Miguel Guedes* | Jornal de Notícias | opinião
O PSD tem boas razões internas para defender o adiamento das eleições autárquicas para os últimos meses do ano. Mas são só isso mesmo, boas razões internas. A extemporaneidade da apresentação autárquica social-democrata acendeu diversos fogos em múltiplas concelhias que estranharam o exercício autocrático de Rui Rio.
Fogos que nem a apresentação de outros nomes a conta-gotas foi conseguindo apagar. Nestas últimas semanas, assistimos a uma fúria antecipatória, "rush" de proactividade do PSD, ainda que da antecipação possa sair um adiamento. Depois de antecipar (parte) dos seus candidatos, Rio antecipa-se ao tempo e, num exercício adivinhatório sobre o estado de saúde pública do país daqui a 9 meses, propõe o adiamento das eleições Autárquicas. O PSD quer marcar a agenda política e faz bem. Mas não acerta com o seu tempo.
A virtude da proposta do PSD, extemporânea porque não parte de qualquer pressuposto que não de uma suposição (estranha, ainda assim, tendo em conta que o Inverno não costuma ser bom conselheiro das doenças respiratórias), tem a enorme virtude de colocar em cima da mesa a necessidade de um plano B que tenha em conta uma eventual recalendarização eleitoral. Isto, para não chegarmos à véspera das eleições autárquicas com a mesmíssima sensação que se apoderou dos temerosos nas últimas presidenciais: devia ter sido trabalhado um plano de adiamento. Se o PSD navegava sozinho na maré dos meses, eis que surge a companhia inesperada do ministro Eduardo Cabrita, defendendo algo que a exegese política ainda não conseguiu determinar. Eduardo Cabrita, de uma ou de outra forma, prontamente desautorizado por António Costa no Conselho Nacional do PS e a colecionar polémicas recorde num par de meses, parece ser um homem fora do lugar. Também aqui, uma mera questão de tempo.
Qualquer proposta eivada de suposições é irresponsável, mas qualquer suposição que faça parte de um plano é bem-vinda. As autárquicas são o pior dos actos eleitorais para experimentalismos. Mas as actuais regras não se ajustam ao contexto pandémico, não promovem a inclusão nem combatem a abstenção. A manutenção do dia de reflexão é um soneto de romantismo desfeito em sílabas impronunciáveis pela voragem do tempo e das redes sociais. Ninguém quer saber dum sábado de reflexão que poderia dar lugar a um dia suplementar de sufrágio que, assim como a multiplicação/desdobramento dos locais de voto, pudesse acomodar as necessidades específicas de distanciamento e precaução em contexto pandémico. Depois, o futuro, que também implicará alterações legislativas e/ou constitucionais. O alargamento do voto por correspondência e a aposta no voto electrónico presencial (apesar da experiência das eleições europeias em Évora ter deixado muito a desejar). Decisões políticas que, sendo tomadas hoje, estruturarão futuras eleições para maiores patamares de participação. Não criará uma "burguesia do televoto" e pode ser que se contem mais alguns.
O autor escreve segundo a antiga ortografia
*Músico e jurista
Imagem: em Expresso
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