sábado, 22 de agosto de 2020

Portugal | Uma vacina obrigatória?


Inês Cardoso | Jornal de Notícias | opinião

"Num contexto de pandemia, a legislação portuguesa prevê que uma vacina possa ser obrigatória." Depois de uma frase assim, dificilmente se evitam estilhaços e confusões na mente de muitos portugueses, ainda que a diretora-geral da Saúde tenha acompanhado essa declaração de mil e um alertas e ressalvas. Graça Freitas acabou por dar um salto de gigante num tema fraturante. E a discussão pode até vir a ser necessária, mas seguramente não faz sentido desgastarmo-nos com ela quando é prematura.

Vamos por partes. Portugal assegurou, no contexto da negociação global da União Europeia, a possibilidade de aquisição futura de vacinas - por agora a quatro farmacêuticas, mas estão em curso outras negociações. Há quem já faça contas sobre o alcance dos 6,9 milhões assegurados por Portugal, mas uma pré-reserva não passa disso mesmo. Primeiro, é preciso que os testes comprovem a eficácia da vacina. Depois, sabe-se e foi claramente explicado pelo primeiro-ministro, a vacinação será progressiva e dependerá de muitos fatores, incluindo a capacidade de produção. Iremos tendo lotes e um processo que demorará tempo. Quanto, ninguém saberá dizer.

Em Portugal, a vacinação não é obrigatória e esse caminho foi recusado em anteriores surtos de doenças como o sarampo. A lei prevê a obrigatoriedade em situações excecionais, mas tal hipótese está dependente de muitos fatores, a começar na eficácia da imunização e na evolução da pandemia. Por mais desejada que a vacina seja, a sua chegada e sobretudo a sua utilização em massa não passam de uma expectativa. Cada vez mais sustentada, é certo, mas ainda assim uma expectativa.

Com tanta dúvida sem resposta, seja sobre a vacina ou a imunidade pós-infeção, qualquer conjetura sobre a obrigatoriedade não passa de especulação. O que temos mais certo é enfrentar o outono e o inverno sem as esperadas ajudas da ciência. É em função disso que temos de preparar o Serviço Nacional de Saúde e continuar a viver, adaptando comportamentos. E seguindo em frente, porque a solução milagrosa não está, ainda, ao virar da esquina.

*Diretora-adjunta

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