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O mundo testemunha mais uma vez uma história sinistra onde se jogam partidas de poder com o sacrifício de vidas humanas. A desumanidade com toda a sordidez da sua face inconfundível e sempre repetida nos infelizes espaços da Europa
Celso Japiassu | Carta Maior
A Europa assiste neste momento a
mais um capítulo da infindável tragédia dos refugiados que tentam escapar da
fome e da miséria das guerras no Oriente Médio. Eles são o triste legado das
intervenções estadunidenses para o sequestro do petróleo daquela região. Desta
vez na fronteira da Bielorrússia com a Polônia, depois de eles terem
enfrentado, não faz muitos anos, a violência da Hungria e a chantagem turca. A
Bielorrússia - Belarus, para alguns - é acusada com razão de gangsterismo
depois de a sua companhia aérea estatal ter começado a transportar para a
capital Minsk imigrantes do Iraque, da Síria, da Jordânia e do Líbano com a
promessa de fazê-los entrar legalmente no território europeu. Trata-se de uma
mentira repugnante. O consulado bielorrusso no Líbano entrega aos migrantes um
falso documento com um visto falso para a Europa.
O que pretende o Governo de Aleksandr Lukashenko, o eternizado presidente daquele
país? Aglomerar milhares de refugiados em sua fronteira com a Polônia e ameaçar
a Europa com uma chegada maciça de migrantes, maior ainda do que aquela de
2015, que provocou uma crise sem precedentes em quase todos os países atingidos
pelas ondas migratórias. Foi quando três mil pessoas morreram na travessia do
Mediterrâneo tentando chegar à Europa. O objetivo é forçar a retirada de
sanções econômicas que foram impostas pela União Europeia depois da comprovação
de fraudes nas eleições do próprio Lukashenko.
Ataque migratório
Encontram-se à espera de uma solução cerca de 20 mil pessoas, expostas ao frio,
à fome e a falta de água. Tentam ultrapassar as barreiras de arame farpado e
dos 15 mil militares poloneses que impedem a passagem. A maioria pagou um alto
preço pelos falsos vistos e pelo transporte. As ONG que procuram dar suporte
aos fugitivos declaram que há uma urgência humanitária e advertem sobre a
chegada de um inverno extremo como é comum naquela região. A temperatura da
noite já está abaixo de zero.
A União Europeia definiu como um ataque híbrido o gangsterismo do governo Lukashenko, que pretende desestabilizar a Europa em
resposta às medidas adotadas por Bruxelas, que votou na semana passada um novo
pacote de sanções.
A Polônia, governada por um partido de extrema direita, tem posições
reacionárias em todos os temas políticos e, vítima da chantagem bielorrussa,
manifesta enorme má vontade para com os migrantes que tentam atravessar seu
território. Já foi por isso mais de uma vez alvo de advertências e pressões da
União Europeia. A França classificou a crise como um "ataque
migratório". Pessoas em fuga como instrumento de chantagem política.
Na Lituânia
A Lituânia também encara a mesma situação na sua fronteira e os jornalistas
estão proibidos de visitar os acampamentos precários dos refugiados. A região
fronteiriça está sob estado de emergência, uma medida até agora inédita no
país. Estão proibidas todas as entradas e saídas. O governo lituano declara que
o objetivo de Lukashenko é inundar as fronteiras da União Europeia
com milhares de pessoas desesperadas como retaliação pelas sanções que lhe
foram impostas.
Um pequeno país de 2,7 milhões de habitantes, a Lituânia já há alguns meses se
vê diante de um fluxo migratório que tem dificuldade
Com o acesso à região da fronteira proibido, as associações humanitárias estão
impedidas de prestar qualquer ajuda às vítimas dessa enorme chantagem entre as
quais estão muitas famílias com crianças, idosos e mulheres grávidas. Cerca de
130 pessoas estão a chegar diariamente. Onze mortes já ocorreram, algumas por
hipotermia, enquanto se aguarda o aumento do número de vítimas com a chegada do
inverno, segundo declarou Egle Samuchovaite, diretora do Programa de Asilo e
Migrações da Cruz Vermelha na Lituânia, que também está impedida de chegar
perto da fronteira onde se encontram os que pedem asilo na Europa. Um
levantamento feito pela Organização Mundial da Saúde revela que em torno de 60%
dos migrantes precisam de algum tipo de cuidados médicos. Eles têm recebido só
uma refeição quente por dia.
O The New York Times entrevistou alguns refugiados que disseram ter
sido levados em ônibus pertencentes ao Exército da Bielorrússia até a fronteira,
recebido instruções e ferramentas para cortar o arame farpado.
O problema é Lukashenko e não os refugiados, diz em off um
porta-voz da União Europeia.
O mundo testemunha mais uma vez uma história sinistra onde se jogam partidas de
poder com o sacrifício de vidas humanas. A desumanidade com toda a sordidez da
sua face inconfundível e sempre repetida nos infelizes espaços da Europa.
Imagens: 1 – Refugiados na fronteira, Leonid Shcheglov /DPA; 2 - Fronteira da Bielorrússia, Agência Brasil
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