Agora, tinha de ser, todos começam por evocar a reconciliação e o perdão!...
Todos?
Edgar Valles está a assinar algumas das imperiosas intervenções e sentenças entre as agora mais refinadas e mais disseminadas, que todavia continuam a excluir qualquer contraditório, até pela linguagem que continua a acintosamente utilizar.
Edgar Valles, é próprio de “advogados do diabo”, não faz tanto quanto o possível o exercício de linguagem directamente, como por exemplo o Folha 8, com suas (des)cargas de ódio sulfuroso e viperino: prefere doutamente citar alguém capaz de linguagem de ódio, menos conhecido em Angola que o Folha 8 mas não menos útil quando localiza a partir de fora um alvo entre os alvos que só continuam a sê-lo por, mesmo em “in extremis”, ter defendido o estado angolano conforme as suas obrigações…
É a escola dos que sempre estão vocacionados para dividir para melhor reinar, neste caso aproveitando agora a “água mole em pedra dura”, que de tanto dar se pretende que “fura”…
Sua última intervenção saiu sincronizadamente, qual milagre tridimensional, em páginas de três continentes, inclusive em Angola (constate-se os links abaixo).
Pede nomes e cita um, provavelmente para continuar a cozinhar o que lhe vai na alma e continua a ter tudo a ver com a própria sensibilidade fraccionista no seu jeito de sempre em termos de manipulação mediática e métodos de propaganda e contrapropaganda filtrados por “doutas advocacias”, ainda que sejam do diabo e ainda que possam continuar a haver tantas imprecisões, deliberadas deturpações e até mentiras na radiografia da sua tão imutável quão tóxica corrente de pensamento e acção…
Há muito que a propaganda tóxica a favor dos autores do golpe do 27 de Maio de 1977, uma parte arregimentada por via dos próximos dos autores do golpe evocando sensíveis razões familiares, faz inculcada residência na cultura dos “conhecimentos”, argumentos e opções da própria corrente nitista que o grande camaleão faz subsistir com ondas e ondas de propaganda e contrapropaganda, tendo muita dificuldade em sair dessa trilha mental obrigatória, ainda que comecem com a mansa evocação da reconciliação e do perdão.
Agora Edgar Valles quer saber nomes, fazendo uma vez mais tábua rasa de tantas intervenções que foram feitas em Angola a explicar, durante décadas, o que foi o "fenómeno fraccionista", que pouco tem sido tido ou achado em devida conta no exterior durante estes últimos 40 anos e cada vez menos em nossos dias de “globalização” de pendor neoliberal e proliferação de especulativos oportunismos de toda a espécie... o grande camaleão obriga evocando os doces nomes da liberdade e da democracia!
É evidente que quando alguma vez houver um contraditório sério com nomes, para além do que foi já produzido por Artur Queirós, ou pela Fundação Agostinho Neto, o tratamento será similar ao reservado a essa documentação, conforme bastos exemplos “investigativos”: Carlos Pacheco, Leonor Figueiredo, Dalila Cabrita Mateus e Álvaro Mateus… cada um com sua instrumental corrente de pensamento e acção, mas numa orquestra afinada por um identificável regente que à distância “promove” tudo a contento, mesmo que pacientemente necessário seja o trabalho de juntar tantas peças e sons em aparente “puzzle”, ao longo de décadas.
Será também do mesmo modo, quando houver nomes que expliquem algum contraditório, socorrendo-se os “advogados do diabo” da linguagem de outros (há tantos com livros publicados e à mão de semear), para equacionar seu fraccionismo em profundo estado de frustração, putrefacçao e acumulada carga de ódio sob o verniz da reconciliação e do perdão…
De facto os alvos são visíveis, em especial quando tiram partido da ausência de contraditórios vivenciados, inclusive alguns que são sobreviventes apanhados de surpresa e “in extremis” quando defendiam Agostinho Neto e o MPLA, em função de suas juramentadas obrigações no quadro da sua militância e das FAPLA e numa altura em que, derrotado o colonialismo, havia a preocupação fundamental e a quente de enfrentar o “apartheid”.
Enfrentar o “apartheid” jamais mereceu a atenção dos fraccionistas de ontem, nem de hoje, república a república (já vamos na 4ª) por que essa não era para eles a missão inadiável de luta que foi para todos nós, angolanos, assim como para todos os povos da África Austral!
A sua missão inadiável de luta foi o golpe a treze teses e, por via da propaganda e contrapropaganda, com mais ou com menos subtileza, durante décadas continua a ser o golpe, agora sob a oportuna máscara de reconciliação e do perdão, quando o estado angolano tão legitimamente pretende aprofundar a paz.
Também essa luta nunca o foi para Leopold Shengor que à distância, lá pelo Trópico de Câncer da FrançAfrique propunha uma Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos provavelmente sob conselho de Jacques Foccard, ou do Conde de Marrenches, quando nem sequer defendia os atiradores senegaleses que tiveram de esperar a inauguração do porta-aviões Charles De Gaule, para serem reconhecidos pela França como combatentes que tinham direito a soldo ou pensão, pelo seu papel heroico e sacrificado na luta contra os nazis, contra os fascistas italianos e contra o regime fantoche de Vichy na IIª Guerra Mundial!...
Martinho Júnior -- Luanda, 27 de Julho de 2020
Imagem: portão principal da prisão de São Paulo (hoje Hospital Prisão), que pelas 5 horas de 27 de Maio de 1977, foi atacado por fogo de armas ligeiras e de blindados BRDM-2 conduzidos por fraccionistas que faziam parte da 9ª Brigada das FAPLA; a prisão foi tomada por esses efectivos fraccionistas, dada a sua superioridade em número e armamento, tirando partido da surpresa da sua acção, sendo alguns oficiais levados sob a ponta das armas para o quartel da 9ª Brigada – https://acarranca.wordpress.com/2017/08/11/uma-janela-com-vista-para-o-golpe/; https://www.portaldeangola.com/2018/09/29/a-vida-no-hospital-prisao-de-sao-paulo/.
Reconciliação e perdão, pede-se muito?
Em Angola, ninguém exigiu a “perseguição” aos responsáveis pelo genocídio do 27 de maio. Apenas se reclama a sua identificação, na perspetiva de se saber a quem se perdoa.
Edgar Valles - 26 de Julho, 2020 - 22:13h
Em julho de 1979, o Presidente Agostinho Neto regressou francamente desanimado de uma reunião da então designada OUA (Organização da Unidade Africana), realizada em Monróvia (Libéria). Ele, que era considerado um dos libertadores da opressão colonial, tinha sido censurado por alguns dos seus colegas Chefes de Estado africanos pela repressão ocorrida nos últimos dois anos, que se seguira ao 27 de maio. Concretamente, Leopold Senghor apresentara um esboço preliminar de uma Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, tendo Neto sido violentamente criticado por desrespeitar os direitos humanos em Angola.
Em julho de 1979, o Presidente Agostinho Neto regressou francamente desanimado de uma reunião da então designada OUA, tinha sido violentamente criticado por desrespeitar os direitos humanos em Angola
Neto não suportou a humilhação. As cartas dos familiares das vítimas podiam ir para o caixote do lixo, sem serem sequer abertas, mas estar sujeito a críticas pelos seus homólogos, perdendo o estatuto de “humanista”, era demais. Já anteriormente, Kurt Waldheim, secretário geral da ONU, criticara a violação dos direitos humanos, após visitar cadeias angolanas.
Que fazer? Decidiu, no regresso a Angola, extinguir a DISA, a polícia política do regime, cujos feitos tornavam os pides no período colonial vulgares meninos de coro e clamar que desconhecia os “excessos” praticados sem o seu conhecimento. Ele, a quem a DISA respondia diretamente, por diploma de novembro de 1976.
Em consequência, Neto responsabilizou a DISA pela repressão “descontrolada”, dissolveu-a e nomeou uma Comissão de Inquérito (cujas conclusões já não pôde apreciar, pois morria a 10 de setembro numa clínica de Moscovo).
Os responsáveis da sinistra polícia, designadamente Onambuwe e Ludi, não foram incriminados pelos “excessos”. Do mesmo modo, os homens de segunda fila foram transferidos para outros lugares, nunca tendo prestado contas pelos seus actos, passeando-se impunemente em Luanda e outras cidades. Alguns, como o famigerado Getoeira, rumaram a Portugal, considerado país seguro, em caso de um volte-face em Angola.
Tendo dado luz verde aos massacres, com a célebre frase “Não vamos perder tempo com julgamentos”, e respondendo a DISA perante ele (por diploma de 1976), Neto não pode deixar de ser responsabilizado pelo genocídio; porém, temos de reconhecer que não se pode imputar tudo ao chefe, quando houve elementos bem identificados que atuaram, em alguns casos por sua própria iniciativa, sem aguardar instruções do Presidente. Por isso, tais elementos devem ser identificados e pedir perdão às vítimas e seus familiares, pois a culpa não pode morrer solteira.
Quando o próprio MPLA, pela voz autorizada do seu novo líder e Presidente da República, João Lourenço, reconheceu, no ano passado, o “cortejo de violações dos direitos humanos em Angola”, os homens da DISA tremeram.
Iniciado o processo de reconciliação, organizaram-se e pediram uma reunião com o Ministro da Justiça, de modo a garantirem a impunidade consagrada em sucessivas amnistias.
Foram tranquilizados e, ironicamente, obtiveram um estatuto peculiar: o de vítimas. Mais tarde, face à indignação, acrescentou-se o advérbio “passivas”, para as diferenciar das “ativas”, como se fosse possível colocar no mesmo saco os torcionários e as verdadeiras vítimas.
Imagine-se o que seria equiparar São José Lopes, o chefe da Pide em Angola, e as suas eficientes brigadas aos nacionalistas angolanos que foram aprisionados e torturados no período colonial. Alguém admite tal aberração?
Mas o escândalo ainda é maior; como se não chegasse, um dos torcionários integra a Comissão, em representação do Ministério da Defesa. Quem é ele? Chama-se Tino Pelinganga, mais conhecido por “Capitão Tino”, hoje general
Eis o seu perfil, descrito pelo Engº Américo Botelho, no livro “Holocausto em Angola”:
“Capitão Tino: indeléveis eram as memórias que o viam em plena ação nos pelotões de fuzilamento: as perguntas carregadas de veneno, a morte aos bochechos, exibida sem pudor; os corpos regados com gasolina na expectativa de que o fogo as desfigurasse e consumisse. Quando comandava os pelotões de execução de limpeza que se seguiu ao 27 de maio, tomava uma vítima como exemplo, disparava sobre ela e logo lhe lançava fogo. Era o prenúncio do que aconteceria aos outros”.
Descritas as proezas, importa dizer que este torcionário não se envergonha do que fez. Numa das últimas reuniões da CIVICOP, declarou, alto e bom som, que “os mortos foram bem mortos”, gelando o sangue de alguns dos presentes, incrédulos perante tamanha desfaçatez e ausência de arrependimento.
Como é possível que os torcionários, os carrascos do povo, a quem Neto inclusivamente acusou de terem manchado de sangue as suas próprias mãos, se assumam como vítimas e façam parte da CIVICOP?
Este exemplo é sintomático da necessidade de alterar não apenas a composição da Comissão, dela retirando todos os que se identificam com a repressão, mas, sobretudo, reformular as suas funções, que devem incluir a identificação dos responsáveis pelos atentados aos direitos humanos, a localização dos restos mortais das vítimas e sua devolução às famílias e, também, a busca da Verdade Histórica.
Por mera coincidência, no momento em que estão a ser escritas estas linhas, recebi um artigo do “Le Monde”, com o título “Mais de 1.000 pessoas suspeitas de terem participado no genocídio do Ruanda continuam a ser procuradas”. Em Angola, ninguém exigiu a “perseguição” aos responsáveis pelo genocídio do 27 de maio. Apenas se reclama a sua identificação, na perspetiva de se saber a quem se perdoa, no pressuposto obvio de que o pedido de perdão apenas será aceite se for efetivamente genuíno e não simulado.
É pedir muito?
Tendo morrido sem ter resolvido este dossier, que o amargurou no último ano da sua vida, Neto transmitiu esta pesada herança a José Eduardo dos Santos, que pura e simplesmente a ignorou, preocupado que estava na “acumulação primitiva do capital” por si e pela sua dileta filha, a princesa. João Lourenço teve o mérito de iniciar um processo, que não poderá ficar na penumbra. Não pomos em causa a sua boa vontade, mas há forças poderosas que procuram limitar a sua ação. Poderá assumir a grandeza de Nelson Mandela, se conseguir libertar-se dos espartilhos que ainda o limitam, diferenciando-se dos seus antecessores.
A CIA e o imperialismo não foram alheias ao 27 de maio, que aniquilou o setor mais avançado do MPLA, abrindo o caminho ao retrocesso e à perda de identidade.
Varela Gomes, valoroso combatente anti-fascista que dirigiu a revolta de Beja em 1964, conta no seu livro “Revolução na África Austral”, que se encontrou com Iko Carreira, logo a seguir ao 27 de maio, a fim de interceder pela libertação do capitão de Abril, Costa Martins, cuja vida estava em perigo:
“Acusei-os de estarem a ser manipulados pelo imperialismo e que a morte dos sete dirigentes mais parecia obra da CIA. Encaixou tudo, sem tugir nem mugir”.
Hoje, não há quem possa “tugir ou mugir” perante as denúncias da repressão e os apelos a uma verdadeira Reconciliação. Perdão, ainda há um vilão que vocifera, enroscado no seu assanhamento e a lançar ao vento tantas sandices. Porém, nem para bobo da Corte serve, tamanho o seu nanismo mental.
Artigo publicado em portugaldigital.com.br (link is external) a 24 de julho de 2020
Notas:
01- https://www.portugaldigital.com.br/reconciliacao-e-perdao-pede-se-muito/;
03- http://novojornal.co.ao/opiniao/interior/reconciliacao-e-perdao-pede-se-muito-90901.html;
05- https://www.esquerda.net/opiniao/reconciliacao-e-perdao-pede-se-muito/69198.
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