domingo, 3 de outubro de 2021

Portugal | A Belize está no exterior

Cátia Domingues* | Diário de Notícias | opinião

Mais um caso de um blogger português num país paradisíaco. Estou a falar de João Oliveira Rendeiro, autor do "Arma Crítica" e um condenado a 19 anos por crimes de fraude fiscal, abuso de confiança e branqueamento de capitais.

No dia em que soube que tinha sido condenado pela terceira vez, o Pilantra Mais Doce fez um post, mesmo ao lado do anúncio do evento de lançamento do seu livro intitulado "A defesa da honra", onde revela "Não tenciono regressar. É uma opção difícil, tomada após profunda reflexão". Só faltou rematar com uns hashtags #ByeBitches #Fui #PilotoDoJactoPrivadoNoComando.

Todos nós imaginamos a reflexão do ex-banqueiro e presidente-executivo do Banco Privado Português. Vou para a Prisão da Carregueira e dormir numa cela ao lado do Naifas, trocar cartões telefónicos por cigarros e comer todos os dias pratos como "talvez seja carne" ou "nunca vi comida com tantos tons de cinzento" OU ir para uma praia das Caraíbas empanturrar-me em tacos al pastor enquanto passo o dia a apanhar conchas do mar com o meu novo amigo Nestor, um canadiano que anda pelo Mundo com uma mochila às costa depois de, em 1982, ter fumado aquela a mais e que nunca mais voltou ao que era. É o preferias mais difícil da história: preferias ver o sol aos quadradinhos ou ver o sol numa praia paradisíaca? Preferias tomar duche com centenas de homens no mesmo polibã ou que o único cock da tua vida fossem os de cocktails à discrição? São decisões difíceis para uma pessoa normal.

Dizem que a fuga foi preparada durante meses, e eu não tenho a certeza disto. Se fosse um remediado, eu acreditava. Ir à agência de viagens, perceber aquela papelada toda que temos de apresentar, escolher o aparthotel, o regime de all included ou meia pensão, queremos já reservar as atividades ou vemos lá as excursões? Agora, planear viajar com milhões de euros em offshores? Queremos lá saber se o pequeno-almoço incluído é o Continental ou é o Bom, na verdade é sempre Continental, não é?

A ministra da Justiça disse que esta fuga representa um grande desconforto para os portugueses e eu concordo. Ao vermos situações como esta, sentimos todos uma sensação desconfortável na zona do fundo das costas. Mas em defesa das nossas autoridades, realmente nada indicava que este sósia perfeito do Mr. Burns dos Simpsons se iria pôr ao fresco. Não é bonito ser-se desconfiado. Fica-vos mal, até. O ex-banqueiro só já tinha faltado a um julgamento para ir a Londres e por acaso também só tinha dado um pulo à Costa Rica no decorrer do processo. O condenado mais badalado do momento informou o tribunal que iria estar em Londres a partir de dia 12 a 30 de setembro, só não informou que não tencionava voltar a Portugal. Depois, como por acaso tem possibilidades, pegou num jato privado e abalou. Não fugiu, isso é o que fazem os pobres, Rendeiro fez uma saída à francesa.

Entretanto, já foi emitido o mandado de captura internacional. Ou seja, se João Rendeiro se fartar deste destino espetacular e quiser viajar para outro sítio espetacular: Zuca! Apanhado! Se Rendeiro quiser renovar os seus documentos de identificação: Tunga! Preso! Quer dizer, mas isso também nós, porque quando precisamos de renovar o cartão de cidadão também estamos ali tempos infinitos.

Numa entrevista à TVI, quando lhe perguntaram "Está preparado para cumprir a condenação?", Rendeiro respondeu "eu sou uma pessoa livre de espírito". E isto é muito bonito. Não como oportunidade para o encontrarmos mas uma oportunidade para ele se encontrar, que é muito importante e talvez o mais difícil desta vida.

No entanto, descansa-me saber que Rendeiro vai ter o destino que merece: Enquanto não regressar a Portugal, nunca mais vai comer um prato de bacalhau à Brás como deve de ser. E isto deve doer.

*Humorista

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