Mariana Mortágua* | Jornal de Notícias | opinião
Em Portugal, mais de um em cada dez trabalhadores está em situação de pobreza. Mais de dois em cada dez trabalhadores por conta de outrem recebem apenas o salário mínimo nacional. E somos dos países da Europa com mais trabalho precário, que agora ganhou novas formas, com a proliferação de plataformas que quebram as relações laborais e tratam trabalhadores mal pagos como se de empresários se tratassem.
Entre 2015 e 2019, o Bloco apoiou um Governo que cumpriu o acordo que fizemos: travar o empobrecimento e recuperar os rendimentos cortados pela troika. Eliminou-se cortes salariais, aumentou-se as pensões e os apoios sociais, reviu-se, ainda que modestamente, os escalões do IRS. Mas não se tocou na lei laboral, que é uma das principais razões dos baixos salários de que o país está refém.
O desmantelamento dos mecanismos de proteção coletiva dos trabalhadores, combinado com a facilitação do despedimento e com a proliferação de contratos temporários, funcionam como uma tenaz sobre os rendimentos do trabalho. Não é por acaso que a troika e a direita os impuseram como parte de um plano de empobrecimento generalizado. Sim, porque não esquecemos que havia quem, como Passos Coelho e Paulo Portas, acreditasse que só empobrecendo o povo se recuperaria a economia. O resultado foi mais pobres e menos economia.
A eliminação da terrível marca da troika também da lei laboral é, por estas razões, uma das prioridades que o Bloco elegeu para a legislatura. E embora o PS tivesse criticado, na oposição, muitas destas medidas, em 2019 rejeitou qualquer alteração ao Código de Trabalho. Essa foi, aliás, a sua principal justificação para a recusa de celebrar com o Bloco um acordo escrito para estes quatro anos. Recusa que manteve em 2020 e que impediu um acordo sobre o Orçamento do Estado.
Como pode um partido que se intitula de esquerda formar um Governo que diz querer governar à esquerda, liderado por um primeiro-ministro que afirma querer entendimentos com os partidos à sua esquerda, não aceitar tocar na lei laboral que a direita deixou? Ainda mais sendo o trabalho uma área central na intervenção para qualquer partido de esquerda? E como pode depois acusar o Bloco de má vontade por não aceitar um acordo que exclua a lei laboral? A incoerência é óbvia. E para tentar lidar com ela, o PS pode escolher um de dois caminhos. O primeiro é alterar a lei da troika e criar um regime verdadeiro de proteção laboral dos trabalhadores das plataformas. O segundo, muito mais frágil, é formular um discurso redondo sobre intenções vagas, enredar a opinião pública num debate sobre uma proposta que parece fazer o que não faz e, no fim, acusar o Bloco de má vontade.
"O PS deve assumir a revisão da legislação laboral". Todos os jornais noticiaram a frase de António Costa na sua moção ao congresso do PS como se fosse novidade. O resto da moção, no entanto, já conhecíamos. Nem compromissos sobre o reconhecimento do vínculo dos trabalhadores das plataformas, nem limitações ao trabalho temporário e muito menos a eliminação das normas da troika da lei laboral. Esperamos para ver a que caminho conduzirá a vontade do PS.
*Deputada do BE
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