sábado, 20 de novembro de 2021

Economia | “A missão não é somente promover Portugal na China”

A PorCham é resultado de “um processo de maturação de quase cinco anos”, explica Dário Silva, presidente do clube de negócios luso-chinês que inaugurou em Guangzhou no dia 11 de outubro, com 50 associados e um volume de negócios que totalizava, nessa altura, cerca de 2,5 mil milhões de euros. Hoje, aproximadamente um mês depois, já conta com mais 26 associados e cresce a uma velocidade vertiginosa. Aberto mais um capítulo em Xangai, com outras duas delegações em perspetiva até ao final do ano, a PorCham quer fazer tudo o que uma Câmara de Comércio faz e “mais o que eles não fazem”

Radicado na China há 14 anos, Dário Silva já tem “raízes bem implementadas” no país, como refere ao PLATAFORMA. A associação empresarial é o ponto de partida, pois o futuro visa a criação de uma Câmara de Comércio de Portugal na China, algo que nunca foi feito. No entanto, rapidamente se percebeu que o processo seria “bastante mais complexo do que se previa”, confessa. Sendo que não há precedente de criação de uma Câmara de Comércio, “a primeira tem de ser aprovada lá em cima, pelo Governo Central, e também pelo Estado português.”

“Num mercado como o chinês, tem sempre a ver com ultrapassar as burocracias inerentes ao processo”, explica o vice-presidente da PorCham, João Pedro Pereira. “Cada país tem a sua burocracia própria, os seus canais para reconhecer uma organização como esta, que pretende fomentar o desenvolvimento socioeconómico entre os dois países”, sumariza. O contexto bilateral exige que os dois estados a reconheçam, mas salienta que a PorCham “é uma organização de direito chinês.”

João Pedro Pereira: Fomos os primeiros europeus a chegar à China e há essa necessidade de retomarmos a relação multisecular.

“Não é nem vai ser uma organização de direito português, não tem qualquer ambição de ter escritório em Portugal. Há uma representação institucional em Portugal, que é feita por mim, mas não vamos fazer o recrutamento de associados em Portugal, pois entendemos que já existe uma Câmara de Comércio em funcionamento e não faria sentido. Queremos alargar a nossa presença na China para melhor favorecer a relação bilateral entre os países. Fomos os primeiros europeus a chegar à China e há essa necessidade de retomarmos a relação multisecular”, esclarece.

Para João, o contacto com a China é mais recente, com “cerca de ano e meio”, e começou pelo Consulado de Cantão. Pouco tempo depois, juntou-se a Dário na iniciativa. “Achei a ideia muito interessante. Temos o mesmo tipo de mindset”, assume.

Dado o processo moroso, decidiram dar os passos possíveis, e surge então o clube de negócios luso-chinês, “de forma a não perder as empresas interessadas em ser associadas”, continua.

Facilitar o acesso das empresas aos mercados

Os interesses das empresas associadas são variados. “Temos empresas interessadas em fazer investimentos em Portugal e trabalhamos essa vertente com fundos de investimento. Já temos um associado que tem um fundo de 350 milhões de euros em Portugal que está 60 por cento coberto. Quanto às empresas portuguesas,
muitas vezes têm grandes dificuldades em entrar no mercado chinês. São pequenas e médias empresas, não têm capacidade de se estabelecer, contratar uma estrutura, etc, daí a PorCham ser uma boa solução”, assegura Dário.

“Temos um espaço de 500 metros quadrados. Podemos arrendar uma secretária, fazer o registo de uma empresa ali e, posteriormente, podem contratar somente uma pessoa para dar seguimento ao mercado e efetivamente aumentar as exportações, que é o que precisam”, assevera.

“Basicamente é ter uma plataforma capaz de identificar parceiros na China, que é sempre uma das grandes dificuldades das empresas portuguesas quando abordam os mercados”, acrescenta João.

“Ainda por cima à escala do mercado chinês, mesmo as grandes empresas nacionais têm uma dimensão mediana, numa avaliação mais simpática.” Havendo uma plataforma capaz de estabelecer uma ligação com as empresas locais, de aumentar o conhecimento do mercado quanto à qualidade dos produtos e dos serviços portugueses, o caminho fica facilitado: “Reduz-se os custos de contexto e o investimento necessário por cada empresa individual.” Dessa forma, “impulsionamos as exportações e a própria presença portuguesa no mercado”, sintetiza.

“Fazemos tudo o que faz uma Câmara de Comércio e mais o que eles não fazem”

Na inauguração do clube de negócios luso-chinês, Dário disse à Lusa: “fazemos tudo o que faz uma Câmara de Comércio e mais o que eles não fazem”. Ao PLATAFORMA elabora: “Além da promoção dos produtos, fazemos delegações, negociamos com os governos locais para usufruir de pavilhões nacionais gratuitos para os nossos membros exporem os produtos e colocarem no mercado, fazemos todo um follow-up, providenciamos sala de reuniões, espaços de coworking e base de dados de importadores. Caso as empresas sejam do setor dos serviços, também temos uma relação muito próxima com o China Council for the Promotion of International Trade (CCPIT) da área de Guangdong. Fazemos todo um serviço 360.”

João vai ao detalhe: “Fazer o due diligence a empresas chinesas que possam fornecer determinado tipo de produtos é absolutamente fulcral e essencial. As empresas portuguesas gostam de encontrar bons parceiros nos mercados e, no que toca a fazer o sourcing ou o procurement de produtos, é crucial ter a capacidade de certificar a qualidade de uma empresa, a sua honorabilidade e imagem, em termos de cumprimento de contratos, etc. Isto é muito importante para as empresas portuguesas, pois têm dificuldades financeiras e de aproximação a mercados onde a barreira da comunicação é significativa, como é o caso. Isso faz com que, de facto, como o Dário dizia e bem, os nossos serviços sejam bastante abrangentes. Fazemos mais do que o que as Câmaras de Comércio habitualmente fazem. Estão muito conectadas com a participação nas feiras, jantares e almoços e pouco mais, na maioria das vezes.”

Além dos serviços que agora prestam, Dário aponta para os projetos que pretendem alavancar num futuro próximo. “Neste momento temos dois fundos em fase de estudo: um do setor da imigração e um do setor dos compósitos. Ainda em 2021, esperamos ter os fundos estabelecidos para, no próximo ano, angariarmos investidores e atrair o investimento para Portugal. Da mesma forma temos aqui na China acordos com empresas estatais, algumas das maiores da China, como é o caso de Shenzhen, onde conseguimos colocar fundos dos países lusófonos a trabalhar com eles no mercado local, evitando riscos e permitindo ter uma presença salvaguardada pelo Governo chinês.”

“Próximo passo é Hunan e depois Pequim”

Em pouco mais de um mês, mais 26 empresas aderiram à iniciativa. No entanto, nos últimos tempos o foco é outro. “Entretanto, abrimos o capítulo de Xangai e os nossos membros já tiveram quatro feiras gratuitas desde que abrimos em Guanghzou”, referem. Dário explica ao PLATAFORMA que qualquer Câmara de Comércio que esteja na China tem de estar em Guangzhou, Xangai e Pequim. “São sítios cruciais. Ou se está, ou não se está em lado nenhum”, defende.

A primeira expansão deu-se em Xangai, visto que um dos membros facilitou esse processo. “Conseguiu-nos condições muito boas. Temos um escritório com 700 m2 no centro da cidade, sem pagar renda. Tem as condições necessárias para fazer eventos onde podemos promover os produtos e a cultura portuguesa. O próximo passo é Hunan e depois Pequim, ou seja, mais duas delegações até ao final deste ano. Em Pequim estamos a tentar perceber quais são as melhores condições.”

Macau tem feito um “excelente trabalho”

Apesar da expansão no Interior da China, ambos evidenciam que Macau faz parte do plano de desenvolvimento. O próprio Governo local já assumiu pretender que a cidade seja a plataforma entre os Países de Língua Portuguesa e a China. No entanto, tem-se observado a tendência de certas empresas em entrar diretamente no mercado interno, sem a influência de Macau. “A cidade não tem fragilidades em executar essa ponte. A questão é: pode ser um ponto de entrada para o Sul da China, mas para se estar na zona central e do Norte é mais complicado”, explica o presidente.

“Cada região tem o seu pensamento e cultura próprios, é preciso estar presente no local e ter-se uma boa rede de contactos para se perceber como operar em cada sítio”, acrescenta. Porém, não deixa de evidenciar o “excelente trabalho” que tem sido feito nessa área. “Sei que o IPIM tem feito um excelente trabalho. Criaram agora aqui em Huangpu (Guangzhou) uma zona de Países de Língua Portuguesa. A longo prazo, serão projetos muito úteis para a Lusofonia. Na nossa vertente, precisamos de dar apoio às empresas já e de forma ágil, então optámos por seguir este caminho. É impossível para uma organização governamental ou com apoio governamental ter a agilidade que nós temos”, sublinha.

“Isto não quer dizer que ignoremos Macau”, enaltece o vice-presidente. “Longe disso”, responde Dário. “Macau tem de estar próximo, porque estamos ligados de forma quase umbilical”, remata. A Região Administrativa Especial está nos planos, contudo, reforçam que “tinham de aproveitar o momento.”

“Se não o fizéssemos, corríamos o risco de perder as grandes empresas chinesas que aderiram ao projeto para outro país.” João recorre a um exemplo para defender a sua posição: logo após a inauguração da PorCham, receberam uma visita do cônsul-geral de Espanha nas suas instalações em Guangzhou. “O Consulado-Geral de Espanha ficou tão surpreendido com o projeto que quis saber qual era o modelo porque queriam replicá-lo. Mas não vai ser fácil fazê-lo porque isto é uma iniciativa privada”, enfatiza.

Dar a conhecer a Grande Baía aos portugueses

O presidente da PorCham esclarece que a missão “não é somente promover Portugal na China, mas também dar a conhecer a Área da Grande Baía às empresas portuguesas”, dado que acredita não haver grande noção da “velocidade a que a região se está a desenvolver e qual é o poder de compra existente.”

Dário também ressalva que, em termos de entrada para o mercado doméstico chinês, “é bastante mais fácil uma empresa portuguesa entrar pela Grande Baía”, pois a região conta com trabalhadores dos quatro cantos do país. Sem mencionar nomes, dá o exemplo de uma empresa que “abriu sede noutro local e acabou por mandar o diretor de vendas para Guangdong quando se apercebeu que estava a vender mais aí do que nas outras províncias.”

“A província de Guangdong tem o PIB per capita mais elevado da China. Como é um local que está ainda pouco explorado pelos restantes países, era uma belíssima oportunidade. Agora, nós temos de aproveitar o balanço da iniciativa privada e implantarmo-nos onde ela está, para os reunirmos, criar um grupo coeso, e a partir daí dar os passos seguintes”, conclui João.

Guilherme Rego* | Plataforma

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