José Alberto Lourença |
AbrilAbril | opinião
Pode estar prestes a verificar-se
uma hecatombe no mercado de trabalho, se não houver medidas efectivas de apoio
às micro e pequenas empresas, que são a esmagadora maioria do nosso tecido
económico.
Cinco meses após o surgimento no
nosso país dos primeiros casos identificados com a COVID-19, da declaração do
estado de emergência durante 45 dias, entre 19 de Março e 2 de Maio, e da
declaração de estado de calamidade que vigorou entre 3 de Maio e o final de
Julho p.p., o impacto económico e social da actual pandemia sobre a nossa
economia foi enorme, estimando-se uma queda no PIB do 2.º trimestre,
comparativamente com o mesmo período de 2019, de 16,5%, e a destruição de
milhares e milhares de empregos, com o consequente impacto na subida do
desemprego.
Muitas empresas e serviços
públicos foram obrigados a encerrar ou a funcionar de forma extremamente
condicionada, a livre circulação de pessoas e bens foi travada, muitas famílias
viram a sua vida pessoal e profissional extremamente afectada com o
encerramento das escolas, tendo muitos pais sido forçados a ficar em casa para
cuidar dos seus filhos.
O pacote de medidas
compensatórias aprovadas pelo governo no plano económico e social para apoio
das famílias e das empresas mostrou-se insuficiente, contrário às necessidades
das famílias e das micro e pequenas empresas e dirigido sobretudo à defesa dos
interesses dos sectores do grande patronato e dos grandes grupos económicos,
como se verifica com o recurso indiscriminado ao lay-off, acesso às linhas
de crédito criadas, atropelos aos direitos e à própria lei sindical, com a
redução dos salários e outros rendimentos, a imposição do gozo de férias, entre
outros abusos que têm vindo a ser denunciados.
Os impactos económicos e sociais
provocados pelo surto pandémico que enfrentamos e pelas erradas políticas
económicas que têm vindo a ser prosseguidas nos últimos cinco meses são já
visíveis na queda sem precedentes registada no PIB do 2.º trimestre e em muitos
outros indicadores económicos, como a evolução que se regista no mercado de
trabalho, nas suas diferentes vertentes: emprego, desemprego e inactividade.
A leitura atenta da última
informação disponibilizada pelas estimativas mensais de emprego e desemprego
referentes a Junho p.p. e dos resultados do inquérito trimestral ao emprego
referentes ao 2.º trimestre, mostram bem o efeito devastador, que a actual
situação que vivemos está a ter sobre o mercado de trabalho e, mais preocupante
ainda, a hecatombe que pode estar prestes a verificar-se neste mercado, se não
forem tomadas medidas efectivas de apoio à esmagadora maioria do tecido
económico do nosso país, constituído por micro e pequenas empresas, que evitem
a ida para a falência de milhares e milhares destas empresas.
A situação que se tem vindo a
viver no mercado de trabalho desde o início do actual surto epidémico e da
declaração dos estados de emergência e calamidade por parte deste governo é de
tal forma excepcional que o próprio Instituto Nacional de Estatística (INE)
sentiu necessidade de chamar à atenção para o facto de a «diminuição da
população empregada e desempregada observada no 2.º trimestre de 2020 poder ser
explicada pelo enquadramento social e económico associado à COVID-19 e
reflectir-se na forte diminuição da população activa (população empregada mais
população desempregada) e no elevado aumento quase equivalente da população
inactiva. A evolução da taxa de desemprego observada no 2.º trimestre de 2020 e
calculada de acordo com o conceito adoptado pela OIT [Organização Internacional
do Trabalho], não pode ser assim dissociada do aumento da taxa de
inactividade.»
Objectivamente o INE vem
dizer-nos que a taxa de desemprego actual se aproxima mais do que nunca do
conceito de taxa de desemprego em sentido real, a que agora chama taxa de
subutilização do trabalho, o qual inclui não apenas o desemprego em sentido
restrito (conceito da OIT), mas também o subemprego de trabalhadores a tempo
parcial, mais os inactivos à procura de emprego mas não disponíveis e os
inactivos disponíveis mas que não procuram emprego. Assim sendo a taxa de
desemprego real, no 2.º trimestre de 2020, terá atingido os 14% e cerca de 750
mil trabalhadores estavam, neste período, na situação de desemprego.
Este terá sido o impacto que as
medidas de política económica tomadas para enfrentar o surto epidémico não
conseguiram disfarçar, mas a pergunta que não pode deixar de ser feita, é a de
até onde poderá ir o nível real de desemprego nos próximos meses, com a
continuação da actual política económica, que corta nos rendimentos e salários
das famílias e dos trabalhadores e asfixia as micro e pequenas empresas, ao
mesmo tempo que protege lucros e rendimentos dos grandes grupos económicos?
Porque razão o desemprego está
subir, mas o desemprego oficial desce?
Porque dadas as restrições
impostas pelo surto epidémico de COVID-19, centenas de milhares de
desempregados, impedidos de procurar emprego, condição fundamental para
oficialmente serem considerados desempregados, foram empurrados para a situação
de inactivos e deixaram de contar para o cálculo do desemprego oficial.
Só no 2.º trimestre do corrente
ano, as restrições que o surto epidémico colocou à mobilidade dos trabalhadores
– que, entretanto, se viram na situação de desempregados, impedidos de sair de
suas casas e com muitas empresas encerradas – fez com que o número de
trabalhadores disponíveis para trabalhar, mas que não procuraram emprego,
tivesse disparado de 166 mil no 1.º trimestre para 312 mil no 2.º trimestre. Ao
mesmo tempo, o número de trabalhadores oficialmente considerados desempregados
baixou de 348 mil para 278 mil, uma redução de 70 mil desempregados oficiais.
Desta forma, embora o desemprego
real – que inclui o desemprego oficial, os inactivos disponíveis para trabalhar
mas que não procuraram emprego, os inactivos à procura de emprego mas não
disponíveis para trabalhar e o subemprego de trabalhadores a tempo parcial –
tenha subido do 1.º para o 2.º trimestre de 12,9% para 14%, sendo agora cerca
de 750 mil os desempregados, no mesmo período os dados do desemprego oficial
registam uma descida da taxa de desemprego de 6,7% par 5,6%, com apenas 278 mil
desempregados.
Os gráficos seguintes ilustram a
evolução do desemprego real e oficial, e respectivas taxas de desemprego, entre
2011 e 2020.
Os dois gráficos anteriores
espelham ainda duas situações:
1) Uma permanente diferença entre
a taxa de desemprego real e a taxa de desemprego oficial, que chegou a atingir
9,5 pontos percentuais no 3.º trimestre de 2013 e agora, no 2.º trimestre de
2020, atinge 9,4 pontos percentuais.
2) Uma situação algo inédita no
2.º trimestre de 2020, com o desemprego e a taxa de desemprego real subir,
enquanto o desemprego e a taxa de desemprego oficial desce.
A razão que justifica esta
aparente contradição entre uma evolução e outra reside nos conceitos que estão
na base do cálculo das duas taxas de desemprego, a oficial e a real.
Comecemos pelo cálculo da taxa de
desemprego oficial
Este cálculo é feito a partir das
recomendações da OIT, retiradas da resolução da 13.ª Conferência Internacional
dos Estaticistas do Trabalho de 1982.
De acordo com esta resolução, a
população total pode ser dividida em três categorias mutuamente exclusivas e
definidas sequencialmente: empregados, desempregados e inactivos, e a taxa de
desemprego resulta do peso dos desempregados no total da população activa,
constituída pela soma dos empregados com os desempregados.
Empregado é o indivíduo com
idade mínima de 15 anos que, no período de referência (a semana anterior à
realização do Inquérito ao Emprego), se encontrava numa das seguintes
situações:
- tinha efectuado um trabalho de
pelo menos uma hora, mediante pagamento de uma remuneração, ou com vista a um
benefício ou ganho familiar, em dinheiro ou em géneros;
- tinha um emprego, não estava ao serviço, mas tinha uma ligação formal com o seu emprego;
- tinha uma empresa, mas não estava temporariamente ao trabalho por uma razão específica;
- estava na situação de pré-reforma, mas encontrava-se a trabalhar no período de referência.
- tinha um emprego, não estava ao serviço, mas tinha uma ligação formal com o seu emprego;
- tinha uma empresa, mas não estava temporariamente ao trabalho por uma razão específica;
- estava na situação de pré-reforma, mas encontrava-se a trabalhar no período de referência.
Desempregado é o indivíduo
com idade entre 15 e 74 anos que, no período de referência, se encontrava nas
situações seguintes:
- não tinha trabalho remunerado,
nem qualquer outro;
- estava disponível para trabalhar num trabalho, remunerado ou não;
- tinha procurado activamente um trabalho ao longo de um período especificado (período de referência ou nas três semanas anteriores) para encontrar emprego, remunerado ou não. Entendendo-se por procura activa de emprego: o contacto com um centro de emprego público ou agência privada de colocações, o contacto com empregadores, contactos pessoais ou com associações sindicais, a colocação, resposta ou análise de anúncios, a procura de terrenos, imóveis ou equipamentos, a realização de provas ou entrevistas para selecção e a solicitação de licenças ou recursos financeiros para a criação de empresa própria.
- estava disponível para trabalhar num trabalho, remunerado ou não;
- tinha procurado activamente um trabalho ao longo de um período especificado (período de referência ou nas três semanas anteriores) para encontrar emprego, remunerado ou não. Entendendo-se por procura activa de emprego: o contacto com um centro de emprego público ou agência privada de colocações, o contacto com empregadores, contactos pessoais ou com associações sindicais, a colocação, resposta ou análise de anúncios, a procura de terrenos, imóveis ou equipamentos, a realização de provas ou entrevistas para selecção e a solicitação de licenças ou recursos financeiros para a criação de empresa própria.
Inactivo é o indivíduo que
independentemente da sua idade, no período de referência, não podia ser
considerado economicamente activo, isto é, não estava empregado ou
desempregado.
Este é um quadro conceptual que,
pretendendo ser simples e objectivo, subalterniza de forma muito clara a
dimensão real do desemprego, empurrando para a população inactiva muitos
verdadeiros desempregados, e sobrevaloriza a dimensão real do emprego.
Só desta forma se pode entender
que o conceito de empregado abranja alguém que tenha trabalhado apenas uma hora
na semana anterior, quando, mesmo que assim seja, esteve sem trabalhar 39 horas
nessa mesma semana (considerando uma semana de trabalho de 40 horas); ou que o
conceito de desempregado implique a obrigação de procurar activamente emprego,
sob pena de deixar de ser considerado população activa e passar a integrar a
população inactiva.
O conceito oficial de
desempregado, a partir do qual se calcula a taxa de desemprego, coloca fora do
mercado de trabalho milhares e milhares de trabalhadores desempregados,
passando a considerá-los inactivos, porque não procuram activamente trabalho ou
porque não se mostram disponíveis para um trabalho, remunerado ou não.
Um cálculo do desemprego que não
subalternize efectivamente a sua dimensão conduzir-nos-ia a valores muito
superiores àqueles que os critérios da OIT permitem prever ou estimar, apesar
destes mesmos valores assumirem já uma dimensão assustadora. O desemprego, nas
suas mais variadas formas de avaliação, é hoje não só um fenómeno universal e
um dos principais problemas das sociedades capitalistas, como a sua dimensão, à
medida que cresce a globalização, se aprofunda a integração capitalista e o
ritmo de crescimento do PIB estagna ou cai, atinge níveis inimagináveis há
décadas atrás.
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