quinta-feira, 26 de novembro de 2020

Terrorismo em Cabo Delgado: Académico defende envolvimento internacional

Em entrevista à DW África, Lourenço do Rosário defende que Moçambique já não tem capacidades para enfrentar sozinho o conflito no norte, pelo que é importante envolvimento de outros estados da SADC e da União Europeia.

Desde 2017, a província de Cabo Delgado, no norte de Moçambique, está mergulhada num conflito armado atribuído ao alegado grupo jihadista, que já provocou a morte de mais de mil pessoas e mais de 500 mil deslocados internos.

Em entrevista à DW África, o académico Lourenço do Rosário defende que se faz necessário o envolvimento de outros Estados da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) e da União Europeia (UE), onde Portugal e França teriam um papel proeminente.

Para o analista, a oposição moçambicana tem que ter uma agenda nacional com pontos de convergência com o Governo para resolver os grandes problemas do país.

DW África: Como analisa a situação atual dos ataques armados em Cabo Delgado e a atuação do Governo moçambicano?

Lourenço do Rosário (LR): Numa primeira fase, penso que o Estado Moçambicano, as Forças de Defesa e Segurança e, sobretudo, as forças de inteligência menosprezaram grandemente este movimento - quando houve a primeira manifestação deste grupo em Mocímboa da Praia, no dia 5 de outubro de 2017.

Pensáram, essencialmente, que era um grupo de jovens radicalizados, mas que eram facilmente controláveis e que eventualmente esta era uma questão essencialmente da policia.

O meu entendimento é de que este problema podia ser, no princípio, perfeitamente interno e que podia ser resolvido. Hoje, não há dúvidas nenhumas de que há uma intervenção exterior do jihadismo que pretende, no máximo, "somalizar" o norte de Moçambique e incluir esta instabilidade - à semelhança [da Republica Democrática] do Congo, do Mali, do Burkina Faso, da Nigéria etc.

Portanto, não há dúvidas que as nossas Forças de Defesa e Segurança e os serviços de inteligência não têm capacidade para enfrentar essa ameaça.

DW África: Quais seriam as possíveis saídas?

LR: Moçambique já manifestou, através das autoridades governamentais, o pedido de auxílio à região, através da SADC. Já também se manifestou junto da União Europeia. E temos dois peões que podem jogar um papel importante na UE: Portugal, que é naturalmente o nosso antigo colonizador com quem o nosso Presidente esteve a conversar ainda ontem [24.11], e França.

Acho que [França] tem jogado um papel importante em África, mas sobretudo [na região] do Magrebe. [França] é nossa vizinha aqui do Índico porque tem algumas ilhas e tem a Total, em Palma.

DW África: Há quem defenda que uma das questões que têm de ser colocadas é evitar a radicalização da juventude e não só em Cabo Delgado. Concorda com essa opinião?

LR: Acho que sim e que o Governo mudou também, neste momento, o seu discurso relativamente ao roteiro do desenvolvimento, ao emprego, à criação inclusive de uma entidade governamental apenas para a juventude e o emprego a distrito à Presidência da República. Já é uma mudança de paradigma em relação a esta questão. Portanto, o discurso, pelo menos, mudou bastante neste sentido. Agora, vamos a ver como é que isso se resolve na prática.

Temos um défice bastante grande, no nosso país, que é a falta de uma agenda nacional que inclua toda a nossa liderança política. Não é só deixar tudo nas mãos do Governo. A nossa oposição tem que ter uma agenda nacional e essa agenda nacional tem que ser coincidente em alguns aspectos importantes. Embora sejam adversário políticos, em termos de governação, precisam de ter pontos de convergência para resolver os grandes problemas do país.

Amós Fernando | Deutsche Welle 

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