terça-feira, 22 de dezembro de 2020

Passos e Cavaco não têm culpas na TAP?

Pedro Tadeu | TSF | opinião

Pedro Passos Coelho interveio numa sessão de homenagem a Alfredo da Silva, o dinâmico e irreverente industrial da CUF que, em 1929, ficou a dever ao então ministro das Finanças, António de Oliveira Salazar, a salvação da falência.

Salazar, para preservar a Casa Totta, mandou a Caixa conceder um empréstimo a Alfredo da Silva que o Banco Espírito Santo recusara e, a partir daí, o industrial recuperou de uma crise gravíssima.

É completamente contraditório ver um defensor da quase total ausência do Estado no mundo dos negócios, como Passos Coelho diz que é, ser a voz da homenagem a um dos empresários simbólicos do fascismo português - gente que negociava com o Estado Novo favores, expansão, proteção e estratégias comerciais, em troca de dependência política.

Alfredo da Silva, por exemplo, a pedido de Salazar, foi obrigado a ajudar, com navios e dinheiro, as tropas do general Franco, durante a Guerra Civil de Espanha.

É verdade que foi o segundo governo de Passos Coelho a privatizar a TAP, um governo que durou apenas 27 dias, 16 dos quais em gestão, e que assinou a venda da companhia aérea dois dias depois do Parlamento chumbar o Programa de Governo.

Mas voltemos ao presente: também Aníbal Cavaco Silva reapareceu para dar uma entrevista ao jornal Observador. Quer Passos quer Cavaco aproveitaram para falar sobre a TAP.

CTT despediram 950 trabalhadores em três anos

Não foram 800, foram 950 os trabalhadores que saíram dos CTT nos últimos três anos, denuncia o Sindicato Nacional dos Trabalhadores dos Correios e Telecomunicações (SNTCT).

empresa aprovou em 2017 um plano de transformação operacional, um plano que continua válido mas para os sindicalistas a administração dos CTT já foi além do que estava programado

O secretário-geral do SNTCT, Vítor Narciso, pegou nos últimos relatórios de gestão dos CTT e cruzou com a informação dada ao sindicato pela administração da empresa, para concluir que houve mais 150 trabalhadores dispensados do que o previsto.

"Se nós formos ver até outubro que é quando nós temos os resultados das aposentações e com os números que a empresa nos deu estamos a falar de 950 trabalhadores, ou seja são 800 mais 150 que a empresa atingiu na fase de rescisões de contrato", sublinha Vítor Narciso.

Há três anos os CTT justificavam os cortes de pessoal com o facto da quebra do tráfego de correio em cerca de 50% desde 2001.

Mas hoje, o secretário-geral do sindicato aponta falhas graves devido à escassez de mão-de-obra porque "o número de trabalhadores neste momento não é suficiente para fazer o serviço porque se fosse suficiente o serviço não andava atrasado, se fosse suficiente as encomendas expresso não andavam a passear de um lado para o outro para lhes serem mudadas as datas de entrada no correio".

Um conto de Natal de José Saramago

História de um muro branco e de uma neve preta

Não haveria nada mais fácil no mundo das histórias que escrever um conto de Natal com Menino Jesus ou sem ele, se não fosse dar-se o caso de que uma criança que nasce está sempre nascendo. O nosso grande erro, esquecidos como em geral andamos das infâncias que vivemos, foi pensar que as crianças nascem uma única vez e que depois de nascidas se limitam a ficar à espera de que o tempo passe e as transforme em adultos, os quais, como deveríamos saber, constituem uma espécie diferente de seres humanos. A criança começa por nascer uma vez, que é a de vir ao mundo, e depois continua a nascer para compreendê-lo: não tem outro remédio nem há outra maneira. Como se verá pelas duas breves histórias que se seguem, ambas autênticas, ambas verdadeiras.

A terra, àquela hora, cobria-se de uma noite tão escura que parecia impossível que dela pudesse nascer o Sol. Não tem chovido, as tempestades andam por longe, o rio descansa da sua primeira cheia de Inverno, os charcos são de mercúrio. O ar está frio, parado, e estala quando respiramos, como se nele se suspendesse uma ténue rede de cristais de gelo. Há uma casa e luz lá dentro. E gente: a Família. Na lareira ardem grossos troncos de lenha de donde se desprendem, lentas, as brasas. Quando à fogueira se lhes juntam gravetos, ramos secos, um punhado de palha, a labareda cresce, divide-se em trémulas línguas, sobe pela chaminé encarvoada de fuligem, ilumina os rostos da família e logo volta a quebrar-se. Ouve-se o ferver das panelas, o frigir do azeite onde bóiam as formas redondas das filhós, entre o fumo espesso e gorduroso que vai entranhar-se nas traves baixas do telhado e nas roupas húmidas. São talvez nove horas, a modesta mesa está posta, o momento é de paz e de conciliação, e a Família anda pela casa, confusamente ocupada em pequenos trabalhos, como um formigueiro.

Não tarda que saiam todos para o quintal. Vai ser lançado ao ar o foguete de três respostas, esse que, cumprindo a tradição, anunciará aos vizinhos que naquela casa já a última filhó saiu do tacho, a escorrer, e foi cair no alguidar profundo onde aguardará o retoque final da canela e da calda de açúcar. Entre portas, a Criança vê a Família a sorrir fazendo e desfazendo grupos em torno do avô, que sopra um tição trazido da lareira e o aproxima do cartucho de pólvora amarrado ao caniço. Tinha pedido que o deixassem ajudar, mas responderam-lhe como das outras vezes: “Ainda és muito pequeno, para o ano que vem”. A Família tem razão: é preciso ter cuidado com as crianças.

A pólvora inflama-se bruscamente, lança um jacto de fagulhas vivíssimas, silva como uma serpente, e logo é um dragão rugindo que sobe para o ar gelado, corta-o como uma espada de fogo, e lá muito no alto, quase tocando as primeiras estrelas, estala, estraleja, cobrindo os ecos de outro foguete distante. O caniço desce com uma luz mortiça que desmaia, e vai cair longe, nos olivais que rodeiam a casa, sobre as ervas cobertas de geada. Com este tempo não há perigo de que pegue fogo às árvores. De súbito, a Família diz que está frio e volta para casa, levando entre os braços, entre os anéis, entre os tentáculos, a Criança a quem não deixaram ajudar a lançar o foguete. Tinham deixado a porta aberta, o interior da cozinha arrefecera. A Avó acode a espalhar na fogueira uma mão-cheia de aparas, desgalha um ramo seco de oliveira, parte-o com as mãos calejadas, mas é com suavidade que depois chega os troços à chama, como se estivesse a alimentá-la. O lume hesita, escolhe o lado mais acessível da lenha, e depois, indiferente, alheado, a pensar noutra coisa, recomeça o seu eterno ofício de fabricante de cinzas.

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