segunda-feira, 20 de julho de 2020

Portugal | A crueldade com animais que a Justiça ignorou


Manuel Molinos | Jornal de Notícias | opinião

Cenário dantesco. "Cães acorrentados por todo o lado, saudáveis, doentes, novos, velhos, alguns que já desistiram da vida e estão apenas a aguardar que a morte chegue".

A denúncia chegou ao Ministério Público que analisou o caso. Em 2018, arquivou o processo-crime movido a dois abrigos de cães em Santo Tirso. Afinal, concluiu, "não há crueldade em manter animais num espaço sujo, com lixo, dejetos e mau cheiro".

Confuso? Leia-se então a explicação da Justiça: "Um mau trato é antes um tratamento cruel, atroz, impiedoso, revelador de algum prazer em causar sofrimento ou indiferença perante o sofrimento causado". Logo, "os animais não estavam em sofrimento. Viviam apenas num local muito sujo".

Dois anos depois, nesse mesmo local, morreram 52 cães e dois gatos (números da autarquia). Queimados na sequência do incêndio que deflagrou em Sobrado, no concelho de Valongo, e alastrou à freguesia de Agrela, em Santo Tirso. Falharam as autoridades judiciais, concelhias e veterinárias.

Os que sobreviveram foram resgatados. Alguns pelos serviços municipais, outros por populares, à força, no meio de troca de acusações e de julgamentos vertiginosos e impiedosos nas redes sociais. A pergunta que se eterniza é o que faz um abrigo ilegal para animais no meio de uma floresta?

E quantos existirão pelo país nas mesmas condições? E quantas autarquias recorrem a estes locais ilegais para depositar os animais que não conseguem albergar nos canis municipais, cada vez mais sobrelotados após a lei que proíbe o abate? No desastre de ontem ninguém fica bem na fotografia.

Nem a Câmara, nem a GNR, que foram céleres a emitir comunicados, mas sem explicar o enquadramento legal do espaço. Nem os ativistas dos direitos dos animais que publicaram as fotografias das proprietárias do espaço com o selo "procura-se".

Agora, importante é evitar calamidades semelhantes. Vivemos num tempo em que os animais têm quem os represente no Parlamento. E é especialmente destes que esperamos ver ação.

*Diretor-adjunto

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