A Procuradora Geral da República,
Beatriz Buchili, defendeu no Parlamento que “nenhum outro país tem jurisdição
para julgar” o ex-ministro das Finanças, detido na África do Sul no âmbito das
dívidas ocultas.
A Procuradora Geral da República
(PGR), Beatriz Buchili, afirmou esta quarta-feira (20.05) que a ausência de
Manuel Chang em Moçambique está aatrasar
a celeridade do processo relativo às dívidas ocultas contraídas por
três empresas em violação da lei orçamental em 2013 e 2014.
Buchili falava no Parlamento,
onde foi apresentar o informe anual sobre a situação de legalidade no país em
2019 e voltou a defender a extradição para o país de Manuel Chang, ministro das
Finanças na altura da contracção das dívidas que lesaram o estado num montante
equivalente a dois mil milhões de euros.
Chang encontra-se detido na África
do Sul desde dezembro de 2018, aguardando resposta das autoridades locais a
dois pedidos concorrentes para a sua extradição, nomeadamente de Moçambique e
Estados Unidos.
Para Beatriz Buchili, "face
à decisão proferida pelo tribunal norte-americano no processo contra Jean
Boustani que culminou com a sua absolvição, a Procuradoria Geral da República
vê reforçado o seu entendimento de que nenhum outro país tem jurisdição para
julgar e responsabilizar Manuel Chang e outros envolvidos neste processo senão Moçambique”.
Segundo a PGR, no âmbito deste
caso, o Ministério Público moçambicano abriu dois processos com 20 e 10
arguidos, respetivamente, o último dos quais inclui Manuel Chang. Beatriz
Buchili acusou os Estados Unidos de não responderem aos pedidos de cooperação
solicitados por Moçambique, prejudicando as investigações e a celeridade deste
caso.
Durante os debates, foram
solicitados esclarecimentos sobre o custo que representou para o Estado a
recente audição de Manuel Chang num tribunal sul-africano e sobre uma alegada
figura denominada "New Man” - que tem sido associada ao Presidente Filipe
Nyusi - que teria recebido dois milhões de dólares de subornos no âmbito das
dívidas ocultas.
"É do interesse da FRELIMO
que a digníssima Procuradora Geral da República esclareça a nação e ao mundo
que figura é esta. Preocupa-nos a persistente tendência de difamar
personalidades públicas da nossa pátria amada”, afirmou o deputado Aires Aly,
do partido no poder em Moçambique.
Já o deputado da RENAMO João
Samuel Watche deu voz a uma exigência do maior partido da oposição para que
"a Procuradoria Geral da República abra um processo crime contra o Governo
moçambicano por ter desobedecido ao acórdão do Conselho Constitucional que
considerou nulos os actos de contratação das dívidas ocultas e as respetivas
garantias soberanas”.
Para responder a estas e outras
questões colocadas pelos deputados, a Procuradora Geral da República volta na
quinta-feira (21.05) ao Parlamento.
Estado lesado em 544 milhões em
2019
Ainda no âmbito da corrupção,
a PGR afirmou perante os deputados que há indícios que apontam para o facto de
em 2019 o Estado ter sido lesado num valor equivalente a cerca de sete milhões
e setecentos mil euros (mais de 544 milhões de meticais).
No decurso da instrução
preparatória, segundo a Procuradora, foram apreendidos cerca de dois milhões e
trezentos mil euros (167 milhões de meticais), além de diversos bens.
"Da comparação entre o
prejuízo causado ao Estado apurado nas investigações e os montantes e bens
apreendidos aos arguidos, nota-se uma discrepância, sendo de reiterar a
urgência da aprovação da lei da recuperação de activos e da criação do
respectivo gabinete”, referiu Beatriz Buchili.
Segurança e direitos humanos em
destaque
Também a situação
de segurança no centro e norte do país mereceu destaque no informe
anual da PGR no Parlamento, com Buchili a considerar urgente que o Serviço
Nacional de Investigação Criminal (SERNIC) seja dotado de equipamentos
sofisticados e de conhecimentos técnico-operativos consentâneos com a situação em Cabo Delgado , alvo de
ataques de insurgentes.
A Procuradora Geral da República
falou também do funcionamento dos estabelecimentos prisionais, lembrando que se
registam violações dos direitos dos cidadãos resultantes da sobrelotação das
cadeias e das más condições das infraestruturas.
Assassinatos por esclarecer
Beatriz Buchili manifestou,
igualmente, preocupação com o registo de crimes contra a vida, tendo citado
como exemplo o assassinato do activista social Anastácio Matavele,
protagonizado durante a última campanha eleitoral por cinco agentes da polícia.
"É muito repugnante quando atos criminais de tamanha barbaridade são
praticados por aqueles a quem o Estado conferiu a responsabilidade de manter a
ordem e segurança dos cidadãos como são os casos de alguns agentes da nossa
polícia”, afirmou.
"A descoberta, um pouco por
todo o país, de corpos sem vida em lugares ermos e em outros locais, alguns dos
quais com sinais de violência demonstra que estamos diante de uma sociedade que
precisa resgatar os valores do respeito pela dignidade e amor à vida”, frisou a
Procuradora.
O deputado João Samuel Watche, da
RENAMO, pediu esclarecimentos sobre vários cidadãos assassinados. Já José
Domingos Manuel, do MDM, criticou o informe da PGR, que diz não apresentar uma
estratégia para o combate dos crescentes índices de mortalidade: "Vivemos
com desigualdades na nossa justiça, onde grandes mentores de rombos ficam
impunes porque pertencem a classe privilegiada. Muitas vezes, prende-se para
investigar, privando a liberdade a inocentes.”
Beatriz Buchili repudiou ainda a
onda de raptos no país, afirmando que estas redes criminosas tendem a
alastrar-se por várias províncias. A violência doméstica e sexual e o tráfico
de pessoas são outros casos que têm vindo a aumentar em Moçambique.
Leonel Matias (Maputo) | Deutsche
Welle
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