Paula Santos | Expresso | opinião
Todas as crianças têm direito a crescer e a serem felizes, têm direito ao desenvolvimento integral, têm direito de aprender e de brincar, têm direito de ser crianças. Aos pais têm de ser asseguradas condições de vida e de trabalho dignas que lhes permita acompanhar o crescimento dos seus filhos.
No entanto, não é esta a realidade no nosso país. A organização da sociedade em que vivemos não é amiga das famílias, nem das crianças. Vivemos tempos, em que não há tempo. Estamos sempre a correr de um lado para o outro, sem tempo por vezes para desfrutar de pequenos momentos de felicidade, mas que fazem toda a diferença nas nossas vidas.
Ritmos de vida acelerados, longos períodos em deslocações entre casa e o local de trabalho, realização de tarefas domésticas após o horário de trabalho, é o dia-a-dia da esmagadora maioria das famílias. Chega ao fim do dia e as famílias não têm tempo para si. Os baixos salários, a precariedade dos vínculos laborais, a desregulação dos horários de trabalho, os elevados ritmos de trabalho, impossibilitam os pais acompanharem adequadamente os seus filhos.
E a epidemia só veio agravar tudo isto, o desemprego, o aumento da exploração e da precariedade, o aumento da pobreza. O isolamento, a suspensão das atividades letivas (entretanto já retomadas), a par da suspensão das culturais e desportivas extracurriculares, o exacerbamento do medo teve impactos muito negativos nas crianças. Muitas crianças deixaram de conviver e de brincar com outras crianças, muitas crianças deixaram de brincar nas ruas, muitas crianças passaram a ter medo de ir à rua.
O tempo e o espaço de brincar é essencial para o crescimento e o desenvolvimento das crianças. Brincar é descobrir e é aprender. Brincar é permitir que as crianças sejam elas próprias. Por vezes, o dia das crianças é de tal forma preenchido (a escola, as atividades de enriquecimento curricular, as atividades dos espaços de tempos livres) que quase não há tempo para brincar de forma livre.
Garantir o direito das crianças, passa por garantir os direitos dos pais, nomeadamente o direito a um salário digno, um vínculo permanente, condições de trabalho e horários regulados. A pobreza das crianças é a pobreza das famílias, portanto não se resolve a pobreza das crianças sem se resolver a pobreza das respetivas famílias e a valorização dos salários é a solução para o combate à pobreza. A precariedade no trabalho é a precariedade da vida, por isso assegurar um vínculo permanente e garantir estabilidade no trabalho é fundamental para pôr fim à incerteza do dia seguinte e para assegurar a estabilidade da vida das famílias. Por último, o horário de trabalho estável, sem abuso do trabalho noturno, por turnos e aos fins-de-semana é essencial para assegurar uma verdadeira articulação entre a vida pessoal e profissional.
São soluções que exigem a rutura com as opções políticas de PS, PSD e CDS, por uma política alternativa, patriótica e de esquerda que garanta as condições económicas, laborais e sociais que permitam às famílias o cumprimento do seu papel, mas igualmente um forte investimento nas funções sociais do Estado, nomeadamente na saúde, na educação, na proteção social, na cultura.
Agora que se coloca a necessidade de recuperar as aprendizagens das crianças e jovens, a prioridade deve passar por dar condições e a autonomia às escolas, com os meios necessários, para adotarem as estratégias mais adequadas em função das necessidades concretas de cada turma, de cada aluno, sem aumentar a carga horária, deixando às crianças tempo livre para a brincadeira.
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