A investigadora Clara Carvalho defendeu hoje que a democracia está em perigo na Guiné-Bissau devido às perseguições a opositores políticos, detenções arbitrárias e abusos de direitos humanos, que marcaram o primeiro ano de mandato do Presidente guineense.
"É muito claro que isto põe em perigo a democracia na Guiné-Bissau. Há claramente uma perseguição aos seus opositores e isso é extremamente negativo, é este ambiente de perseguição que se vive em Bissau e há muitos exemplos de repressão", disse à Lusa a investigadora do ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa, num balanço do primeiro ano de mandato de Umaro Sissoco Embaló como Presidente, em 27 de fevereiro.
Segundo Clara Carvalho, "há repressão policial, espancamentos, ameaças, as pessoas sentem receio" e estas acusações são feitas internamente pela sociedade civil, mas constam também de um relatório das Nações Unidas.
A coordenadora de desenvolvimento e de desafios societais do Centro de Estudos Internacionais do ISCTE deu ainda como exemplo do clima de medo o facto de o candidato derrotado nas eleições presidenciais, Domingos Simões Pereira, estar em Portugal desde o anúncio dos resultados e de o ex-primeiro-ministro Aristides Gomes, afastado do cargo por Sissoco Embaló, ter "pedido asilo na ONU em Bissau".
De acordo com a investigadora, este ano "foi crucial" para Embaló "porque foi o ano da sua afirmação e legitimação sobretudo por ser um Presidente com uma eleição contestada, com uma tomada de posse simbólica e atípica num hotel", mas que "acabou por conseguir o reconhecimento internacional, sobretudo para evitar uma desestabilização na região" da África Ocidental.
Outro ponto positivo, disse, foram os avanços e contactos que estabeleceu na região, conseguindo o apoio de Estados vizinhos, nomeadamente do Senegal e da Gâmbia, e tem capitalizado outros apoios, sobretudo junto da comunidade islâmica.
Exemplo disso é a aproximação com a Turquia, que, segundo Clara Carvalho "é positiva para a Guiné-Bissau, tendo em conta o imenso investimento que a Turquia tem feito em África" e a aproximação à Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP).
"A Turquia é responsável, por exemplo, pelo abastecimento de energia à capital, Bissau", disse.
Sobre a relação com o Senegal, nomeadamente na questão da exploração dos hidrocarbonetos, a investigadora considerou que "a Guiné-Bissau não tem poder para se opor" ao país vizinho.
"A Guiné-Bissau só tem a ganhar com a proximidade do Senegal porque é um parceiro mais frágil, em termos militares e económicos nunca terá o peso do Senegal em negociações como a dos hidrocarbonetos", disse.
Assim, referiu que Sissoco Embaló tem capitalizado o apoio do país vizinho de forma constante, "nomeadamente com o apoio militar relevante ao Senegal na questão de Casamança, um apoio que é muito contestado".
Os independentistas do Movimento das Forças Democráticas de Casamança (MFDC) desta região do sul do Senegal acusaram o Presidente guineense de apoiar a incursão de militares senegaleses a partir de território guineense.
Acerca das relações com Portugal, a investigadora defende que o Presidente guineense "deixou claro" que "será sempre estratégico para a Guiné-Bissau e uma porta de entrada na União Europeia (UE)" ao ter escolhido este país para efetuar uma das suas primeiras visitas de Estado.
Questionada sobre o risco de um novo golpe de Estado na Guiné-Bissau, Clara Carvalho defendeu que "é difícil" porque o Presidente "tem manejado muito bem as Forças Armadas e é ele próprio um militar".
"E depois tem havido esforços da comunidade internacional, sobretudo da ONU, junto das Forças Armadas para que não intervenham na política e, sobretudo os líderes militares, estão sensibilizados nesse sentido", disse.
Sissoco Embaló referiu-se recentemente a uma tentativa de golpe de Estado, mas para a investigadora "esta teoria servia o seu discurso de que havia instabilidade e que era necessário dissolver o parlamento e isto seria mais uma tentativa de diminuir o papel do PAIGC [Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde]" na Assembleia Nacional, onde tem a maioria.
Sobre a forma como Embaló tem exercido o poder, considerou que a ambiguidade do texto da Constituição "é favorável aos presidentes que exercem o presidencialismo num regime que é semipresidencialista".
"Sissoco Embaló quer controlar sozinho as principais decisões no país, mas é um diplomata e não o faz de forma hostil, privilegiando a distribuição de favores para o conseguir", concluiu.
RTP | Lusa (26.02.2021)
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