quinta-feira, 21 de maio de 2020

PGR insiste em extradição de Manuel Chang para Moçambique


A Procuradora Geral da República, Beatriz Buchili, defendeu no Parlamento que “nenhum outro país tem jurisdição para julgar” o ex-ministro das Finanças, detido na África do Sul no âmbito das dívidas ocultas.

A Procuradora Geral da República (PGR), Beatriz Buchili, afirmou esta quarta-feira (20.05) que a ausência de Manuel Chang em Moçambique está aatrasar a celeridade do processo relativo às dívidas ocultas contraídas por três empresas em violação da lei orçamental em 2013 e 2014.

Buchili falava no Parlamento, onde foi apresentar o informe anual sobre a situação de legalidade no país em 2019 e voltou a defender a extradição para o país de Manuel Chang, ministro das Finanças na altura da contracção das dívidas que lesaram o estado num montante equivalente a dois mil milhões de euros.

Chang encontra-se detido na África do Sul desde dezembro de 2018, aguardando resposta das autoridades locais a dois pedidos concorrentes para a sua extradição, nomeadamente de Moçambique e Estados Unidos.

Para Beatriz Buchili, "face à decisão proferida pelo tribunal norte-americano no processo contra Jean Boustani que culminou com a sua absolvição, a Procuradoria Geral da República vê reforçado o seu entendimento de que nenhum outro país tem jurisdição para julgar e responsabilizar Manuel Chang e outros envolvidos neste processo senão Moçambique”.

Dívidas ocultas continuam a levantar questões

Segundo a PGR, no âmbito deste caso, o Ministério Público moçambicano abriu dois processos com 20 e 10 arguidos, respetivamente, o último dos quais inclui Manuel Chang. Beatriz Buchili acusou os Estados Unidos de não responderem aos pedidos de cooperação solicitados por Moçambique, prejudicando as investigações e a celeridade deste caso.

Durante os debates, foram solicitados esclarecimentos sobre o custo que representou para o Estado a recente audição de Manuel Chang num tribunal sul-africano e sobre uma alegada figura denominada "New Man” - que tem sido associada ao Presidente Filipe Nyusi - que teria recebido dois milhões de dólares de subornos no âmbito das dívidas ocultas.

"É do interesse da FRELIMO que a digníssima Procuradora Geral da República esclareça a nação e ao mundo que figura é esta. Preocupa-nos a persistente tendência de difamar personalidades públicas da nossa pátria amada”, afirmou o deputado Aires Aly, do partido no poder em Moçambique.

Já o deputado da RENAMO João Samuel Watche deu voz a uma exigência do maior partido da oposição para que "a Procuradoria Geral da República abra um processo crime contra o Governo moçambicano por ter desobedecido ao acórdão do Conselho Constitucional que considerou nulos os actos de contratação das dívidas ocultas e as respetivas garantias soberanas”.

Para responder a estas e outras questões colocadas pelos deputados, a Procuradora Geral da República volta na quinta-feira (21.05) ao Parlamento.

Estado lesado em 544 milhões em 2019

Ainda no âmbito da corrupção, a PGR afirmou perante os deputados que há indícios que apontam para o facto de em 2019 o Estado ter sido lesado num valor equivalente a cerca de sete milhões e setecentos mil euros (mais de 544 milhões de meticais).

No decurso da instrução preparatória, segundo a Procuradora, foram apreendidos cerca de dois milhões e trezentos mil euros (167 milhões de meticais), além de diversos bens.

"Da comparação entre o prejuízo causado ao Estado apurado nas investigações e os montantes e bens apreendidos aos arguidos, nota-se uma discrepância, sendo de reiterar a urgência da aprovação da lei da recuperação de activos e da criação do respectivo gabinete”, referiu Beatriz Buchili.

Segurança e direitos humanos em destaque

Também a situação de segurança no centro e norte do país mereceu destaque no informe anual da PGR no Parlamento, com Buchili a considerar urgente que o Serviço Nacional de Investigação Criminal (SERNIC) seja dotado de equipamentos sofisticados e de conhecimentos técnico-operativos consentâneos com a situação em Cabo Delgado, alvo de ataques de insurgentes.

A Procuradora Geral da República falou também do funcionamento dos estabelecimentos prisionais, lembrando que se registam violações dos direitos dos cidadãos resultantes da sobrelotação das cadeias e das más condições das infraestruturas.
Assassinatos por esclarecer

Beatriz Buchili manifestou, igualmente, preocupação com o registo de crimes contra a vida, tendo citado como exemplo o assassinato do activista social Anastácio Matavele, protagonizado durante a última campanha eleitoral por cinco agentes da polícia. "É muito repugnante quando atos criminais de tamanha barbaridade são praticados por aqueles a quem o Estado conferiu a responsabilidade de manter a ordem e segurança dos cidadãos como são os casos de alguns agentes da nossa polícia”, afirmou.

"A descoberta, um pouco por todo o país, de corpos sem vida em lugares ermos e em outros locais, alguns dos quais com sinais de violência demonstra que estamos diante de uma sociedade que precisa resgatar os valores do respeito pela dignidade e amor à vida”, frisou a Procuradora.

O deputado João Samuel Watche, da RENAMO, pediu esclarecimentos sobre vários cidadãos assassinados. Já José Domingos Manuel, do MDM, criticou o informe da PGR, que diz não apresentar uma estratégia para o combate dos crescentes índices de mortalidade: "Vivemos com desigualdades na nossa justiça, onde grandes mentores de rombos ficam impunes porque pertencem a classe privilegiada. Muitas vezes, prende-se para investigar, privando a liberdade a inocentes.”

Beatriz Buchili repudiou ainda a onda de raptos no país, afirmando que estas redes criminosas tendem a alastrar-se por várias províncias. A violência doméstica e sexual e o tráfico de pessoas são outros casos que têm vindo a aumentar em Moçambique.

Leonel Matias (Maputo) | Deutsche Welle

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