sábado, 30 de maio de 2020

Portugal | A pobreza dá menos saúde


Inês Cardoso | Jornal de Notícias | opinião

Muitos defensores de um confinamento rígido, prolongado se possível até que haja vacina para a covid-19, insistem no argumento de que a economia não pode sobrepor-se à saúde.

É uma forma de viciar qualquer análise, porque obviamente a vida está sempre acima de qualquer valor, mas as novas dinâmicas de propagação do vírus na região de Lisboa encarregam-se de demonstrar a absoluta interligação que existe entre aqueles dois vetores.

Ver para além dos números e analisar os contextos específicos em que ocorreram os diferentes surtos obriga a olhar de frente causas socioeconómicas que interferem na saúde e na expansão da doença. Num primeiro momento, nas regiões Norte e Centro, o contágio em lares foi avassalador e expôs, a par da dificuldade em prever e conter quando ainda sabíamos pouco sobre o vírus, a forma como estão amontoados muitos dos nossos idosos. A situação em Lisboa traz uma nova realidade, com focos em bairros sociais e em grupos de trabalhadores recrutados por empresas de trabalho temporário, que vivem em habitações partilhadas e degradadas e são frequentemente transportados sem cuidados sanitários.

A pobreza, a habitação deficiente, a falta de higiene em cafés e restaurantes, um conjunto de fatores a montante acaba por ter influência na forma como é potenciada a propagação. Se a isso somarmos o facto de também a exposição ao risco aumentar à medida que diminui a escolaridade e o rendimento, como mostram os dados sobre o acesso ao teletrabalho ou sobre a utilização de transportes públicos, obtemos uma mistura explosiva.

Olhar para realidades específicas obriga a ter também respostas adequadas, incluindo mais intervenção social. Novos casos não se resolvem necessariamente com mais confinamento, mas com medidas locais e muita insistência na proteção e distanciamento. A forma de lidar com o vírus é comportamental, mas isso não é (necessariamente) sinónimo de ficar em casa. Sobretudo quando a casa é tudo menos o espaço de segurança que associamos à noção de confinamento.

*Diretora-adjunta

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