quinta-feira, 8 de abril de 2021

Vacinas. AstraZeneca? Vaxzevria? Sim, não, talvez, antes pelo contrário...

Paulo Lopes Machado* | Diário de Notícias | opinião

Já lá vão 30 anos quando iniciei a minha actividade profissional na Parke Davis, empresa farmacêutica que mais tarde foi comprada pela Pfizer. Durante os anos em que lá trabalhei tive oportunidade de conhecer o centro de pesquisa e desenvolvimento nos EUA e de apreender o processo de aprovação da responsabilidade da FDA (Food and Drug Administration).

Gostaria de pedir ao leitor que retivesse duas importantes palavras TEMPO e PROCESSO e, dentro desta, a credibilidade.

Tudo isto vem a propósito daquilo que parece ter-se tornado num "campeonato mundial da vacinação" contra a covid e que se iniciou no final do ano de 2020.

Talvez, pela primeira vez na história farmacêutica, estejamos perante um cenário conflituante entre "rapidez", "pressão" e "desespero" com que os governos querem mostrar que estão a "resolver" o problema da pandemia e o "tempo" e o "processo" dos quais não se pode abdicar no desenvolvimento, na aprovação e na produção de qualquer produto farmacêutico.

O que aconteceu com a suspensão da vacina da AstraZeneca mostra bem o risco dessa abordagem. Num curtíssimo espaço de tempo passou-se da certeza quase absoluta para a dúvida quase absoluta.

Os governos que pressionavam para se vacinar rapidamente, e em força, foram os mesmos que suspenderam a vacinação e que depois decidiram "suspender a suspensão", sem que tenham explicado o que de facto aconteceu.

Porque será que a Europa "persiste" na fuga para a frente?

Vejamos os factos:

29 de Janeiro 2021. A EMA recomendou a concessão de uma autorização de comercialização condicional para a vacina covid-19 AstraZeneca.

15 de Março 2021. "Portugal e grande parte da Europa suspendem a aplicação da vacina AstraZeneca.

18 de Março 2021. A EMA emitiu um comunicado onde se pode ler que "os benefícios da vacina no combate à ameaça ainda generalizada de covid-19 (que por si só resulta em problemas de coagulação e pode ser fatal) continuam a superar o risco de efeitos colaterais".

Estão lembrados que no início deste artigo falei sobre o TEMPO da indústria farmacêutica. Pois bem, 48 dias não chegam sequer a ser segundos nessa escala.

Estamos a entrar no mês de Abril e a FDA (Estados Unidos) ainda não aprovou a vacina da AstraZeneca. Ao contrário, a Europa em 48 dias "aprovou", "suspendeu" e "reaprovou". Tudo de forma condicional?!

No dia 7 de Março de 2021, vieram a publico notícias que o lote (ABV 5300) da vacina AstraZeneca, que estava a ser usado no distrito de Zwettl (Áustria), alegadamente, poderia estar na origem da morte de uma mulher (49 anos) que morreu em resultado de distúrbios graves de coagulação.

Em consequência, a Áustria suspendeu a aplicação da vacina. E outros países seguiram os mesmos passos. Rapidamente vieram a público notícias de que não tinham vindo para Portugal vacinas desse lote.

1. Os portugueses tiveram sorte?

2. E os austríacos, tiveram azar?

3. As restantes doses desse lote foram destruídas?

4. Quantas doses tinha esse lote?

5. Onde foi produzido esse lote?

6. E o que é que se passa com os outros lotes?

7. O que é que foi feito para corrigir os problemas identificados nesse lote?

A pesquisa, o desenvolvimento, a aprovação e a produção de produtos farmacêuticos nada têm que ver com sorte e/ou azar. Isto se for respeitado escrupulosamente o PROCESSO e só assim se ganha ou se perde a credibilidade.

Daquilo que vi e aprendi na minha experiência nos Estados Unidos, em circunstância alguma se pode cair na tentação de aprovar, suspender e reaprovar um produto farmacêutico sobre o qual alegadamente possam existir dúvidas da sua qualidade e eficácia. Não se pode permitir a quebra de confiança e, depois, fazer de conta que nada aconteceu.

Enquanto não se tiverem respostas objectivas, não se podem tomar decisões com base em afirmações que "o bem que possa fazer é superior ao mal que possa fazer".

A afirmaçao de que todos os medicamentos têm contraindicações é usada de forma enganadora quando se trata de uma vacina.

As vacinas são uma medida de prevenção contra a covid e estão a ser aplicadas à generalidade da população com o objectivo de se tentar alcançar a imunidade, que ainda se desconhece se será alcançada ou não.

Os medicamentos são destinados a tratar doenças específicas mediante prescrição médica. A diferença é abismal, não é honesto comparar o que não é comparável só para justificar o desconhecimento ou a falta de soluções. A ignorância não pode ser desculpa para tudo a não ser para se confirmar a própria ignorância.

Não se pode nunca esquecer de que o bem maior é a saúde pública, a qual não deve ser gerida por interesses políticos mediáticos. Relembro agora mais do que nunca o que me disseram há 30 anos, quando me explicavam os objetivos da FDA: "Uma entidade reguladora como a FDA tem como objectivo garantir a segurança, a qualidade e a eficácia de qualquer produto farmacêutico que é sujeito à sua aprovação."

E não me recordo de algum dia a FDA ter aprovado, suspenso e reaprovado um produto farmacêutico em 48 dias. Se alegadamente os objetivos de todos os governos são salvar vidas e atingir a imunidade, então porque é que a FDA ainda não aprovou a vacina em causa, ao contrário do que aconteceu com as entidades reguladoras europeias?

A administração de Biden está a planear enviar os stocks da vacina que já tinham sido adquiridos para o Canadá e para o México, onde já se encontram em uso. Porque será?

Finalmente, a provação pela EMA do novo nome da vacina, Vaxzevria, com a explicação de que tudo já estava previsto há meses, é, a meu ver, a machadada final na credibilidade de todo este processo.

Só mesmo quem desconhece ou deliberadamente quer ignorar o que implica a mudança de uma marca pode aceitar esta explicação de ânimo leve. Ora, a EMA sabe, e não pode ignorar, assim se espera, como é que tudo isto funciona.

Convido os leitores a reflectir sobre o texto abaixo, excerto de um artigo escrito por Amy Davidson Sorkin (a tradução é da minha responsabilidade):

"Talvez as questões mais importantes da AstraZeneca sejam também as questões centrais da pandemia: como podemos equilibrar benefícios e riscos, de uma forma que permita que todos saiam juntos do miasma [sujidade espiritual, ética e mental] pandémico? Transparência e boas informações são cruciais. Há uma diferença entre gerir riscos e negar a existência de riscos. E como é que a confiança nas medidas de saúde pública, incluindo programas de vacinação, é construída e mantida? Uma forma para começar é com os ensaios clínicos que devem ser cuidadosamente planeados e conduzidos, mesmo que levem mais tempo, e os resultados devem ser comunicados com precisão. Será que a AstraZeneca consegue fazer isso?"

Para terminar, a Europa parece não querer aprender com os melhores países, como Taiwan, para os quais a vacinação não se transformou numa corrida desenfreada porque em devido tempo tomaram as medidas de prevenção necessárias para combater a pandemia.

Porque será que a Europa "persiste" na fuga para a frente?

*Especialista em gestão de risco. Escreve de acordo com a antiga ortografia

Sem comentários:

Mais lidas da semana