quarta-feira, 17 de junho de 2020

O Correio Braziliense (1808 -1822) e a Escravidão no Brasil


Carlos Roberto Saraiva da Costa Leite* | Porto Alegre | Brasil 

“Quem se faz superior a toda lei não é membro da comunidade, mas um tirano ou rebelde”. (Hipólito José da Costa)
  
Há 212 anos, em 1º de junho de 1808, devido à Censura Régia no Brasil, começou a circular, em Londres, o nosso primeiro jornal: o “Correio Braziliense” ou Armazém Literário (1808-1822). Criado por Hipólito José da Costa Pereira Furtado de Mendonça [1774 / Colônia do Sacramento (atual Uruguai) - 1823 / Londres] – considerado o Patrono da Imprensa no Brasil - este mensário circulou clandestino na Colônia e em Portugal, registrando, em suas 175 edições, os fatos mais importantes ocorridos na Europa e nas Américas. Em suas páginas, entre outros pioneirismos,  defendeu a abolição gradual dos escravos no Brasil , a implantação de maquinário moderno e de mão de obra imigrante, já que havia muitos desempregados em alguns locais na Europa após as guerras napoleônicas.

A Inglaterra, país no qual Hipólito José da Costa viveu os 18 anos restantes da sua existência, após a sua fuga do cárcere da Inquisição (1805),  em Portugal, sob acusação de ser maçom, liderou o tráfico de escravizados, passando depois, por interesse próprio, a defender a sua extinção, pois, com a Revolução Industrial, necessitava de futuros mercados consumidores e vinha criando tratados, desde 1810, para combater o tráfico negreiro, especialmente no Brasil.

Uma das cláusulas impostas ao nosso País, para que o governo inglês reconhecesse a nossa independência (1822), era o Brasil encerrar com o tráfico de escravizados, o que ocorreu somente, em 1850, com a criação da Lei Euzébio de Queirós, embora este nefando comércio seguisse internamente entre as províncias. 

O jornalista e maçom Hipólito José da Costa considerava a escravidão um entrave ao progresso da Nação. Infelizmente, a Lei Áurea, de 13 de maio de 1888, que determinou o final da escravidão no Brasil, ocorreu sem um projeto de inserção social para os libertos, bem como as leis anteriores beneficiavam mais ao proprietário do que o escravizado.

Diante do despreparo do escravizado frente a uma sociedade competitiva e excludente, livre se deparou com a miséria e a invisibilidade social. Infelizmente, a historiografia oficial, durante muito tempo, sob o mito da chamada “Democracia Racial”, soterrou nos porões da memória nacional a dívida histórica com os afrodescendentes deste país.  Já em março de 1814, em seu Correio Braziliense, Hipólito José da Costa nos alertava sobre a questão da escravidão:

"Os melhoramentos do nosso século produzirão uma gradual e prudente reforma neste ramo que, marcando os progressos de nossa civilização serviria de grande honra aos legisladores, que se ocupassem desta matéria”.

O Patrono da nossa Imprensa ficou surpreso que, no Brasil, após sua independência (1822), os escritores permanecessem em silêncio quanto à permanência do sistema escravocrata. Nas páginas do primeiro jornal brasileiro, o Correio Braziliense (1808-1822), editado por ele, em novembro de 1822, fez esta crítica contundente:

"É ideia contraditória querer uma nação livre, e se o consegue ser, blazonar, em toda a parte e em todos os tempos, de uma liberdade, mantendo dentro de si a escravidão, isto é, o idêntico costume oposto a liberdade. Os brasileiros, portanto, devem escolher entre essas duas alternativas: ou eles nunca hão de ser um povo livre, ou hão de resolver-se a não ter consigo a escravidão.”

O pensamento de Hipólito José da Costa, difundido por meio dos artigos do “Correio Braziliense”, é exemplo da capacidade de discernimento e compreensão que tinha da realidade brasileira. Com sua inteligência e bagagem cultural, ele percebia o atraso que se encontravam vários setores do Brasil Colônia devido à péssima administração pública, à corrupção e aos mandatários da época.

Neste ano de 2020, o jornalista peruano Roberto Revoredo lançou a obra “Hipólito José da Costa e a Independência da América Latina”, no formato digital, na qual ele nos apresenta o Patrono da Imprensa no Brasil como um homem cosmopolita e preocupado não somente com os problemas brasileiros, mas também com os movimentos libertários da América Latina , sendo tão importante quanto às figuras de San Martin (1778-1850) e Simón Bolivar (1783-1830).

Adepto da monarquia constitucional, Hipólito José da Costa criticava  a forma absolutista e centralizadora de governo.  Mesmo após nossa Independência (1822), o poder, foi exercido de forma exacerbada por dom Pedro I, que fechou a nossa primeira Assembleia Constituinte (1823) e outorgou a nossa primeira Constituição de 1824, na qual , por meio do Poder Moderador, ele detinha o poder concentrado em suas mãos.  Como dizia o saudoso historiador gaúcho Décio Freitas (1922-2004): “O Brasil é um país inconcluso”.

Desde a década de 1970, o Rio Grande do Sul defendia o pioneirismo do Correio Braziliense na história da imprensa brasileira. Getúlio Vargas (1882-1954), durante o Estado Novo (1937-1945), oficializou o dia 10 de setembro, data em que a Imprensa Régia havia criado, após a chegada da Família Real no Brasil, em 1808, a Gazeta do Rio de Janeiro, um órgão oficial da Corte portuguesa. A iniciativa de alterar esta data partiu da Associação Riograndense de Imprensa (ARI), por meio do seu presidente Alberto André (1915-2000) e do jornalista e escritor Raul Quevedo (1926-2009), contando, na época, com o apoio dos renomados historiadores gaúchos Francisco Riopardense de Macedo, Claudio Moreira Bento e Paulo Xavier e do Grande Oriente do Rio Grande do Sul.
  
Os ideais do patrono da Imprensa no Brasil seguem, como um farol, a nos guiar na conquista plena da liberdade de expressão e na construção de um país justo e com menos desigualdades sociais.  O 1º de junho - Dia da Imprensa no Brasil - foi instituído, em 13 de setembro de 1999, por Lei Federal 9.831, a partir do projeto de autoria do deputado Nelson Marquezan (1938-2002), do PSDB gaúcho.  

Publicado, no Almanaque Gaúcho (ZH), em junho de 2020

*Pesquisador, articulista e responsável pelo Núcleo de Pesquisa do MuseCom

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