#Publicado em português do Brasil
Edson José de Araújo | Ceiri News
Em uma corrida eleitoral marcada por extrema polarização político-ideológica, Joseph Robinette Biden Jr. se tornou o 46º Presidente dos EUA, segundo pronunciamento da agência de notícias Associated Press, realizado em 7 de novembro (2020) e, em meio à situação atual do país, vai herdar de seu antecessor, Donald Trump, uma nação afetada por uma crise econômica e social comparável à Grande Depressão (1929) e a maior taxa de desemprego desde o início da Segunda Guerra Mundial. Em meio à pandemia da Covid-19, o país se tornou a primeira nação do mundo em número de infectados e mortos pelo vírus, podendo alcançar, segundo projeções, a marca de 300 mil mortos até o final de 2020, à medida que embarca em uma “segunda onda” de infecções e possíveis novos bloqueios.
De certo, Joe Biden, ao assumir a Presidência, irá despender grande parte do seu mandato em apaziguamento das crises internas, mas, também, deverá colocar em pauta políticas desenvolvimentistas para a América, abordando as relações exteriores que, de acordo com analistas, nos últimos quatro anos apresentou-se como uma nação protecionista avessa aos preceitos do multilateralismo.
Muito antes do resultado das eleições, discussões ao redor do mundo começaram a ser estruturadas sobre a política externa que Biden deveria assumir se fosse eleito, concluindo que, talvez, mais flexibilidade possa ser esperada de sua administração no Oriente Médio, em particular em relação ao Irã. O curso para conter a Rússia e a China, segundo analistas, continuará, mas os instrumentos de contenção serão ligeiramente ajustados e a retórica mudará.
O tema “Rússia” sempre esteve entre os componentes cruciais de ataques à Donald Trump por parte dos Democratas (partido de Biden), por seu esforço insuficiente para conter o chamado regime autoritário e agressivo de Vladimir Putin. Biden, por sua vez, poderá usar a Rússia para avançar em uma agenda consolidada de retaliações, pois, opor-se a Moscou é uma das poucas questões que gozam de consenso no Congresso norte-americano.
As eleições de 2020 apresentaram preocupações com a chamada “interferência russa”, tão disseminada nas eleições presidenciais passadas e que ocasionou punições restritivas por parte dos EUA ao país eslavo. Junto com o tema “intervenção”, há mais duas questões sobre as quais a escalada de sanções pelo governo Biden poderá ser bastante provável.
O primeiro é o caso Navalny, onde a União Europeia já tomou uma decisão sobre as sanções contra 6 russos, bem como contra uma empresa especializada que, segundo a UE, produz a substância do grupo Novichok, elemento utilizado no envenenamento de Navalny, segundo autoridades.
Nos EUA, o caso pode ter uma reviravolta mais séria, uma vez que o mecanismo legal para impor sanções sobre o tema é diferente do mecanismo da UE. É registrado na Lei de Controle de Armas Químicas e Biológicas de 1991 e Lei de Eliminação de Guerra (Ato CBW, art. 307). Trata-se de um cardápio de seis medidas, a mais grave delas é a proibição de empréstimos à Rússia. Donald Trump já usou esse mecanismo em resposta ao incidente de Salisbury (ordem executiva nº 13883 de 1º de agosto de 2019). No entanto, segundo especialistas, a Administração usou a lei de forma muito moderada, limitando-se a restrições aos títulos russos denominados em moeda estrangeira. No caso de Navalny, as medidas podem ser mais duras, podendo ser aplicadas pela administração de Biden.
Outro risco é a questão dos direitos humanos. No início de setembro, os senadores R. Menendez e B. Cardin já criticaram o secretário do Tesouro dos EUA, Steven Mnuchin, por sua aplicação insuficiente da Lei Magnitsky, um mecanismo legal para o uso de sanções sobre o tema dos direitos humanos. A lei prevê ações contra indivíduos e organizações envolvidas em violações de direitos humanos.
A vitória de Biden, em teoria, poderia levar a um maior foco da administração nos direitos humanos, mas é improvável que isso mude o próprio paradigma das sanções direcionadas individualmente contra funcionários de segurança, portanto, os perigos aqui parecem ser baixos contra a Rússia.
O principal risco é a própria estrutura das relações entre a Rússia e o Ocidente, onde a confiança mútua chegou a quase zero, e as contradições se multiplicam. Não há mecanismos que assegurem procedimentos para evitar o surgimento de uma ampla gama de incidentes, ou contra os seus agravamentos, onde um novo problema pode surgir a qualquer hora ou em qualquer lugar, da Ucrânia à Venezuela, Além disso, de mecanismos que possibilitem caminhos para a solução de problemas que vão da não proliferação de armas nucleares até a segurança cibernética.
É claro que a política externa de Biden não só será totalmente diferente da de Trump em relação à Rússia. Ressalte-se que, para analistas internacionais, Biden parece ter uma compreensão sóbria das muitas características do que é chamado de sistema autoritário da Rússia contemporânea, no entanto, ele acredita que o poder de Putin permanece “frágil no núcleo” com “raízes rasas” e que, sem um aparelho repressivo, o seu regime “desceria em uma tempestade de vaias e assobios”, mas isso demonstra um grave e potencialmente perigoso mal-entendido da natureza e da fundação do regime de Putin.
Conforme se observa, o governo de Vladimir Putin não é estruturado com base em um público oprimido e relutante, mas é construído baseado em conjunto de fatores que se mostram em um processo de luta política envolvendo Putin, seus oponentes e dezenas de milhões de partidários. Biden parece perder este ponto de análise e, agora, eleito Presidente, irá enfrentar não “a Rússia de Putin”, mas “o Putin da Rússia”, e afirmar que um sistema político que foi construído e fortalecido ao longo de vinte anos tem “raízes rasas” não é uma base sólida para construir uma boa política externa.
O sistema político russo não é imutável, onde protestos são comuns, eleitores punem políticos impopulares, e os índices de popularidade de Putin são baseados nas avaliações dos cidadãos. Embora Trump subestimasse rotineiramente as aspirações globais de Putin, Biden, se assumir a Presidência, para não cometer erro similar, fará bem em não minimizar os verdadeiros fundamentos do apoio interno ao Presidente russo.
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