Inês Cardoso | Jornal de
Notícias | opinião
Muitos defensores de um
confinamento rígido, prolongado se possível até que haja vacina para a
covid-19, insistem no argumento de que a economia não pode sobrepor-se à saúde.
É uma forma de viciar qualquer
análise, porque obviamente a vida está sempre acima de qualquer valor, mas as
novas dinâmicas de propagação do vírus na região de Lisboa encarregam-se de
demonstrar a absoluta interligação que existe entre aqueles dois vetores.
Ver para além dos números e
analisar os contextos específicos em que ocorreram os diferentes surtos obriga
a olhar de frente causas socioeconómicas que interferem na saúde e na expansão
da doença. Num primeiro momento, nas regiões Norte e Centro, o contágio em
lares foi avassalador e expôs, a par da dificuldade em prever e conter quando
ainda sabíamos pouco sobre o vírus, a forma como estão amontoados muitos dos
nossos idosos. A situação em Lisboa traz uma nova realidade, com focos em
bairros sociais e em grupos de trabalhadores recrutados por empresas de
trabalho temporário, que vivem em habitações partilhadas e degradadas e são
frequentemente transportados sem cuidados sanitários.
A pobreza, a habitação
deficiente, a falta de higiene em cafés e restaurantes, um conjunto de fatores
a montante acaba por ter influência na forma como é potenciada a propagação. Se
a isso somarmos o facto de também a exposição ao risco aumentar à medida que
diminui a escolaridade e o rendimento, como mostram os dados sobre o acesso ao
teletrabalho ou sobre a utilização de transportes públicos, obtemos uma mistura
explosiva.
Olhar para realidades específicas
obriga a ter também respostas adequadas, incluindo mais intervenção social.
Novos casos não se resolvem necessariamente com mais confinamento, mas com
medidas locais e muita insistência na proteção e distanciamento. A forma de lidar
com o vírus é comportamental, mas isso não é (necessariamente) sinónimo de
ficar em casa.
Sobretudo quando a casa é tudo menos o espaço de segurança
que associamos à noção de confinamento.
*Diretora-adjunta
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