#Escrito
e publicado em português do Brasil
Consciente
de que é portador do coronavírus, Bolsonaro contribuiu para ampliar o contágio
e cometeu crimes (também) contra a Saúde Pública. E mais: a importância da
pesquisa brasileira que eliminou o HIV em paciente pioneiro
Maíra Mathias e Raquel Torres
| Outras Palavras | Imagem: Aroeira
FESTIVAL
DE IGNORÂNCIA
Jair
Bolsonaro escolheu um punhado de emissoras de televisão parceiras para fazer o
anúncio de que, sim, está com a covid-19. Aos jornalistas da CNN, Record e TV
Brasil ele assegurou: “Confesso a vocês, estou perfeitamente bem. Estou
tomando medidas protocolares, para evitar contaminação de terceiros”. A
entrevista aconteceu naquele formato em que os jornalistas seguram os
microfones, bem próximos do presidente. Ao final, ele pediu às equipes que
continuassem filmando. “Espera um pouco que vou afastar aqui para vocês verem minha
cara”, afirmou, se distanciando alguns metros. E retirou a máscara de
proteção do rosto. O objetivo? De acordo com ele, mostrar que está “tranquilo”.
No
anúncio (e ao longo do dia), Bolsonaro acionou o discurso de sempre,
minimizando a pandemia. Mas as ações do presidente são mais eloquentes. De
acordo com o Ministério da Saúde, o que deveria fazer Bolsonaro, ou “qualquer
cidadão brasileiro”, como ele gosta de frisar? Com sintomas, evitar contato com
outras pessoas. Diagnosticado, e com sintomas leves, isolar-se em casa.
Jamais tirar a máscara em espaços públicos. Não há nada que o presidente
tenha afirmado na entrevista que não pudesse ser dito em uma transmissão pelas
redes sociais – que é, aliás, a forma como ele se comunica semanalmente com
seus apoiadores. A entrevista serve a outro propósito: tem uma carga simbólica.
Reforça a narrativa de que as medidas de isolamento não passam de “exagero” e
coloca os jornalistas na posição de cúmplices da irresponsabilidade.
A
Associação Brasileira de Imprensa e o deputado federal Marcelo Freixo
(PSOL-RJ) consideram que houve conduta criminosa por parte do presidente.
Segundo a ABI, que pretende entrar com uma notícia-crime no Supremo, Bolsonaro
infringiu os artigos 131 e 132 do Código Penal e colocou a saúde de terceiros em perigo. Já Freixo vai acionar o Ministério Público Federal para que o
presidente responda por crime contra a saúde pública. Para criminalistas
ouvidos pela BBC Brasil, a conduta é reprovável, mas não preenche os requisitos para sustentar um processo penal.
Mas
tem mais: a Secretaria-Geral da Presidência da República divulgou ontem um
documento em que afirma que “não há protocolo médico, seja do Ministério da
Saúde ou da Organização Mundial da Saúde que recomende medida de isolamento pelo simples contato com
casos positivos”. É mentira. No caso de quem esteve em contato próximo com
pessoas doentes, a OMS recomenda que “o melhor a fazer é ficar em casa”.
Já
o Ministério da Saúde dá essa recomendação a familiares, mas não a colegas de trabalho que estiveram
perto de quem se revelou infectado – o que diz muito sobre a situação de
cerceamento da pasta sob Bolsonaro. No início da pandemia, várias empresas
enviaram para casa funcionários que tiveram contato com outros contaminados. É,
aliás, o que fizeram as emissoras de televisão da entrevista
de ontem: afastaram as equipes que se aproximaram de Bolsonaro. E também um dos
executivos que almoçaram com o presidente na última sexta-feira: Francisco
Gomes, da Embraer, está seguindo o protocolo da empresa, “que prevê quarentena para qualquer pessoa que teve contato com
alguém contaminado”.
Bom
senso que não se aplica à Secretaria-Geral da Presidência, que recomenda
que seus funcionários adotem o isolamento apenas após o surgimento de sintomas.
No Planalto já foram confirmados 108 casos – e mais de 90% deles
se revelaram assintomáticos ou de pessoas que apresentaram sintomas leves. Como
o número representa apenas 3,8% da força de trabalho da Presidência, o vírus
ainda tem muito espaço para correr. Mas testagem em massa e rastreamento de
contatos parecem ser conceitos extraterrestres para o governo.
E,
se a apuração do Estadão estiver correta, há outra obviedade ignorada
por praticamente todo o governo. O jornal informa que ao menos 13 autoridades
que se encontraram com Bolsonaro fizeram exames. Só que oito deles – incluindo
Paulo Guedes (Economia), Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo) e Braga
Netto (Casa Civil) – teriam feito testes rápidos, como são conhecidos os exames
sorológicos que servem para detectar se uma pessoa contraiu o vírus (no mínimo
oito dias depois do início dos sintomas), não se está com ele na fase inicial
da contaminação. Para isso, o exame deveria ser o RT-PCR – que foi feito por
cinco ministros, incluindo gente que se abraçou ao presidente no final de
semana, como Ernesto Araújo (Relações Exteriores). De posse do resultado
negativo do teste rápido feito na segunda-feira (que não quer dizer nada nessa
situação), Ramos recebeu pessoalmente dois parlamentares ontem, segundo a Folha.
O
Sindicato dos Jornalistas do Distrito Federal emitiu comunicado pedindo
que veículos suspendam a cobertura presencial no Palácio do Planalto.
Por precaução, o ideal seria fazer o mesmo nos ministérios e órgãos comandados
por pessoas que fizeram os testes errados. Talvez exposto, o governo tivesse de
fazer por si o que não consegue fazer pelo Brasil: testar, isolar,
rastrear.
REAÇÕES
A
notícia de que Jair Bolsonaro está com covid-19 rodou o mundo, é claro. O assunto foi tratado na coletiva de imprensa diária da OMS.
“Todos somos vulneráveis, nenhum país está imune, nenhum indivíduo está
completamente seguro”, notou o diretor-geral da Organização, Tedros Adhanom.
“Ninguém é especial, todos estamos potencialmente expostos ao vírus. Sejamos
quem formos, todos temos a mesma vulnerabilidade. Para o vírus, não importa se
você é um príncipe ou um plebeu”, emendou Michael Ryan, diretor do Programa de
Emergências da OMS. Ambos estimaram melhoras ao presidente.
Outra
pessoa que teve de lidar com Bolsonaro muito de perto na pandemia foi mais
direta: “É crime quando alguém tem consciência que está com doença infecciosa e
contamina o outro intencionalmente. O presidente precisa tomar cuidado com o
protocolo e com seu temperamento”, constatou Luiz Henrique Mandetta,
para quem Bolsonaro “passou a acreditar” na narrativa criada por ele mesmo, de
que a doença não passava de gripe. Mas notou o que sempre passa desapercebido
pelo presidente: o novo coronavírus não tem uma letalidade tão alta, se
comparado a outras doenças, mas como contamina muita gente “é mais letal para o
sistema de saúde”.
No
mundo político, os adversários usaram o caso para criticar Bolsonaro direta ou
indiretamente. O presidente da Argentina, Alberto Fernández, afirmou: “Este
vírus não diferencia entre governantes e governados. Todos e todas estamos
ameaçados e por isso os cuidados devem ser extremados. Acho que assim
o entendem nossos povos que enfrentam esta tragédia com integridade e
responsabilidade”. Por aqui, os rivais mais comuns do presidente – os
governadores de SP, João Doria (PSDB), e do Rio, Wilson Witzel (PSC) – recomendaram que ele siga
recomendações médicas e desejaram recuperação. O governador da Bahia, Rui Costa
(PT), foi mais enfático: “Espero que ele não utilize para cuidar da saúde
nenhuma das bravatas que ele utilizou neste período. (…) A melhor forma de
recuperar a saúde é não usar ideologia e política, mas o bom senso e a ciência”,
afirmou.
A
imprensa internacional deu ênfase à contradição. New York Times, Washington
Post e The Guardian lembraram que Bolsonaro negou sistematicamente a
gravidade da pandemia, ou trivializou-a, e sempre se disse cético em relação ao
vírus. A revista especializada Foreign Affairs deu como manchete no
site: “Bolsonaro transformou o Brasil em pária da pandemia”.
O
CASO SCHWARTSMAN
O
colunista da Folha, Hélio Schwartsman, escreveu um artigo de opinião poucas horas depois da
confirmação do resultado explicando ‘por que torce para que Bolsonaro morra’.
Ele começa o texto citando uma doutrina filosófica, o “consequencialismo”,
segundo a qual “ações são valoradas pelos resultados que produzem”. “A vida de
Bolsonaro, como a de qualquer indivíduo, tem valor e sua perda seria
lamentável. Mas, como no consequencialismo todas as vidas valem rigorosamente o
mesmo, a morte do presidente torna-se filosoficamente defensável, se estivermos
seguros de que acarretará um número maior de vidas preservadas. Estamos?”,
questiona, para citar na sequência um estudo que comentamos por aqui e, até semana passada, não havia sido revisto
por pares.
“No
plano mais imediato, a ausência de Bolsonaro significaria que já não
teríamos um governante minimizando a epidemia nem sabotando medidas para
mitigá-la. Isso salvaria vidas? A crer num estudo de pesquisadores da UFABC, da
FGV e da USP, cada fala negacionista do presidente se faz seguir de quedas nas
taxas de isolamento e de aumentos nos óbitos. (…) Ficaria muito mais difícil
para outros governantes irresponsáveis imitarem seu discurso e atitudes, o que
presumivelmente pouparia vidas em todo o planeta. Bolsonaro prestaria na morte
o serviço que foi incapaz de ofertar em vida.”
O
governo reagiu – e, mais uma vez, tenta lançar mão da Lei de Segurança
Nacional, editada em 1983 em plena ditadura, contra a imprensa. O ministro da
Justiça, André Mendonça, anunciou no Twitter que pedirá a abertura de um
inquérito pela Polícia Federal para ‘investigar’ o texto opinativo. Embora não tenha
explicado direito, parte do argumento de Mendonça parece ser o de que
Schwartsman usa as liberdades de expressão e imprensa – direitos fundamentais,
mas não absolutos – para caluniar o presidente. Um pouco parecido com o
episódio da charge de Aroeira, em que Bolsonaro aparece mudando o símbolo dos
serviços emergenciais de saúde (uma cruz vermelha) para uma suástica.
O
ministro das Comunicações, Fábio Faria, também se pronunciou. Disse que o
artigo é “um ataque claro à instituição da Presidência da República” e
argumentou que, no país, “foi estabelecida uma linha invisível e subjetiva onde
qualquer ministro, senador, deputado ou até mesmo um apoiador que participa ou
expressa opiniões ditas ‘antidemocráticas’, a responsabilidade é sempre
atribuída ao presidente Jair Messias Bolsonaro”.
O
secretário-executivo do Ministério das Comunicações, Fabio Wajngarten,
também usou a falsa comparação, mas com o agravante de que, na sua avaliação,
pedir sistematicamente intervenção militar em frente ao Quartel General do
Exército ou lançar fogos contra o prédio do STF é menos grave do que assinar um artigo de opinião em
um jornal de grande circulação. “Desejar a morte do presidente é um ato
antidemocrático e carregado de significações. Por muito menos, algumas pessoas
foram presas recentemente”, disse.
AINDA
EM CAMPANHA
Além
da entrevista coletiva em que tirou a máscara, Jair Bolsonaro também divulgou
um vídeo ontem. Na gravação ele toma hidroxicloroquina e propaga: “Eu confio, e você?”. Mais cedo, ele havia dito aos
jornalistas que se tivesse tomado a hidroxicloroquina “como preventivo, como
muita gente faz”, estaria sem sintomas da covid-19, “trabalhando até”.
“Obviamente poderia estar contaminando gente”, refletiu. Segundo o presidente,
a sua equipe médica “resolveu aplicar a hidroxicloroquina, também a
azitromicina”. A propaganda presidencial fez com que o ex-ministro da Saúde,
Nelson Teich, gravasse um vídeo desmistificando o uso.
Lembramos
que, a essa altura do campeonato, a eficácia da substância para o
tratamento da covid-19 já foi descartada e seu uso proibido pela agência
sanitária dos EUA – e que, diante das evidências científicas, a OMS desistiu
dos testes clínicos em seu projeto de pesquisa.
A
propósito:Associação Paulista de Medicina conclui que quase metade dos médicos
(48,9%) relatam pressão de pacientes e familiares uma
pesquisa dapor tratamentos que não têm qualquer comprovação científica.
ENQUANTO
ISSO…
Totalmente
fora dos holofotes, e 18 meses após a primeira convocação, o senador Flávio
Bolsonaro compareceu ao Ministério Público do Rio para prestar depoimento no
caso das rachadinhas.
Também
ontem, o pedido de habeas corpus da defesa de Fabrício Queiroz chegou ao
Superior Tribunal de Justiça. Por conta do recesso, caiu no colo de um
ministro, João Otávio de Noronha, que já recebeu elogios públicos de Jair Bolsonaro. Na
cerimônia de posse do Ministério da Justiça e da AGU, o presidente disse que
sentiu por Noronha “amor à primeira vista” e que as conversas com o ministro o
ajudaram a formar sua opinião sobre o Poder Judiciário.
UM
VÍRUS, DUAS BOAS NOVAS
Cientistas
presentes à Conferência Internacional de Aids esta semana trouxeram duas
notícias muito animadoras. Uma partiu do Brasil, e chegamos a falar sobre ela na segunda-feira, antes do seu anúncio formal: um homem
brasileiro pode ter sido a primeira pessoa a ficar livre do HIV usando apenas
medicamentos orais. Os únicos dois outros casos de remissão conhecidos são de
pacientes que receberam transplante de medula óssea – o que é complicado e
arriscado.
Os
novos resultados vieram de um ensaio clínico coordenado pelo
infectologista Ricardo Sobhie Diaz, da Unifesp. A pesquisa envolveu ao todo 30 pessoas que já faziam tratamento
com antirretrovirais e tinham carga viral de HIV indetectável no organismo.
Para investigar diferentes abordagens de tratamento, os pacientes foram
divididos em seis grupos, cada um recebendo uma combinação de medicamentos além
do tratamento padrão. O homem que teve boa resposta ficou em um grupo que
recebeu as drogas antirretrovirais dolutegravir e maraviroc, além de outras
substâncias como nicotinamida e a auranofina.
O
tratamento foi interrompido depois de 48 semanas; outras 57 semanas
depois, os testes de detecção do HIV no sangue continuavam dando negativo. São,
portanto, mais de dois anos sem o vírus no organismo. Há limitações: trata-se
de um grupo muito pequeno e, dentre os cinco participantes, só um teve esse
desfecho positivo. É preciso repetir o ensaio em maior escala para ver se os
resultados preliminares se confirmam.
A
outra novidade é sobre prevenção. Um estudo comparou a eficiência da profilaxia
pré-exposição (PrEP) usada atualmente – o medicamento oral Truvada, ingerido
todos os dias – com uma injeção de cabotegravir tomada a cada oito semanas. E o
resultado foi que a injeção se mostrou 66% mais eficaz do que as pílulas.
A pesquisa envolveu mais de 4,5 mil mulheres trans e homens em 43 locais na
África do Sul, Argentina, Brasil, Peru, Estados Unidos, Tailândia e Vietnã. A
taxa de infecções foi baixa: 0,41% no grupo que tomou as injeções e 1,22% no do
Truvada. Embora já se saiba que as pílulas funcionam bem (reduzem entre
92% e 99% as chances de contaminação), a necessidade de tomá-las diariamente
pode ser um problema. A adesão a uma droga de ação prolongada tende a ser mais
fácil. A pesquisa, no entanto, ainda não foi publicada com revisão de
pares, e não conhecemos os detalhes.
A
SAÍDA DOS EUA
Os
Estados Unidos ultrapassaram ontem os três milhões de casos conhecidos de covid-19. No
mesmo dia, o governo Donald Trump notificou formalmente as Nações Unidas sobre a saída
do país da Organização Mundial da Saúde. O aviso foi enviado pelo secretário de
Estado, Mike Pompeo, e estabelece que a retirada se dará em um ano, no dia 6 de
julho de 2021. Ainda não está claro como (e se) isso vai acontecer.
Especialistas em Direito argumentam que a decisão precisa passar pelo Congresso, num debate que pode se
estender por meses – e não vingar.
Mesmo
parte dos republicanos são contra a medida. No mês passado, quando o
presidente já ensaiava a saída, alguns deles pediram que reconsiderasse a
ideia. Entre os democratas, obviamente a oposição é maior. “O Congresso
recebeu a notificação de que o presidente está oficialmente retirando os EUA da
OMS em meio a uma pandemia. Chamar as ações de Trump contra a covid-19 de
caóticas e incoerentes não lhes faz justiça. Isso [a saída] não protegerá vidas
ou interesses norte-americanos – mas vai deixá-los doentes e sozinhos”, tuitou o senador Robert
Menendez. Joe Biden prometeu reverter a situação caso vença a eleição presidencial.
Os
Estados Unidos são os maiores financiadores da OMS (uma posição que sempre
dividem com a Fundação Bill & Melinda Gates), injetando cerca de US$ 400
milhões na entidade todos os anos. Há, com razão, o receio de que sua saída
acabe com o financiamento de importantes iniciativas. Mas, se recentemente
Trump começou a justificar seu embate com a OMS por uma suposta má atuação
durante a pandemia, a verdade é que antes disso ele já vinha desidratando a
relação. O financiamento destinado ao organismo este ano deve ser só metade dos
US$ 553 milhões estimados em 2019. Além disso, os EUA estão devendo cerca de
US$ 200 milhões.
A
OMS ainda pode se segurar em outros países que, diante dessa situação,
começam a liberar mais verbas, como a Alemanha. Mas segundo a reportagem do Health
Policy Watch, o maior problema deve ser a sobrevivência
da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), o escritório regional da OMS
nas Américas, que já vai muito mal – mais especificamente, está “à beira
da falência”, como descreveram três de seus assessores técnicos numa carta recente publicada na Lancet. Os
países-membros acumulam juntos mais de US$ 160 milhões em dívidas com a
entidade. Só do Brasil, são US$ 24,2 milhões.
Dois
terços da verbada Opas, cujo orçamento é separado do da OMS, vêm dos EUA.
Talvez o país decida manter os pagamentos, mas nem isso seria um alívio: nesse
caso, é possível que o dinheiro passe a vir com restrições, fazendo com que
a adminsitração da Opas precise se alinhar às políticas estadunidenses – o que
teria resultados catastróficos para países como Cuba e Venezuela, ou ainda para
a ações relacionadas à saúde sexual e reprodutiva, por exemplo.
AINDA
NÃO
Após
cobranças de parte da comunidade científica, a OMS reconheceu ontem que estão
surgindo “evidências” da transmissão do novo coronavírus pelo ar. Mas tudo
indica que ainda não vão ser emitidas, por enquanto, novas diretrizes sobre o
assunto. Segundo a organização, é preciso ter mais provas. “Temos que ser
abertos a essa evidência e entender, ao mesmo tempo, suas implicações nas
formas de transmissão e nas precauções que devem ser adotadas. Estão surgindo
evidências, mas elas não são definitivas. A possibilidade de transmissão aérea
em espaços públicos, principalmente em ambientes com ventilação inadequada e
grandes aglomerações, não pode ser descartada”, disse a líder técnica da OMS no
controle de infecções, Benedetta Allegranzi. Na mesma direção, Soumya Swaminathan,
cientista-chefe do organismo, pediu cautela: “Todo nosso trabalho faz
parte de um processo bem estabelecido, claro que estamos melhorando este
processo. Fazemos uma revisão sistemática das evidências e isso demora, pois temos um grande número de estudos. É um
método estatístico para ver em que direção as evidências apontam, mas as
evidências nem sempre estão em concordância com estudos anteriores, temos
especialistas. Agora, precisamos ver quais são os dados e ver a direção
específica”.
SOBRE
AS ORIGENS
Seis
meses depois, ainda não sabemos direito de onde veio o novo coronavírus e como
ele chegou até humanos. Neste fim de semana a OMS vai enviar uma equipe à China para planejar pesquisas
nesse sentido. Não deve ser fácil, advertiu Michael
Ryan, diretor-executivo de emergências sanitárias: “Passamos décadas
tentando fazer isso com o ebola, passamos anos tentando fazer isso com a MERS,
com a SARS. Leva tempo”.
O
consenso é queo SARS-CoV-2 provavelmente veio de um morcego, mas a partir
daí a história é nebulosa. O vírus deve ter passado dele para outro animal e
sofrido mutações até conseguir saltar para humanos e, finalmente, passar de uma
pessoa para outra. Para saber a rota exata, encontrar um animal com o
vírus correspondente ao dos primeiros pacientes seria o a melhor saída, mas isso pode não acontecer nunca.
“O
vírus pode ter desaparecido, pode não estar circulando naquele animal – pode
ter pulado para as pessoas e agora estar se espalhando só por meio delas”,
explica Wanda Markotter, diretora do Centro de Zoonoses Virais da Universidade
de Pretória, na África do Sul, na matéria do South China Morning Post. A
teoria de que os hospedeiros intermediários seriam bichos do mercado de Wuhan
perdeu força porque o vírus nunca foi encontrado em amostras de animais de lá.
Testes descobriram coronavírus semelhantes em pangolins, mas não são parecidos
o suficiente com o SARS-CoV-2 a
ponto de eles serem considerados ancestrais. Nem mesmo o paciente zero foi
encontrado.
VOLTOU
A ACELERAR
Ontem
foram registradas mais 48.584 infecções e 1.313 mortes no Brasil, segundo as
secretarias estaduais de saúde. No total, são 66.868 óbitos e 1.674.655 casos conhecidos. A taxa de
contágio, que vinha caindo, voltou a subir. Segundo estimativas do Imperial
College de Londres, na última semana ela saltou de 1,03 para 1,11. Hoje, portanto, 100 pessoas contaminam em
média outras 111; estes 111, para outros 123; estes, para mais 136, e assim por
diante.
CONFESSO
QUE OMITI
O
ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta explicou ontem por que, na
liderança da pasta, optou deliberadamente por não revelar ao público suas
estimativas “duras” sobre o possível número de mortos no Brasil. “Nós tínhamos
cenários. O mais otimista era o do Gabbardo [João Gabbardo dos Reis,
ex-número dois da pasta], o intermediário era o do Wanderson [Oliveira,
ex-secretário de Vigilância em Saúde] e o meu sempre foi o mais duro. Eu
coloquei o cenário tanto para a Casa Civil quanto para o presidente. Mas nunca
coloquei em público porque sempre achei que isso, primeiro, não ajudava.
Esse era o número contra o qual nós tínhamos que lutar para que ele não
acontecesse, nossa meta era lutar. E eu achava que se falasse 100 mil, 80
mil, 120 mil (óbitos), eu estaria colocando todo mundo em um pacote só –
quando, atrás de cada número desse, tem uma pessoa família”, disse, em
entrevista à GloboNews.
Desnecessário
dizer que são justificativas muito ruins. Mas Mandetta prometeu que vai
liberar as previsões… Quando a pandemia acabar. “Quando terminar, eu prometo
que vou mandar pra vocês qual era a nossa previsão e vocês vão poder ver”,
garantiu. Por ora, ele se ateve a falar o óbvio: que temos tido em média mais
de mil mortes por dia e que vai ser “difícil não chegar aos três dígitos”.
O
NOVO SECRETÁRIO
Depois
da saída de Alberto Beltrame do Conass (conselho que reúne secretários
estaduais de saúde), alvo de operações de desvios de verbas durante a pandemia
no Pará, quem assumiu foi Carlos Lula, do Maranhão. Segundo a Folha,
sua primeira medida foi uma visita a Eduardo Pazuello. Afirmou que, com medo de
investigações com motivações políticas, alguns secretários estão deixando de assinar contratos. Pediu
a criação de uma câmara de conciliação com a participação de tribunais de
contas e Ministério Público, para evitar judicialização. No Estadão,
criticou a atuação do governo de modo geral na pandemia (“É uma gestão muito
confusa”) mas elogiou o ministro interino: “Pazuello se colocou à disposição, disse que faz questão,
semanalmente, de conversar para que possa fazer avaliações constantes e apontar
caminhos”.
Carlos
Lula fez mais dois pedidos: agilizar um pregão eletrônico da compra de
medicamentos para pacientes intubados e garantir que os estados tenham apoio
do Itamaraty para resolver os problemas de compras de equipamentos e
remédios para a covid-19 no exterior.
INDENIZAÇÃO
O
Senado aprovou ontem um projeto segundo o qual o governo federal precisa pagar
uma indenização de R$ 50 mil a profissionais de saúde que, após contaminação
pelo novo coronavírus, ficarem incapacitados permanentemente para o trabalho. Vale
para profissionais de nível superior e técnico, além de agentes comunitários e
de serviços de apoio a estabelecimentos de saúde (copa, lavanderia, segurança,
limpeza, condução de ambulâncias), e deve ser estendido a coveiros,
fisioterapeutas, nutricionistas, assistentes sociais e trabalhadores de
necrotérios, além de laboratórios que fazem testagem para covid-19. O texto
partiu da Câmara, mas, como sofreu modificações, volta para análise dos
deputados.
AGENDA
Nossa
editora, Maíra Mathias, participa hoje do debate virtual ‘Como garantir acesso
ao tratamento e medicamentos para a covid-19?’. Ela será mediadora da conversa,
que conta com os deputados federais Carmen Zanotto (Cidadania -SC) e Alexandre
Padilha (PT-SP), além dos especialistas Pedro Villardi e Matheus Falcão. A
iniciativa é do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec). Começa às
18h e pode ser acompanhada por esse link.
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