quarta-feira, 23 de setembro de 2020

Moçambique | Verbas para as populações vulneráveis podem estar a ser desviadas

O Centro de Integridade Pública (CIP) alerta para o risco de corrupção na atribuição de subsídios às populações carenciadas em Moçambique. Há pessoas a receber apoios em duplicado e cidadãos à espera há vários anos.

O Centro de Integridade Pública (CIP) teme que as verbas destinadas à proteção social, no âmbito da Covid-19, não estejam a chegar "na totalidade" aos beneficiários mais carenciados. A organização não-governamental (ONG) tem conhecimento de vários casos de má gestão na atribuição do subsídio social básico no distrito de Matutuíne, na província de Maputo, sul do país.

A ONG esteve no terreno a investigar a atribuição de apoios financeiros às populações e encontrou casos de cidadãos que não recebiam ajuda há seis meses. A DW África falou com a investigadora do CIP Celeste Banze, uma das autoras do relatório elaborado pela organização no final da visita ao distrito.

DW África: A que se deve este atraso na atribuição de apoios aos cidadãos mais carenciados?

Celeste Banze (CB): O CIP recebeu a denúncia de que havia indícios de má gestão dos fundos do Instituto Nacional de Ação Social (INAS) em Matutuíne. Fomos lá para averiguar e o que nós percebemos é o que acontece em todo o país. O INAS, por ser o parente pobre do Orçamento do Estado no setor social, tem muitas carências. Uma delas é não ter recursos humanos suficientes para garantir que as suas atividades ao nível local sejam implementadas no tempo necessário.

Por exemplo, os beneficiários do programa de Subsídio Social Básico deveriam receber mensalmente o subsídio. O que acontece é que há sempre atrasos. O que fomos constatar em Matutuíne é que há até seis meses de atraso. Quando estivemos lá, percebemos que só na semana anterior é que tinham ido para lá os técnicos do INAS da província de Maputo para poder pagar o subsídio [referente] a três meses. Ainda iam ficar a dever [outros] três meses.

DW África: O CIP constatou que há técnicos a trabalhar no local sem recursos e, por vezes, até sem conhecimentos suficientes. Como é que é possível isto acontecer, sobretudo numa época de pandemia em que as pessoas estão mais necessitadas?

CB: O INAS usa muito os "permanentes", que são pessoas locais que têm conhecimentos sobre como se vive na comunidade e apoiam o INAS no processo de identificação dos beneficiários e distribuição de recursos. Esses "permanentes" algumas vezes fazem seleção de beneficiários sem efetivamente receberem formação por parte do INAS. Nós recebemos queixas dos próprios beneficiários a dizer que há beneficiários registados em duas comunidades e a receberem benefícios de ambas. 

DW África: Ou seja, se o processo continuar a ser gerido dessa forma, há aqui um campo fértil para a corrupção e uso indevido de fundos do Estado?

CB: É isso mesmo. No âmbito da Covid-19, é importante que os critérios de seleção dos beneficiários estejam bem identificados. Se não estiverem claros, vai acontecer que pessoas sem necessidade beneficiem desses recursos em detrimento de pessoas que realmente precisam. Em Matutuíne, nós vimos [o caso de] uma senhora com deficiência que disse que está há três anos na lista de espera do INAS. Mas há pessoas que estão em duas listas e estas pessoas prejudicam aquelas que realmente precisam.

É importante, acima de tudo, aumentar os recursos do INAS, mas também maximizar e melhorar o uso desses recursos. Isso passa pela expansão de delegações distritais do INAS, aumento de recursos humanos... E o investimento no INAS não pode ser só no período da Covid-19. O INAS precisa há muito tempo de ter mais do que 2% ou 3% da despesa total, que é alocada à instituição. É importante rever isso porque estamos num contexto em que o país está a ser assolado por várias calamidades. Temos o conflito em Cabo Delgado, que precisa do INAS, temos a situação do Idai, que precisa do INAS, a Covid-19, o conflito na zona centro...

DW África: Já enviaram essas recomendações ao próprio INAS? Tiveram alguma resposta?

CB: Mandámos uma carta, mas não conseguimos resposta. O que vamos fazer é encaminhar a análise para o INAS e colocarmo-nos abertos para qualquer tipo de assessoria que o CIP possa dar. Podemos conversar e ir discutindo formas de fazer advocacia para que mais recursos sejam alocados ao INAS.

Madalena Sampaio | Deutsche Welle

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