# Publicado em português do Brasil
Geraldina Colotti | Carta Maior
Como parte da segunda onda
progressista deste século na América Latina, o Peru governado pelo professor
rural Pedro Castillo, que assumiu a presidência no bicentenário da
independência do país, promete desempenhar seu papel. A longa e complicada
espera pela ratificação do resultado eleitoral e a agressividade das forças
conservadoras que apoiam o fujimorismo demonstram, entretanto, que seu projeto
não terá vida fácil.
A oligarquia e os grandes interesses multinacionais, refletidos nas elites
urbanas, formaram uma aliança em torno do partido Fuerza Popular, um baluarte
da direita radical sul-americana, representado por Keiko Fujimori, filha do
ex-ditador peruano, que obteve 49,87% dos votos no segundo turno das eleições
presidenciais.
O professor do ensino básico Pedro Castillo, sindicalista, à frente do partido
Peru Libre, que tem sua principal base eleitoral nas zonas rurais, habitadas no
geral por camponeses pobres, mestiços e indígenas, obteve 50,2% das
preferências. No Congresso, eleito para os próximos cinco anos, seu partido tem
apenas 37 das 130 cadeiras, além das cinco de Veronika Mendoza, no Juntos por
el Peru.
Portanto, ele não conta com uma maioria que permita implementar com facilidade
seu programa de governo, resumido na promessa «nunca mais pobres em um país
rico», e a de uma Assembleia Nacional Constituinte que possa enterrar a
Constituição fujimorista de 1993, redigindo uma Carta Magna “que tenha a cor, o
cheiro e o sabor do povo”.
Depois de trinta anos de ultraliberalismo, no Peru 19% dos jovens entre 15 e 24 anos não estudam nem trabalham, enquanto os lucros das multinacionais que exploram os recursos do terceiro maior produtor mundial de cobre, zinco e estanho e sexto de ouro, aumentaram dramaticamente. Num país dos mais afetados pela Covid-19 e que, segundo o próprio Fundo Monetário Internacional, teve um aumento de quase dois milhões de pobres, o povo respondeu com a luta e depois com o voto. E agora, ele não tem intenção de deixar que calem sua voz com a imposição de regras e instituições artificiais que fecham as portas à mudança.
A primeira queda-de-braço com a oligarquia ocorreu após as nomeações de Castillo, a começar pela do primeiro-ministro Guido Bellido. A direita protestou violentamente em frente à casa do presidente, mas populares correram para defendê-lo. E, enquanto isso, como no roteiro mais clássico da CIA, implementado desde o tempo de Allende até a Venezuela de hoje, chegou o aumento dos preços e o ataque da mídia ao novo governo: como se não fossem os comerciantes e os grandes grupos econômicos que fixam os preços e se beneficiam com grandes lucros...
O tema principal que agita o fujimorismo é a “luta contra o terrorismo”, já que alguns governantes são acusados de serem simpáticos a ex-guerrilheiros comunistas do Sendero Luminoso, cujos militantes estão presos há trinta anos. O principal líder do grupo, Abimael Guzmán, com quase 90 anos, está morrendo na prisão após 29 anos de isolamento e tortura e recentemente foi levado às pressas para um hospital.
Outro tema muito caro à direita é o medo do «comunismo», traduzido como o «castro-chavismo». Mas muitos deputados prestaram juramento no Congresso levantando o punho cerrado e declarando sua posição a favor da integração latino-americana e de uma segunda independência.
Perú Libre é um partido que se define como «marxista-leninista-mariateguista» e faz parte do Foro de São Paulo, com seus militantes e dirigentes tendo participado nos congressos mundiais organizados em Caracas nos últimos anos. Na política exterior, se considera «internacionalista e anti-imperialista», e apoia os processos revolucionários em Cuba, Venezuela, Nicarágua e Bolívia.
Por isso, suscitaram grandes esperanças as declarações do chanceler peruano, Héctor Béjar, sobre uma mudança de atitude a favor do multilateralismo, da não interferência nos assuntos internos de outros países e da retomada da Unasul. Béjar, um ex-guerrilheiro de 85 anos que conheceu Che Guevara, também agradeceu o discurso de rejeição da OEA de Almagro proferido pelo presidente do México, Andrés Manuel López Obrador, perante os chanceleres da Comunidade de Estados da América Latina e do Caribe (Celac), e condenou a política de "sanções".
Como havia antecipado o porta-voz do partido, Vladimir Cerrón, o Peru poderia sair do Grupo de Lima, como já o fizeram México, Bolívia e Argentina, três nações à esquerda. No entanto, a decisão ainda não é oficial, assim como as posições dentro da coalizão governamental em torno do objetivo principal para o qual foi fundado o Grupo de Lima: minar a legitimidade das instituições venezuelanas desde a eleição do presidente Nicolás Maduro. Dado o atual equilíbrio interno e o peso de quem pressiona por um "caminho social-democrata" na economia que seja acompanhado por uma postura moderada também na política externa, já seria um grande passo se o Peru seguisse o exemplo do México e da Argentina.
Enquanto isso, Castillo foi reconhecido como chefe das Forças Armadas também pelos altos comandantes militares, diante dos quais homenageou as mulheres e os homens que construíram a independência. “Convido-os a manter viva a mística que tem caracterizado as mulheres e os homens que construíram a história de nosso país para alcançar um Peru mais inclusivo e tolerante”, disse.
Por seu lado, o presidente do Conselho de Ministros, Guido Bellido, destacou que “há mais de 200 anos existe um Peru oficial e um não oficial, um Peru que tem tudo e outro que não tem nada. Um Peru esquecido e discriminado e outro que tinha autoridade total. Não somos contra ninguém, estamos aqui para apoiar os 33 milhões de peruanos, para que todos tenham melhores condições e oportunidades”.
Imagem: Pedro Castilho, recém eleito PR do Perú // Hola News
*Publicado originalmente em 'Resumen Latinoamericano' | Tradução de Carlos Alberto Pavam
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