quarta-feira, 19 de agosto de 2020

Oposição bielorrussa: nacionalismo e privatizações para lá das «caras simpáticas»


A Bielorrússia está na berlinda mediática, mas não para explicar o programa da oposição: privatizações, perda de direitos laborais, integração nas estruturas ocidentais... O jornalista Bojan Tsonev leu as propostas.

Numa peça publicada esta terça-feira no portal 14milimetros.com, Bojan Tsonev sublinha o pouco relevo que mereceu aos grandes media o conteúdo dos programas de Svetlana Tikhanovksaya, a quem chama «líder de facto da oposição bielorrusa» e a quem os grandes meios de comunicação social tratam de «heroína» para cima, «Joana d'Arc» e por aí fora – como se não tivesse havido um Maidan, um Guaidó e não houvesse um dia a dia de enredos mediáticos a favor do capital.

Então, Bojan decidiu entrar no portal do programa eleitoral de Tikhanovksaya, no qual, afirma, «aparece toda uma série de propostas de conteúdo democratizante, que falam sobre liberdade nas eleições, justiça independente e outras coisas mais».

No entanto, o jornalista revela que, ao aceder ao link reformby.com, depara com propostas que divergem da «cara simpática» inicial – propostas que abrangem áreas como a economia, a ecologia, a saúde e as pensões, e que foram criadas tendo por base documentos da plataforma «Pacote de reanimação de reformas para a Bielorrússia».

Ao tentar aceder à página para saber em que consiste este «Pacote de reanimação», aparece uma mensagem de «erro» e o conteúdo «parece bloqueado ou eliminado». Não obstante, alguns foram suficientemente rápidos para conseguir gravar o texto, revela.

Corte de relações com a Rússia, integração nas estruturas ocidentais


A oposição, para quem a Rússia é responsável por ameaças à segurança do país, critica a participação em «projectos de integração pós-soviética». Algumas das reformas avançadas, revela Bojan Tsonev, possuem uma «clara motivação ultra-nacionalista e revisionista».

A este propósito, o programa contempla a proibição de «organizações pró-russas cujas actividades sejam contrárias aos interesses nacionais», assim como a perseguição penal de quem questionar publicamente a existência de «uma nação bielorrussa separada», a responsabilização penal por «insultos públicos à língua bielorrussa» ou a vigilância de actividades de iniciativas a favor do Kremlin na Bielorrússia.

O país não só abandonaria totalmente as suas relações com a Rússia, como passaria a integrar-se na esfera ocidental, «especialmente dentro dos novos projectos promovidos por países como a Polónia e a Lituânia», bem como na União Europeia (UE) e na NATO.

A nível militar, a oposição advoga o desenvolvimento das passagens fronteiriças com a UE, a transição para os «padrões da NATO» e a formação do pessoal militar bielorrusso recorrendo às instituições e centros de formação dos países-membros da NATO.

Viragem para Ocidente

O programa da campeã do Ocidente proíbe a venda às empresas russas de infra-estruturas bielorrussas; defende a redução da participação da Rússia como fornecedor de energia ao país; propõe a privatização das empresas estatais com a proibição de aquisição por empresas com participação de capital russo superior a 20%; defende a construção de ligações ferroviárias e rodoviárias modernas para sul e ocidente, isto é, Polónia, Ucrânia, Lituânia e Letónia: Kiev-Minsk-Vilnius, Lvov-Brest-Grodno-Vilnius, Vitebsk-Polotsk-Daugavpils-Riga.

«Isto devia gerar preocupação, dada a actual situação em países como a Ucrânia», alerta Tsonev, sublinhando que poderia afectar o equilíbrio de «forças políticas, económicas e militares na Europa Oriental», bem como, de forma negativa, as «relações inter-sociais» na Bielorrússia, uma vez que se trata de um país de fortes laços culturais e históricos com a Rússia.

No domínio da informação, propõe-se a liberalização para «garantir a liberdade de expressão», proibindo a transmissão de programas «jornalísticos, sociopolíticos e noticiosos criados por canais de TV russos na Bielorrússia». Passam a ser incluídos no pacote padrão de canais da Bielorrússia os canais públicos de TV da Letónia, Lituânia, Polónia e Ucrânia. Defende-se a transmissão em canais de TV nacionais de programas de divulgação científica, entretenimento e notícias dos países da UE, do Reino Unido, do Canadá, dos Estados Unidos e da Austrália.

Nacionalismo, anticomunismo e alerta para o agravamento da situação económica

O programa defende a divulgação dos «heróis nacionais dos séculos XIX e XX» entre a população, bem como a popularização da figura do escritor Kastus Kalinouski como fundador político da moderna nação bielorrussa, como símbolo da luta dos bielorrussos pela liberdade e a independência – contra a opressão russa.

Também dá particular ênfase à defesa do bielorrusso como única língua estatal, embora reconhecendo as línguas minoritárias – que não é o caso do russo. Propõe-se levar a cabo a «descomunização e a des-sovietização integral» do país, e «bielorrussiar» a vida religiosa de todas as confissões, bem como do sistema educativo em todos os seu níveis.

«A situação económica, já de si difícil devido à pandemia de Covid-19, agravar-se-ia», defende Bojan Tsonev ao ser confrontado com o conteúdo das propostas da oposição, alertando que a Bielorrússia poderia ficar condenada a repetir experiências já ocorridas na Europa de Leste: «privatizações selvagens, descida do nível de vida, criminalidade, crescendo do nacionalismo, do conservadorismo e do anticomunismo, aumento da emigração, servilismo económico, entre muitos outros efeitos adversos».

Isto – sublinha – é algo que muitos dos sectores liberais que se manifestam não parecem entender, julgando que, com a simples saída de Lukashenko, todos os seus problemas vão desaparecer. No entanto – afirma –, trabalhadores do sector da Indústria já se começaram a organizar em diversos grupos através de redes sociais, onde expõem as suas exigências, que visam defender os seus postos de trabalho e evitar as privatizações, «bem como impedir o sequestro das suas reivindicações por parte da oposição».

AbrilAbril

Na imagem:
Svetlana Tikhanovksaya, ao centro, entre outras duas «feministas» opositoras Créditos/ insurgente.org

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