AbrilAbril | editorial
O que teriam os trabalhadores da Administração Pública, que andam há uma década a perder poder de compra, a dizer a Augusto Santos Silva sobre a «vantagem» da «estabilidade política»?
É mais um acto de chantagem, dos vários que têm vindo a terreiro desde a apresentação da proposta de Orçamento do Estado, na semana passada. Após argumentos como o de uma eventual crise, de eleições antecipadas e dos fundos europeus que poderiam não chegar, vem agora o ministro dos Negócios Estrangeiros aludir aos «trunfos» de Portugal no âmbito da União Europeia, que são, segundo Augusto Santos Silva, a «estabilidade política e institucional» e um «consenso a nível de disciplina orçamental».
Depois da imagem de «aluno bem comportado», nos famigerados tempos da troika, Santos Silva tenta submeter-nos à ideia de que a «estabilidade» nacional que passa para Bruxelas e para Frankfurt, onde está sedeado o Banco Central Europeu, importa mais do que aquilo com que os portugueses contam no dia-a-dia.
Augusto Santos Silva admite que se trata de uma «vantagem» para o seu trabalho enquanto ministro, acrescentando (como bom aluno) que essa «estabilidade» é «muito preservada» pelas «instituições europeias», que, recorde-se, já tinham apreciado a aplicação do pacto de agressão que, entre outros ataques a quem vive do seu salário, obrigou à redução de salários e de pensões, eliminou dias de férias e feriados e diminuiu indemnizações por despedimento.
A estabilidade governativa pode ser um «trunfo» para quem está no poder, mas de nada serve se dela não resultarem políticas que resolvam os problemas do País. Como confirmam os dados dos últimos censos, eles têm vindo a avolumar-se, mas a proposta de Orçamento do Estado para 2022 não lhes põe termo.
O que teriam os trabalhadores da Administração Pública, que andam há uma década a perder poder de compra, a dizer ao ministro sobre a «vantagem» da «estabilidade política»? Que estabilidade mensal garantem uns míseros 0,9% de «aumento»?
O que diriam os professores, que andam há anos a reivindicar medidas pelo rejuvenescimento da profissão e combate à precariedade, ou os médicos, que recentemente marcaram uma greve contra o crónico subfinanciamento do Serviço Nacional de Saúde (SNS)? Ou ainda os trabalhadores ameaçados de despedimento colectivo na banca e em sectores estratégicos nacionais, como é o caso da Saint-Gobain Sekurit?
De que «trunfos» se pode vangloriar um País que tem dos salários mais baixos da Europa, e que, em contrapartida, é dos que mais paga por serviços essenciais como a energia, as comunicações ou os serviços bancários?
Que estabilidade alcança um País que não tem políticas capazes de garantir uma justa distribuição da riqueza? Tal como foi delineada pelo Governo, a proposta de Orçamento para 2022 não contempla um alívio fiscal a quem receba até 1000 euros brutos mensais, que é onde se encontra a maioria dos contribuintes. Por outro lado, mantém a desigualdade entre a tributação dos rendimentos do trabalho e os de outras proveniências.
Augusto Santos Silva argumenta que a proposta de Orçamento «é muito boa», resta saber para quem.
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