Kawenga era um jovem forte e sonhador, admirado por todos na aldeia, porque estava sempre disponível para ajudar os outros. Mas vivia infeliz, porque se sentia um prisioneiro na sua terra. Passava horas olhando o cume da serra de Mucaba, imaginando os mundos que existiam para lá da linha do horizonte. Depois guardava os sonhos no coração, porque tinha que ir para a lavra cuidar das culturas ou fazer as colheitas.
Um dia procurou o mais velho Tuma, pastor de cabras e encantador de passarinhos, para lhe pedir um conselho. Queria saber como podia chegar lá longe, aos mundos que se escondiam por trás das longínquas colinas da Kanda e da linha do horizonte.
- Como posso chegar a paragens tão distantes? – Perguntou Kawenga ao mais velho Tuma.
O pastor cofiou a barbicha branca, ficou em silêncio alguns minutos e depois falou a sua verdade:
- Longe é apenas o que não existe. Onde mora o que amas é muito perto, porque está ao alcance do teu coração, mesmo que fique nas areias onde se esconde o zimbo e as águas são salgadas, margosas e fazem compressão na barriga.
Kawenga ouviu estas palavras e ficou com tanta força que partiu mal o Sol acordou, levando consigo uma sacola de comida e a sua catana. Atravessou rios, subiu montanhas, sofreu fome e sede. Andou de terra em terra, construindo o seu destino. Mas não encontrou nenhum sinal dos seus sonhos na aldeia de Mucaba. Foi percorrendo os caminhos conhecidos e desconhecidos, amando com todas as forças o amanhecer e a madrugada, o Sol e a Lua, o vento ululante e a chuva miúda, a tempestade e a bonança.
Um dia chegou a uma lagoa de águas límpidas e na margem estava um velho pescador, paciente. Só se movia quando o peixe picava o anzol. Parecia uma estátua de olhos vivos e sorriso bondoso. Numa lata tinha vários bagres acabados de pescar.
- Hoje o teu jantar vai ser abundante, pescador!
- Em minha casa não há abundância. Mas o importante é que haja comida para todos, não é o banquete. Queres um peixe?
Kawenga nesse momento recordou a figura do mais velho Tuma, com quem aprendeu a desafiar os caminhos do destino. Um dia ele ensinou-lhe uma grande verdade:
- Kayila muntu mbizi, lumbu ki mosika dya yo, unlongi loa, se kadya lumbu yawonso. Se oferecermos a alguém um peixe, ele tem garantida uma refeição. Mas se o ensinarmos a pescar, ele come todos os dias.
Kawenga aprendeu a pescar com o pescador solitário da lagoa. Ele já sabia construir casas, remendar sapatos, cozinhar carne com molho, navegar nas águas iradas do mar. Na lagoa prodigiosa, maior que o pensamento, que vai para além do olhar, aprendeu a viver pescando.
Um dia regressou à sua aldeia e descobriu que ela era ainda mais pequena do que no tempo em que procurava alimentar a sua ambição. Trazia apenas a sacola e a catana com que partiu. Mas aprendeu pelos caminhos do mundo que longe, muito longe, é apenas o que não existe.
O mais velho Tuma já não ia com o seu rebanho para os pastos, porque as pernas se recusavam a caminhar longas distâncias. A sua casa continuava enfeitada com gaiolas de bordão, que aprisionavam os pássaros cantadores das mais belas melodias que alguma vez foram escutadas.
- Pai Grande cumpri todas as minhas ambições mas fracassei…
- Awole wantu, umosi ninga! – Respondeu o pastor.
Tuma tinha razão. Dois homens podem ter a força de uma multidão, mas um homem só pouco mais tem do que a companhia da sua sombra.
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