de Resolução (outro nome
‘Pai Natal’, aliás, para dizer que o dinheiro financiado pelo Estado não é do
Estado) para cobrir os prejuízos daí resultantes. E como eles se têm empilhado
nos últimos anos.
O acordo foi feito com Bruxelas e
só tinha, em geral, duas alternativas: ou se deixava o banco falir ou se fazia
um aumento de capital gigante à cabeça. Optou-se por garantir o capital ao
longo de alguns anos, na esperança, aliás, de que ele fosse vendido. Foi, é
verdade; a Lone Star ficou com 75% de mil milhões de euros, que hoje o banco
não vale. E nós fomos enchendo a vala às pazadas de mil milhões. É quase tudo
dinheiro do Estado, tirando as contribuições de outros bancos, contrariados em
subsidiar um concorrente que se aniquilou enquanto BES. Acredita que os bancos
vão pagar ao Estado o dinheiro agora emprestado durante 30 anos? Eu não, mas
espero estar cá para ver.
No acordo desenhado em 2017 com o
BCE, o Novo Banco conseguiu o que provavelmente nenhum banco do mundo tem: que
injeções futuras de capital, por estarem garantidas pelo Estado, já contem como
capital. Foi assim que os rácios em 2019 foram cumpridos, já incluíam a injeção
de mil milhões que fantasmagoricamente foi processada esta semana. E se não
tivesse sido feita? Bom, então o banco entrava instantaneamente em processo de
recuperação. Percebe a armadilha?
O Novo Banco está a ser salvo por
uma máquina comercial com grande força nas empresas e com vendas de ativos
tóxicos que supostamente não existiam, que causam prejuízos, que forçam
aumentos de capital. Em tempos de pandemia, esperar-se-ia que o Governo pelo
menos reduzisse a fatura, diluindo-a por mais anos. O ministro das Finanças
percebeu que estava de mãos atadas e o primeiro-ministro de olhos vendados. E
como não sabe como há de explicar isto aos portugueses que estão a sofrer na
pele a crise económica brutal, há de fazer piruetas políticas.
Os bancos são essenciais nesta
crise, porque por eles passa o dinheiro para as empresas, eles decidem quais
vivem e quais morrem. Que não morram eles, o que começa por reconhecer que este
ano vão ter prejuízos, em vez de mascararem as perdas futuras atrás das
moratórias de crédito que o Governo aprovou. Porque de pagar prejuízos futuros
estamos fartos. E, no caso do Novo Banco, até os prejuízos passados. Para o ano
isto acaba, na última transferência. Ponham um lembrete na agenda do
primeiro-ministro, por favor.
Pedro Santos Guerreiro | Expresso – 9 de Maio 2020 – in A Estátua de Sal
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