quinta-feira, 3 de fevereiro de 2022

DISCURSO DE AGOSTINHO NETO NA CIMEIRA DO ALGARVE*

Texto integral do discurso do Presidente Agostinho Neto, no encerramento da Cimeira do Algarve, que decorreu no salão nobre do Hotel da Penina, em Janeiro de 1975. Por decisão de Holden Roberto e Jonas Savimbi, o líder do MPLA falou em nome dos três movimentos de libertação, signatários do Acordo de Alvor com Portugal e que pôs fim ao colonialismo.  Chamo a atenção para um aspecto de primordial importância. Pela primeira vez, um político das antigas colónias portuguesas considerou o Movimento das Forças Armadas (MFA) também conhecido por Movimento dos Capitães, que derrubou o regime fascista, como o Quarto Movimento de Libertação. Leiam o texto integral do discurso:

Senhor Presidente da República Portuguesa, Senhores Ministros do Governo Provisório Português, Amigas, Amigos e Camaradas: De 11 a 15 de Janeiro de 1975 as nossas delegações, respectivamente do Governo Provisório Português e dos representantes legítimos do Povo Angolano, reuniram-se no Algarve, para tomar decisões sobre o fim do sistema colonial.

A presença de Sua Excelência o Senhor Presidente da República Portuguesa no acto final da assinatura do acordo ficará registada nas Histórias de Portugal e de Angola como um eloquente anúncio de progresso político para os Povos de ambos os países.

Seja-me permitido, pois, em nome da Frente Nacional de Libertação de Angola - FNLA, do Movimento Popular de Libertação de Angola - MPLA e da União Nacional para a Independência Total de Angola - UNITA, em nome das delegações honradas pela vossa presença, em nome do nosso povo, que legitimamente representamos, exprimir satisfação pela perfeita avaliação do valor histórico deste momento.

Da Ponta de Sagres, partiram as caravelas que contribuíram positivamente para o contacto com outros povos e continentes e, portanto, para o advento de uma nova etapa na sociedade humana.

Relativamente perto da Ponta de Sagres, terminaram para o continente africano as relações injustas que mais tarde enegreceram os brilhantes feitos dos navegadores portugueses. Aqui, as pretensões dos colonialistas ficaram enterradas para sempre. Tenho o imenso prazer de felicitar o Povo Português por este acto final do vergonhoso colonialismo em África.

Senhor Presidente da República Portuguesa e Presidente da Comissão para a Descolonização, permita-me que me dirija também aos representantes do Governo Provisório Português, cujo Primeiro-Ministro nos honra igualmente com a sua presença, para os saudar e para lhes manifestar com dignidade e apreço o nosso sentimento de amizade por todos eles, os executores da política de democratização e de descolonização, através dos instrumentos apropriados criados após o glorioso 25 de Abril de 1974. Estendemos o nosso apreço aos técnicos e colaboradores dos Ministérios que foram os artífices da apresentação perfeita do texto do acordo.

Ao quarto Movimento de Libertação, quero dizer ao Movimento das Forças Armadas, que catalisou a vontade popular para derrubar o fascismo em Portugal e lançar as bases sólidas para terminar a exploração colonial, espinha dorsal para as transformações democráticas em Portugal nós, representantes da FNLA, MPLA e UNITA desejamos dizer quanto admiramos a sua coragem e firmeza, que permitiram não só libertar o povo português da ditadura salazarista e caetanista, não só dar garantias de democracia a este Povo Português que bem a merece, como também tornou uma realidade, tornou possível a verdade da nossa afirmação comum relativa à não existência de ódio entre o Povo Português e o Povo Angolano.

O sistema é que estava errado e agora que ele foi corrigido, Senhor Presidente da República, a confraternização em Angola é um facto entre a grande maioria das forças militares portuguesas e os guerrilheiros angolanos.

Aqui, nestas discussões que se convencionou chamar a Cimeira do Algarve, nunca apareceram antagonismos irreversíveis. A cordialidade, o respeito e a sinceridade facilitaram imenso o nosso trabalho. O objectivo foi sempre comum. Os interesses de ambos os Povos foram defendidos à base do princípio da nossa igualdade em direitos.

Não quero deixar de agradecer, neste momento solene, aos nossos amigos portugueses da Segurança, da Polícia e das Forças Armadas, que nos garantiram a tranquilidade e a discrição para que esta reunião se desenrolasse em clima de perfeita calma, sem inquietações, afastado o receio de incidentes e de pressões externas.

A nossa permanência na Penina, e isso é de salientar, foi facilitada pelo pessoal do hotel, cujas excelentes instalações nos foram oferecidas, e pela cordialidade da direcção, que nos facultou conforto e uma temperatura tão africana, como o calor amigo dos seus demais componentes.

Possivelmente não estarão completamente satisfeitos os representantes da Imprensa portuguesa, angolana e estrangeira, mas creio terem compreendido as razões de discrição necessária para esta Cimeira. Agradecemos a sua paciência e a cobertura dada a este acontecimento.  

As delegações da FNLA, do MPLA e da UNITA felicitam-se pela boa colaboração e entendimento que existiu durante esta Conferência, colaboração que confirma o respeito prometido na pré-Cimeira de Mombaça e é prenúncio de uma estreita colaboração no começar do exercício de responsabilidades novas na nossa terra.

O elemento fundamental para o êxito da luta de libertação foi finalmente adquirido e não consentiremos mais que as divergências não fundamentais sejam transformadas pelos nossos inimigos em disputas graves.

Angola e Portugal iniciam uma nova era nas suas relações. Uma era de amizade, de cooperação e de solidariedade. Os laços que existiram entre os nossos Povos, embora fortemente marcados pelo carácter de exploração durante séculos, não deixarão de nos conduzir facilmente à necessária e desejada cooperação em vários domínios.

Afastado o obstáculo do colonialismo, nem o Povo Português, nem o Povo Angolano desejarão recuar na sua transformação progressiva para uma nova definição do Homem na sociedade. A dinâmica da vida só nos pode conduzir a um destino. O destino do progresso. Se recuarmos, o processo em Portugal ou em Angola, este importante acordo hoje selado pelo estabelecimento das relações justas entre os nossos Povos, romper-se-á inevitavelmente.

Para chegarmos a este momento histórico foi derramado sangue de alguns dos melhores filhos do Povo Angolano, sacrificados na defesa da honra, da dignidade e dos direitos de todo um povo.

Os patriotas portugueses somaram centenas de anos de cadeia, perderam elementos valiosos do seu povo na luta antifascista e muitos dos seus jovens pereceram na guerra colonial.

E eis que hoje, substituído o gatilho pelo diálogo, reconhecido o direito de ambos os Povos à independência e à liberdade, os abraços e a confraternização substituem subitamente as confrontações violentas. Uns e outros, somos dignos deste momento. O Movimento de Libertação Nacional e o Movimento Antifascista Português, que permitiram o 25 de Abril, contribuíram magnificamente para a construção de um novo clima político.

E não só isso.

Contribuíram para uma radical transformação em África e para um novo equilíbrio no Mundo. Por isso, neste momento solene, não poderíamos esquecer os nossos amigos, em África, na Europa, na Ásia e no resto do Mundo, que contribuíram directa ou indirectamente para a vitória dos nossos povos.

Com confiança e decisão o Povo Angolano enfrentará as novas condições. Durante a longa noite colonial, o Povo Angolano aprendeu que é preciso bater sempre na exploração, venha ela donde vier, assuma ela a forma ou a cor que assumir. Esta lição histórica será para nós o fundamento de toda a acção futura. Só o progresso social, constantemente exigido pelos dirigentes e pela base, conseguirá a independência completa, a liberdade, e a felicidade para todos.

Senhor Presidente da República Portuguesa, amigos, camaradas de luta, em nome da FNLA, do MPLA e da UNITA, reafirmamos aqui o nosso desejo e a nossa determinação de defender, por todos os meios, as vitórias já adquiridas pelo nosso Povo e de cooperar com o vosso país à base dos princípios justos de respeito mútuo, não ingerência e reciprocidade de vantagens, ou seja, cooperação na independência e na dignidade”.

*Agostinho Neto falou em nome da FNLA, do MPLA e da UNITA. Mas já sabia que o estado terrorista mais perigoso do mundo (EUA), o Zaire de Mobutu e a África do Sul racista iam sabotar o acordado. Assim aconteceu. Quem resistiu até ao fim do processo de descolonização e respeitou o Acordo de Alvor até à sua suspensão pelo Governo Português? Agostinho Neto e o MPLA. A História é implacável com as mentiras e falsificações.

Na imagem: protagonistas do Acordo do Alvor - Hotel Penina, Alvor, Portugal

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