O empresário luso-angolano Carlos São Vicente está acusado de vários crimes, entre os quais fraude fiscal continuada durante cinco anos, com valores superiores a mil milhões de euros, segundo o despacho de acusação.
Segundo o despacho do Ministério Público angolano, além do crime de fraude fiscal, o empresário é ainda acusado de peculato e de crime de branqueamento de capitais de forma continuada. De acordo com a acusação, o empresário, que durante quase duas décadas teve o monopólio dos seguros e resseguros da petrolífera estatal angolana Sonangol, terá montado um esquema triangular, com empresas em Angola, Londres e Bermudas, que gerou perdas para o tesouro angolano, em termos fiscais, num montante acima dos 1,2 mil milhões de dólares (mais de mil milhões de euros) .
Com este esquema, segundo o mesmo documento, Carlos São Vicente terá também conseguido não partilhar lucros do negócio dos seguros e resseguros com outras cosseguradoras, como a seguradora pública ENSA, prejudicando, deste modo, estas empresas, bem como a própria Sonangol. Uma acusação que, segundo fontes ligadas à defesa do empresário "tem uma fundamentação quase inexistente", por não haver factos que o provem a fraude fiscal.
Já para a acusação, Carlos São Vicente criou a partir de determinada altura uma "espécie de negócio consigo próprio, dentro do grupo AAA [de que era proprietário], causando o desvio de fundos públicos".
Com este esquema, quando um
segurado o contactava, através da AAA Seguros, em Angola, o empresário faria
contratualização com empresas do grupo fora do país, fugindo aos impostos
Desta forma, a Acusação considera também que o empresário prejudicou a estratégia da Sonangol para fomentar o empresariado nacional, "causando consequentemente graves prejuízos para o tesouro angolano".
Acusação aponta Manuel Vicente como parceiro
O antigo vice-presidente de Angola e ex-presidente da Sonangol, Manuel Vicente, é apontado, no despacho de acusação, como o parceiro com quem o arguido terá montado "um plano de apropriação ilícita de rendimentos e lucros".
A justiça angolana considera que o antigo número dois do Presidente José Eduardo dos Santos cedeu, quando era presidente da administração da Sonangol, a participação da petrolífera estatal na seguradora AAA Seguros ao arguido, de modo gratuito e sem conhecimento dos restantes administradores. Transferência que permitiu a Carlos São Vicente a criação um império empresarial.
Entre 2000 e até novembro de 2005, Carlos São Vicente, que já era quadro da petrolífera estatal Sonangol desde 1983, desempenhou a função de diretor de gestão de riscos, área que tratava dos seguros dos trabalhadores e de toda a atividade petrolífera. Manuel Vicente foi presidente do conselho de administração (PCA) da Sonangol entre 1999 e janeiro de 2012, ainda antes de ser vice-presidente da República.
Neste período, em que se cruzaram nos dois cargos, de acordo com o despacho de acusação, a que a Lusa teve acesso, e com base na Lei das Atividades Petrolíferas, o Estado angolano desenvolveu uma estratégia de gestão de riscos das operações petrolíferas.
Defesa invoca nulidade da notificação de acusação
Carlos São Vicente já foi notificado do despacho de acusação no passado dia 17, mas os advogados de defesa consideram o documento ferido de irregularidades processuais, pelo que já requereram a nulidade do ato.
Os advogados apresentaram, na última quarta-feira, um requerimento ao juiz do Tribunal de Luanda a invocar a nulidade da notificação da acusação, por não cumprir "as formalidades previstas na Lei".
No requerimento, a defesa de Carlos São Vicente, detido preventivamente na prisão de Viana, em Luanda, desde 20 de setembro de 2020, invoca também a "nulidade da remessa dos autos e da prolação do despacho de saneamento," datado de 20 março último.
"Quer o ato de remessa imediata dos autos ao tribunal competente para o julgamento (...) quer a prolação do despacho de saneamento e a notificação para afeitos de apresentação de contestação (...), todos praticados em momento anterior ao terminus do prazo, estabelecido na Lei, para que o arguido requeira a abertura de instrução, estão eivados de nulidade insanável", afirmam os advogados, no documento.
Para os defensores do empresário, verificou-se uma falta na notificação para o exercício do direito de requerer "a abertura de instrução contraditória" do processo, recordando que se tratam de "atos legalmente obrigatórios".
Os advogados consideram ainda que as nulidades invocadas assumem "tal gravidade que tornam absolutamente nulos tais atos", bem como outros consequentes. Por isso, a defesa pede a revogação do despacho e a devolução dos autos ao magistrado do Ministério Público da secção de crimes do Tribunal de Luanda.
As autoridades judiciais angolanas ordenaram a apreensão de bens e contas bancárias pertencente ao empresário Carlos São Vicente. A PGR pediu também o congelamento de contas bancárias e apreensão de bens de Irene Neto, filha do primeiro Presidente angolano, Agostinho Neto, e mulher do empresário.
Deutsche Welle | Lusa
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