Carlos Roberto Saraiva da Costa Leite* | Porto Alegre
| Brasil
“Quem se faz superior a toda lei
não é membro da comunidade, mas um tirano ou rebelde”. (Hipólito José da Costa)
Há 212
anos, em 1º de junho de 1808, devido à Censura Régia no Brasil, começou a
circular, em Londres, o nosso primeiro jornal: o “Correio Braziliense” ou
Armazém Literário (1808-1822). Criado por Hipólito José da Costa Pereira
Furtado de Mendonça [1774 / Colônia do Sacramento (atual Uruguai) - 1823 /
Londres] – considerado o Patrono da Imprensa no Brasil - este mensário circulou
clandestino na Colônia e em Portugal, registrando, em suas 175 edições, os
fatos mais importantes ocorridos na Europa e nas Américas. Em suas páginas,
entre outros pioneirismos, defendeu a abolição gradual dos escravos no
Brasil , a implantação de maquinário moderno e de mão de obra imigrante, já que
havia muitos desempregados em alguns locais na Europa após as guerras
napoleônicas.
A Inglaterra, país no
qual Hipólito José da Costa viveu os 18 anos restantes da sua existência, após
a sua fuga do cárcere da Inquisição (1805), em Portugal, sob acusação de
ser maçom, liderou o tráfico de escravizados, passando depois, por interesse
próprio, a defender a sua extinção, pois, com a Revolução Industrial,
necessitava de futuros mercados consumidores e vinha criando tratados, desde
1810, para combater o tráfico negreiro, especialmente no Brasil.
Uma das cláusulas impostas
ao nosso País, para que o governo inglês reconhecesse a nossa independência
(1822), era o Brasil encerrar com o tráfico de escravizados, o que ocorreu somente,
em 1850, com a criação da Lei Euzébio de Queirós, embora este nefando comércio
seguisse internamente entre as províncias.
O jornalista e maçom
Hipólito José da Costa considerava a escravidão um entrave ao progresso da
Nação. Infelizmente, a Lei Áurea, de 13 de maio de 1888, que determinou o final
da escravidão no Brasil, ocorreu sem um projeto de inserção social para os
libertos, bem como as leis anteriores beneficiavam mais ao proprietário do que
o escravizado.
Diante do despreparo do
escravizado frente a uma sociedade competitiva e excludente, livre se deparou
com a miséria e a invisibilidade social. Infelizmente, a historiografia
oficial, durante muito tempo, sob o mito da chamada “Democracia Racial”,
soterrou nos porões da memória nacional a dívida histórica com os
afrodescendentes deste país. Já em março de 1814, em seu Correio Braziliense ,
Hipólito José da Costa nos alertava sobre a questão da escravidão:
"Os
melhoramentos do nosso século produzirão uma gradual e prudente reforma neste ramo
que, marcando os progressos de nossa civilização serviria de grande honra aos
legisladores, que se ocupassem desta matéria”.
O Patrono da nossa
Imprensa ficou surpreso que, no Brasil, após sua independência (1822), os
escritores permanecessem em silêncio quanto à permanência do sistema
escravocrata. Nas páginas do primeiro jornal brasileiro, o Correio Braziliense
(1808-1822), editado por ele, em novembro de 1822, fez esta crítica contundente:
"É ideia contraditória
querer uma nação livre, e se o consegue ser, blazonar, em toda a parte e em
todos os tempos, de uma liberdade, mantendo dentro de si a escravidão, isto é,
o idêntico costume oposto a liberdade. Os brasileiros, portanto, devem escolher
entre essas duas alternativas: ou eles nunca hão de ser um povo livre, ou hão
de resolver-se a não ter consigo a escravidão.”
O pensamento de
Hipólito José da Costa, difundido por meio dos artigos do “Correio
Braziliense”, é exemplo da capacidade de discernimento e compreensão que tinha
da realidade brasileira. Com sua inteligência e bagagem cultural, ele percebia
o atraso que se encontravam vários setores do Brasil Colônia devido à péssima
administração pública, à corrupção e aos mandatários da época.
Neste ano de 2020, o
jornalista peruano Roberto Revoredo lançou a obra “Hipólito José da Costa e a
Independência da América Latina”, no formato digital, na qual ele nos apresenta
o Patrono da Imprensa no Brasil como um homem cosmopolita e preocupado não
somente com os problemas brasileiros, mas também com os movimentos libertários
da América Latina , sendo tão importante quanto às figuras de San Martin
(1778-1850) e Simón Bolivar (1783-1830).
Adepto da
monarquia constitucional, Hipólito José da Costa criticava a forma
absolutista e centralizadora de governo. Mesmo após nossa Independência
(1822), o poder, foi exercido de forma exacerbada por dom Pedro I, que fechou a
nossa primeira Assembleia Constituinte (1823) e outorgou a nossa primeira
Constituição de 1824, na qual , por meio do Poder Moderador, ele detinha o
poder concentrado em suas mãos. Como dizia o saudoso historiador gaúcho
Décio Freitas (1922-2004): “O Brasil é um país
inconcluso”.
Desde a década
de 1970, o Rio Grande do Sul defendia o pioneirismo do Correio Braziliense na
história da imprensa brasileira. Getúlio Vargas (1882-1954), durante o Estado
Novo (1937-1945), oficializou o dia 10 de setembro, data em que a Imprensa
Régia havia criado, após a chegada da Família Real no Brasil, em 1808, a Gazeta do Rio de
Janeiro, um órgão oficial da Corte portuguesa. A iniciativa de alterar esta
data partiu da Associação Riograndense de Imprensa (ARI), por meio do seu
presidente Alberto André (1915-2000) e do jornalista e escritor Raul Quevedo
(1926-2009), contando, na época, com o apoio dos renomados historiadores
gaúchos Francisco Riopardense de Macedo, Claudio Moreira Bento e Paulo Xavier e
do Grande Oriente do Rio Grande do Sul.
Os ideais do patrono
da Imprensa no Brasil seguem, como um farol, a nos guiar na conquista plena da
liberdade de expressão e na construção de um país justo e com menos
desigualdades sociais. O 1º de junho - Dia da Imprensa no Brasil - foi
instituído, em 13 de setembro de 1999, por Lei Federal 9.831, a partir do projeto
de autoria do deputado Nelson Marquezan (1938-2002), do PSDB gaúcho.
Publicado, no
Almanaque Gaúcho (ZH), em junho de 2020
*Pesquisador,
articulista e responsável pelo Núcleo de Pesquisa do MuseCom
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