Paulo Baldaia | Diário de Notícias
| opinião
Marcelo Rebelo de Sousa é um
belíssimo analista, um ótimo Presidente da República a quem até Ana Gomes dá
nota positiva na hora de avaliar o mandato, mas tem o mais comum dos defeitos
num político, a vaidade. Só por vaidade se pode entrar no quarto ano do mandato
em perda na generalidade das sondagens e mesmo assim embandeirar em arco,
garantindo, em entrevista à TVI, que os seus "níveis de popularidade são
tão altos que nenhuma queda o leva à depressão".
O espanto com a popularidade de
outras galáxias conseguida por Marcelo foi generalizado e eu imagino que a
excitação criada na maioria dos seus colaboradores o tenha contagiado. Só isso
justifica que um político tão experiente como ele tenha começado a alimentar
tão precocemente o sonho de bater o recorde conseguido por Mário Soares. Não
teria havido nenhum problema se o sonho tivesse ficado com ele e com um ou
outro amigo com quem quisesse desabafar sobre a ansiedade que o tinha tomado. O
persistente número (70% de Soares em 1991) passou a ser um objetivo não
disfarçado e confessado pelo próprio em inúmeras conversas. Como a política é,
sobretudo, gestão de expectativas, Marcelo tinha cometido o erro fatal.
Bem lembrou António Costa, quando
quis colar-se a Marcelo para disfarçar males da governação, que não há
português que tenha dúvidas sobre duas coisas. A primeira é que Marcelo vai
recandidatar-se e a segunda é que vai ganhar. Só que não é isso que lhe vai ser
cobrado. A gabarolice de que era capaz de bater o recorde de Soares, permitida
na altura pela desistência do único português (Cavaco Silva) que conseguiu
quatro maiorias de votos em eleições nacionais, é o fantasma que o persegue. O
problema é que a campanha de Marcelo não pode vir a resumir-se a baixar as
expectativas para as poder superar.
Por todo o lado, há gente a fazer
contas e a imaginar quanto vale cada um dos desafiantes no passeio de Marcelo,
que até há pouco tempo todos imaginávamos triunfal e sem grande história. Não
sendo candidata apoiada pelo PS, Ana Gomes valerá entre 10% e 2x10%. Marisa
Matias conseguiu nas últimas presidenciais 10% e existe a expectativa de que os
possa repetir. O PCP também quer ter candidato e o dobro de um desastre chamado
Edgar Silva (4% nas últimas presidenciais) é o patamar mínimo da dignidade.
Falta ainda o elefante no meio da sala, a quem várias sondagens já colocam na
fasquia dos dois dígitos e que tem a pretensão de ser o segundo mais votado,
forçando Marcelo a uma segunda volta.
Aqui chegados, quando faltam
quatro meses para as eleições, parece tão improvável o candidato do Chega ser
segundo e forçar Marcelo a uma segunda volta como o Presidente ser entronizado
com um recorde da democracia. Nas contas do Chefe do Estado, dez mais dez, mais
dez, mais dez deixam muito pouco espaço para continuar a sonhar com o resultado
de Soares. Veremos que campanha é capaz de fazer para ganhar com toda a
clareza. Até lá, a missão de Marcelo é convencer a opinião publicada de que não
tem responsabilidade nenhuma na meta inatingível que alguém, talvez um anjo
entrando sem autorização nos sonhos presidenciais, colocou no seu caminho. Podem
já começar a lembrar que Cavaco foi reeleito com pouco mais de 50% dos votos.
A verdade é que, muito mais
importante do que a dimensão da sua vitória, o grande trabalho de Marcelo é não
permitir que um extremista, racista e xenófobo lhe roube uma percentagem
significativa dos votos da direita. A história julgará o atual Presidente da
República, eleito pelo centro-direita, muito mais pela sua capacidade de
contribuir para travar a ascensão de um populismo perigoso, divisionista e
contra a Constituição do que pela percentagem de votos conseguida na reeleição.
Se Ventura chegar aos 10%, Marcelo, mesmo ganhando, começa derrotado.
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