Jornal de Angola* | opinião
Eu tinha prometido a mim mesmo não voltar a falar na Covid-19 por uns tempos. Mas a posição da Europa “oficial” diante da maka da suspensão das patentes das vacinas contra o novo coronavírus não me permite esquecer esse assunto facilmente. Se alguém ainda tem esperanças de que a humanidade sairia melhor, moralmente, da atual pandemia, é melhor desenganar-se de uma vez por todas.
Faltam-me adjectivos
(publicáveis) para qualificar a posição dos líderes europeus que se recusam a
apoiar a pretensão dos países pobres (por uma vez, esqueçamos os eufemismos) de
levantamento temporário das patentes das vacinas anti-covid, para permitir a
sua produção e a sua distribuição a custos menores pelas regiões que continuam
escandalosamente discriminadas no actual processo de vacinação global, em
especial a África.
Como se sabe, tal pretensão, manifestada por centenas de países, é apoiada pelo
presidente da maior potência mundial, Joe Biden, e pelo Papa Francisco, duas
lideranças que não são, digamos assim, negligenciáveis. Mas os mesmos líderes
europeus que, servis – e apenas para dar esse exemplo -, apoiaram a invasão do
Iraque decidida pelos EUA com base numa comprovada mentira, agora rebelam-se
"corajosamente” contra a correcta posição norte-americana de subscrever a
proposta de levantamento das patentes em questão.
Comentarei aqui, brevemente, apenas dois deles.
O primeiro é que apenas a iniciativa privada é capaz de fomentar a inovação.
Falácia. A história das invenções e do desenvolvimento tecnológico está cheia
de descobertas e inovações realizadas pelos próprios estados
("inspiradas”, por exemplo, em razões militares), sem esquecer que grande
parte da pesquisa privada é financiada pelos governos. Por falar nas vacinas
anti - covid, lembro que menos de 3% (leram bem: menos de 3%) da pesquisa da
AstraZeneca foi feita com fundos privados.
O segundo argumento é patético: a suspensão das patentes não resolve o problema
da produção e da distribuição de vacinas. Como assim? O que os países pobres
reclamam é precisamente ter acesso livre às patentes para poderem produzir as
vacinas de maneira massiva e distribui-las a um preço mais reduzido. No caso de
Angola, por exemplo, seria muito mais barato adquirir vacinas produzidas na
África do Sul do que na Índia, China, Alemanha, Rússia ou Estados Unidos.
O continente africano conseguiu vacinar até agora apenas 2% da sua população. O
que dizer, portanto, quando o presidente francês, Emanuel Macron, jura, com o
ar mais seráfico possível, que a suspensão das patentes não resolve esse problema
e que os africanos poderão (talvez fosse mais honesto dizer "terão de”)
continuar a contar com a "Europa solidária”, seja lá o que isso for?Quanto
à declaração da presidente da Comissão Europeia, a alemã Ursula von der Leyen,
de que tem problemas "mais importantes” com que se preocupar do que o tema
das patentes, a mesma fala por si. É caso para dizer: T. C. (tomámos
conhecimento). Para não usar outra abreviatura, mais contundente e adequada.
"Jornalista e escritor
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