O
presidente do Conselho de Imprensa timorense criticou hoje o facto de o
Ministério da Justiça ter praticamente copiado a legislação da Guiné-Bissau na
sua proposta de criminalização da difamação em Timor-Leste.
Virgílio
Guterres, presidente do Conselho de Imprensa, lamentou em declarações à Lusa
que a proposta timorense seja um ‘copy-paste’ quase total da legislação na Guiné-Bissau,
afirmando que neste, como noutros casos, Timor-Leste deveria
inspirar-se nas melhores práticas.
“É
normal que se procure referências internacionais na elaboração do seu quadro
legislativo, e que se recorra a Portugal ou
até a outros países lusófonos”, disse.
“O
que nos deve inspirar são os melhores, as referências dos melhores. Os piores
podem considerar, mas apenas como referência do que não se deve copiar”,
afirmou.
Em
causa está uma proposta do Governo timorense, a que a Lusa teve acesso, que
pretende criminalizar difamação e injúrias em resposta a situações de ofensa da
honra, do bom nome e da reputação de indivíduos e entidades na comunicação
social e nas redes sociais.
As
medidas propostas, introduzidas num esboço de decreto-lei de alteração ao
Código Penal, preparado pelo Ministério da Justiça e ao qual a Lusa teve
acesso, preveem penas de prisão para casos de difamação e injúrias, para o
crime de ofensa ao prestígio de pessoa coletiva ou equiparada, e o crime de
ofensa à memória de pessoa falecida.
“O
Governo considera oportuno prever e punir determinadas imputações de factos ou
juízos suscetíveis de os ofender, introduzindo no Código Penal os crimes de
difamação e injúrias, o crime de ofensa ao prestígio de pessoa coletiva ou
equiparada, e o crime de ofensa à memória de pessoa falecida”, de acordo com o
texto.
O
texto que está a ser discutido em Timor-Leste, e que já suscitou críticas de
dirigentes políticos, organizações da sociedade civil e do setor dos media no
país, vai buscar praticamente na íntegra o texto e as penas definidas no Código
Penal da Guiné-Bissau.
As
referências são tiradas dos artigos 126 a 132 do Código Penal guineense,
nomeadamente o capítulo IV “contra a honra”, e replicada na proposta de
alteração ao código timorense.
O
relatório de 2020 da organização Repórteres Sem Fronteiras, que coloca Timor-Leste
em 78.º lugar entre 180 países, nota que a Guiné-Bissau caiu cinco posições em
2019 para 94.º lugar, considerando que “o impasse político” que se vive no país
tem sido “um obstáculo à liberdade de imprensa”.
Virgílio
Guterres insiste que Timor-Leste ainda está a construir a sua democracia e que,
por isso, deve consolidar direitos, não colocá-los em risco.
“Na
busca de uma melhor solução para a nossa causa, devemos procurar referências
que não vão contra os princípios constitucionais, os direitos humanos e a
democracia que estamos a tentar alcançar”, frisou Guterres.
Globalmente,
explicou, o Conselho de Imprensa nem sequer vai analisar a proposta em si,
considerando que “criminalizar a difamação é simplesmente para rejeitar”,
postura que vai ser comunicada ao Ministério da Justiça.
“Amanhã
vamos ter um plenário e vamos escrever ao Ministério da Justiça para que
cancelem este processo. Não vale a pena discutir uma lei que temos a certeza de
que vai matar a democracia e a liberdade de imprensa”, afirmou.
Guterres
rejeita igualmente argumentos do ministro da Justiça, Manuel Cáceres da Costa,
de que a iniciativa pretende ajudar a educar a população.
“Não
acredito nas prisões como instrumento de educação, principalmente numa
sociedade democrática que queremos. A prisão não é um instrumento de educação,
principalmente em supostos crimes de expressão”, afirmou.
“Não
podemos encarcerar a opinião das pessoas. O melhor caminho para educar pessoas
é investir na educação, na educação cívica, na formação. O MJ tem um papel a
fazer para educar as pessoas para respeitar a lei, os regimentos que
produzimos”, disse.
O
presidente do Conselho de Imprensa questiona tanto a motivação da proposta como
o seu ‘timing’, especialmente com o país em estado de emergência e num momento
de combate à pandemia da covid-19.
“Porque
é que esta ideia nasce num período em que o país todo e o mundo todo está
concentrado na luta contra a pandemia? Sabemos das preocupações anteriores a
este esboço, sobretudo o discurso de ódio nas redes sociais”, disse.
No
entanto, considerou que “neste caso a melhor resposta a essas preocupações
deveria ser com uma lei de crimes cibernéticos, não criminalizando a difamação”.
Plataforma
| Lusa – em 17.06.2020
Sem comentários:
Enviar um comentário