Miguel Guedes | Jornal
de Notícias | opinião
O marxismo cultural é lixado.
"Por uma questão qualquer de angariação de fundos", André Ventura
(AV) reduz a detenção de Steven Bannon, guru norte-americano da extrema-direita
à escala global, a uma perseguição miúda e desprezível. "Por uma questão
qualquer", é uma minudência ter sido acusado do desvio de milhões de
dólares da iniciativa de recolha de fundos para a construção do muro na
fronteira entre os EUA e o México, alimentando as suas redes políticas
extremistas, a sua vida pessoal de luxos e a de outros comparsas de crime e
castigo.
O ex-conselheiro e director de
campanha de Donald Trump em 2016, acusado de fraude e lavagem de dinheiro,
enfrenta agora uma pena de prisão que pode ir até 20 anos. A extrema-direita já
quase que aproveita para alegar orfandade. Trump, candidato, afasta-se dele
como se afasta das vacinas. Não tardará a alegar desconhecimento. Com carácter
súbito, imediato e preventivo, AV vai avisando que "esperemos que nunca
aconteça cá, agora que o Chega começa a incomodar tanto". AV acredita,
talvez porque Deus esteja no comando, que a corrupção não chega aos amigos e
financiadores de um partido que, na altura,
recém-criado-à-caça-de-assinaturas-e-ainda-sem-nome, inundou as ruas nas
eleições europeias com cartazes e outdoors. Se acontecer cá e a ele, já se
sabe, a culpa será do poder que o persegue. Será "uma questão
qualquer", certamente.
Steven Bannon não é o único.
Steven Bannon é "apenas" a sétima pessoa próxima de Trump a ser
detida ou acusada de crimes desde que tomou posse como presidente dos EUA.
Nomes como Paul Manafort, George Papadopoulos, Michael Cohen, Roger Stone, Rick
Gates e Michael Flynn fazem parte duma lista de especialistas em corte e
costura de crimes de fraude, conspiração, lavagem de dinheiro, adulteração de
testemunhos, obstrução à justiça e falsas declarações. De todos eles, só
Michael Flynn ainda não está condenado. Donald Trump, porque uma desgraça nunca
vem só e contra a sua vontade, é intimado a entregar as suas declarações
fiscais dos últimos oito anos. A 75 dias das eleições presidenciais
norte-americanas, a notícia da detenção de Bannon fará com que muitos
construtores de muros passem a esconder os tijolos. Um dia bom para o
armazenamento de noção.
Alegar desconhecimento passa
então a ser uma ciência de fuga. AV, que assistiu impávido e sereno a várias
saudações nazis nos comícios do Chega, desconhece que o líder da
"Resistência Nacional" - que desfilou com máscara e tochas em frente
ao SOS Racismo - pertence ao seu partido. No entretanto, ameaça com sanções disciplinares
e diz estar a ser perseguido. Não deixaria de ser irónico que, à semelhança das
doações racistas para um muro desprezível (que nasceu para ser pago pelos
mexicanos) que levam à detenção do maior ideólogo e financiador da
extrema-direita, fossem os nazis e racistas que AV tão irresponsável e
ferozmente colerizou, a serem o principal factor de detenção e alarme para um
projecto político tão claramente abjecto.
O autor escreve segundo a antiga
ortografia
*Músico e jurista
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