Apesar dos esforços dos vários países, 99% da população urbana europeia continua exposta a níveis de ozono acima dos valores recomendados pela OMS.
A Europa continua a marcar passo no combate à poluição. Se a covid-19 veio, inadvertidamente, limpar o ar das cidades em 2020, no último ano normal de que há registos definitivos, o de 2018, os dados recolhidos pela Agência Europeia do Ambiente (EEA) mostram um decréscimo muito ligeiro, de apenas 1,1%, no número de mortes associadas aos poluentes mais preocupantes. Já Portugal registou uma tendência inversa, também ligeira, e viu o número de óbitos aumentar 3,36% face aos dados de 2016.
A EEA também se deu ao trabalho de comparar os dados de 2018 com os de 2009, e, neste período, alguns indicadores principais, como os de poluição por partículas inaláveis mais pequenas (PM2,5) e por dióxido de azoto (NO2), bem como as consequências das respectivas emissões na saúde, melhoraram bastante. Num total de 41 países europeus registaram-se quebras consideráveis nos óbitos relacionados com o NO2 (que caíram 54%, fixando-se, ainda assim, nas 55 mil pessoas/ano). Em relação à exposição de longo prazo às partículas de menor diâmetro, o relatório contabiliza 417 mil mortes prematuras, em 2018, menos 13% do que se registava dez anos antes.
Ozono “mau” piorou
Pior foi a evolução, na década, da poluição por ozono de superfície (não confundir com o da camada de ozono, na atmosfera, essa, sim, essencial). Ao nível do solo, estima-se que a exposição ao ozono (O3) tenha levado à morte de 20.600 europeus, mais 20%, num ano, do que se havia estimado em 2009. Tendo em conta que o aumento dos dias de calor, provocado pelas alterações climáticas, propicia maiores concentrações deste poluente, as perspectivas, a este nível, não são nada animadoras, considera o líder da Associação Ambientalista Zero, Francisco Ferreira, num primeiro comentário a estes dados.
Portugal acompanhou os seus congéneres europeus, na evolução ao longo da década, mas, como outros países, viu a situação piorar, parcialmente, entre 2016 (dados do relatório divulgado no ano passado) e 2018 (o ano analisado no novo relatório). Se as mortes associadas à exposição a partículas finas se estabilizaram (4900 em cada um dos anos), foi estimado um ligeiro aumento da mortalidade associada ao NO2 (passou de 610 para 750 óbitos) e ao O3 (de 320 para 370 mortes). No total, as mortes associadas a estes três poluentes passaram de 5830 para 6020, num aumento de 3,26%. Na Europa, as 492.600 mortes de 2018 representaram, em sentido contrário, uma quebra ligeira, de 1,1%, face às 498.100 estimadas em 2016.
Zonas urbanas mais afectadas
Neste relatório, a Agência Europeia do Ambiente assinala que 99% da população urbana do continente (onde três quartos das pessoas vive em cidades) está exposta a níveis de ozono acima dos valores recomendados pela Organização Mundial da Saúde. E que, apesar das melhorias verificadas, ainda há 74% de pessoas em espaço urbano sujeitas a níveis elevados de PM2,5 e 48% afectadas por presença excessiva de partículas maiores (PM10). Só em relação ao dióxido de azoto (NO2) é que o retrato apresentado é melhor, com 4% desta população a ser afectada por níveis acima das recomendações da OMS.
O que isto nos diz é que a maioria dos europeus a viver nas cidades continua a respirar ar “que é perigoso para a respectiva saúde”, assinala a federação europeia de organizações ambientalistas, a European Environmental Bureau, que divulga este relatório da EEA. “Os governos não estão a fazer o suficiente para cortar estas emissões tóxicas na fonte”, acrescenta esta organização, cuja porta-voz e especialista nas questões relacionadas com o ruído e a qualidade do ar, Margherita Tolotto, questiona “quantos alertas vão ser necessários para atacar” o problema. “Eles sabem o que é necessário fazer para melhorar a qualidade do ar: produção industrial sustentada em energia mais limpa, transportes mais inteligentes e verdes e uma agricultura sustentável.”
O ano em curso foi, de forma imprevista, uma demonstração da responsabilidade humana na qualidade do ar que respiramos. Lembrando que alguns estudos preliminares associaram a poluição ao transporte do novo coronavírus e a um agravamento da covid-19 em pessoas afectadas pela exposição a algumas destas substâncias, a Agência Europeia do Ambiente mostra, com os dados preliminares, que, em Abril, quando muitos europeus foram confinados em suas casas e a actividade industrial travou a fundo, se verificaram reduções consideráveis nas concentrações destes poluentes, independentemente das condições atmosféricas.
Francisco Ferreira acrescenta que este laboratório indesejado só veio mostrar como os principais poluentes podem ser atacados e minimizados com uma acção incisiva por parte dos governos nacionais e locais. E alerta para “a importância de os municípios aproveitarem a oportunidade de melhorar a saúde dos seus cidadãos de forma dramática e rápida”, promovendo “centros urbanos sem carros e mais com espaços verdes e áreas pedonais; expandindo as ciclovias seguras dentro e ao redor dos centros das cidades; oferecendo alternativas de transporte público para todos, confiáveis, acessíveis, económicas e sem recorrer ao uso de combustíveis fósseis e expandindo parques, jardins comunitários e, até a plantação de paredes e telhados verdes dos edifícios.
Os efeitos de medidas deste tipo são perceptíveis na saúde e qualidade de vida dos cidadãos, mas também na própria economia de países e cidades (basta pensar nos custos com o Sistema Nacional de Saúde). Em Setembro, um estudo da Aliança Europeia de Saúde Pública (EPHA na sigla original), uma associação europeia sem fins lucrativos na área da saúde pública, adiantava que, em relação a Portugal, a poluição atmosférica tem um custo para um habitante de Lisboa de 1159 euros e custa anualmente à cidade 635 milhões de euros.
O mesmo trabalho assinalava que, no Porto, as perdas são menores, passando a 950 euros anuais por pessoa e custos de 226 milhões de euros para a cidade. Em Faro, os valores são ainda mais baixos, 775 euros e 50 milhões de euros, por pessoa e pela cidade, respectivamente, e em Coimbra a poluição tem um prejuízo per capita de 598 euros, mas o prejuízo anual para a cidade é de 85 milhões, mais do que em Faro.
Abel Coentrão | Público
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