quinta-feira, 3 de fevereiro de 2022

A MATRIZ DA PÁTRIA ANGOLANA

Com a devida vénia de admiração e gratidão reproduzimos o texto integral da palestra proferida pelo Professor Carlos Mariano  Manuel, presidente da histórica Liga Africana, a convite da Excelentíssima Senhora Presidente da Comissão Administrativa da Cidade  de Luanda, Dra. Maria Antónia Nelumba, no quadro da jornada celebrativa  do 4 de Fevereiro de 1961 Dia do Início da Luta  Armada para a Libertação Nacional. 

Os acontecimentos de 4 de Fevereiro de 1961 constituíram uma jornada patriótica consumada em Luanda pelos nacionalistas angolanos, com o objectivo de convocar a unidade de toda população originária e subjugada do País para se libertar do colonialismo, demonstrar na prática às autoridades coloniais a opção do início e continuação da luta armada até ser conseguida, por via da conquista da Independência Nacional, a inevitável e definitiva abolição do seu retrógrado domínio em Angola, bem como denunciar de forma dramática ao Mundo o sofisma, segundo o qual, colonizados e colonizadores viviam em harmonia  e, finalmente, apelar à solidariedade internacional para apoiar o processo de libertação do Povo Angolano, por ter sido parte  integrante da evolução progressista da História da Humanidade.

A opção da luta armada foi determinada pela obstinação das autoridades da Ditadura Constitucional do Estado Novo português, estabelecidas em Lisboa antes do início da Segunda Guerra Mundial, em manter o seu império colonial constituído no decurso do secular e obsoleto processo histórico de usura, não obstante a manifestação de reiteradas iniciativas pacíficas de organizações angolanas para pôr fim esse iníquo sistema político e a existência de disposições a favor da autodeterminação dos Povos no Direito Internacional Público, que traduzia a Nova Ordem Política Mundial, estabelecida pela comunidade internacional após o fim daquele conflito mundial, e concretizada, em vários instrumentos, como por exemplo, na Carta das Nações Unidas, adoptada em 26 de Junho de 1945 na cidade americana de São Francisco e na subsequente Declaração sobre a Concessão da Independência aos Países e Povos Coloniais, aprovada e convertida em Resolução 1514 (XV) da Assembleia Geral, realizada no dia 14 de Dezembro de 1960. 

Em conformidade com a Nova Ordem Política Mundial acima aludida, as principais nações coloniais euro-ocidentais, com excepção de Portugal, foram desmantelando nas décadas de cinquenta e sessenta do século XX os seus impérios coloniais, concedendo a Independência aos povos e a soberania aos territórios antes colonizados e integrando-os, posteriormente, em comunidades linguísticas, como foram os casos da Common Wealth e da Francofonia. Em África, os territórios colonizados foram ascendendo à condição de Estados soberanos, essencialmente, na primeira metade da década de sessenta, como foi o caso da República Democrática do Congo em 30 de Junho de 1960, do Congo Brazaville em 15 de Agosto do mesmo ano e a Zâmbia em 24 de Outubro de 1964, de tal molde que no período da realização da XV Assembleia Geral das Nações Unidas, ocorrida de Setembro a Dezembro de 1960, 17 países africanos independentes tinham sido admitidos como novos membros da Organização das Nações Unidas.

Mas, o governo português da ditadura constitucional, ao contrário, aprofundava cada vez mais a descriminação baseada na dermo-pigmentação e em detrimento das populações originárias dos territórios por si colonizados, legalizada com a promulgação em 20 de Maio de 1954, do Decreto-Lei nº 39.666, que aprovou e fez vigorar o Estatuto dos Indígenas Portugueses das Províncias (ditas ultramarinas) de Angola, Guiné e Moçambique, tendo criado um regime de apartheid à portuguesa.

Ao abrigo desse Estatuto, eram considerados indígenas e objecto de medidas discriminatórias  em Angola, Guiné e Moçambique "os indivíduos de raça negra ou seus descendentes que, tendo nascido ou vivendo habitualmente nelas, não possuam ainda a ilustração e os hábitos individuais e sociais pressupostos para a integral aplicação do direito público e privado dos cidadãos portugueses" e também "os indivíduos nascidos de pai e mãe indígena em local estranho àquelas províncias para onde os pais se tenham temporariamente deslocado".

Ao abrigo das disposições acima citadas, os indígenas, que foram a grande parte que realizaram o 4 de Fevereiro de 1961, não tinham acesso ao bilhete de identidade e sem este instrumento de identificação e de cidadania, não podiam ter acesso a qualquer "direito público e privado" dos cidadãos portugueses, embora vivessem num território artificialmente considerado como província portuguesa. Os que tinham B.I. eram considerados "assimilados" à cultura portuguesa.

Interpretando o sentimento nacional dos angolanos, baseado na urgência de derrotar o sistema colonial e a ditadura portuguesa que lhe mantinha obstinadamente a sustentação, os nacionalistas angolanos desencadearam a revolta na madrugada do dia 4 de Fevereiro de 1961, cujos pormenores principais dessa acção patriótica se descrevem a seguir e também encorajaram o início e continuação das lutas de libertação nacional a partir de Janeiro de 1963 na Guiné Bissau e de Setembro de 1964 em Moçambique, até o Povo Português ter sido libertado da ditadura do seu próprio governo e os três países cujas populações estavam submetidas ao regime do indiginato bem como as duas colónias insulares portuguesas em África haverem conquistado as suas Independências em 1974 e em 1975.

O 4 de Fevereiro de 1961 integrou-se também no contexto internacional favorável à descolonização e na luta pela extinção da ditadura em Portugal.

A circunstância de no início da década de sessenta do século XX a França e o Reino Unido da Grã Bretanha haverem começado a conceder a Independência aos territórios por si colonizados, especialmente, em África, suscitou a que no último trimestre de 1960, 17 países africanos houvessem sido admitidos a membros de pleno direito da Organização das Nações Unidas.

Esse desenvolvimento internacional estava em conciliação com a linha política da União das Repúblicas Soviéticas, cujo dirigente máximo, Nikita Syergueievitch Khrushchev, na única vez que esteve na ONU, insistiu e conseguiu, que fosse incluído na Agenda da XV sessão da AG-ONU, o ponto relativo à urgente descolonização dos territórios ainda submetidos ao domínio colonial e neste âmbito escarneceu as potências colonizadoras, no seu histórico discurso proferido no dia 23 de Setembro de 1960, asseverando "O nosso século é o século da luta pela liberdade, o século no qual as nações estão a libertar-se da dominação estrangeira. Os povos desejam uma vida digna de consideração e lutam para obtê-la" e mais adiante nesse mesmo discurso reiterava, de forma inédita e insólita descalçando um sapato e batendo-o fortemente sobre o púlpito, para calar a tentativa de boicote dos representantes dos países colonialistas "os factos mostram que a libertação das nações e dos povos submetidos à dominação colonial favorecerá a melhoria das relações internacionais, um incremento da cooperação internacional e a consolidação de um Mundo em Paz". E Portugal preferiu fazer ouvidos moucos, ao ter obstinado em manter o seu império colonial, a essas advertências de uma das duas superpotências do planeta.

No contexto da geopolítica da África Central, a ocorrência do 4 de Fevereiro de 1961 foi bastante encorajada pela circunstância dos dois países vizinhos, nas fronteiras setentrionais de Angola, haverem recebido a Independência no ano anterior, e em particular, a República Democrática do Congo, teve uma elevada influência nas hostes dos nacionalistas angolanos, por via do sentimento popular de liberdade e do carisma do seu jovem Primeiro-Ministro, Patrice Eméry Lumumba, ao ter demonstrado quão expugnável finalmente era o poder caucasiano estabelecido com usura em África.

O 4 de Fevereiro de 1961 deteriorou ainda mais a decrépita imagem física dos dirigentes da ditadura portuguesa e da reputação internacional do respectivo regime, porquanto no dia 22 de Janeiro de 1961, 13 dias antes dos acontecimentos ocorridos em Luanda, o grande navio de passageiros português, designado Santa Maria, fora assaltado e sequestrado por militares portugueses e espanhóis antifascistas, liderados pelo capitão Henrique Galvão, em águas territoriais da República da Venezuela. 

Com esse episódio inédito na História de Portugal, pretendiam os sequestradores obrigar o navio a rumar dos mares da América Latina para Luanda, onde desembarcariam para proclamar a separação de Angola de Portugal, e preparar as condições para abolir o sistema da ditadura portuguesa instalado em Lisboa. Essa evolução esperada do incidente do paquete Santa Maria fez convergir à Luanda muitos profissionais da comunicação social internacional, e quando se soube que o navio iria para o Brasil e já não viria a Angola, os nacionalistas que estavam a planear o desencadeamento dos acontecimentos do 4 de Fevereiro tiveram de antecipar a respectiva ocorrência na madrugada desse dia, para aproveitar o máximo efeito de denúncia do colonialismo português, que a cobertura dos acontecimentos pela imprensa internacional. isenta de censura, suscitaria no Mundo. E por esta via se conseguiu, que os acontecimentos do 4 de Fevereiro de 1961 em Luanda, acrescidos dos de muito maior magnitude que ocorreram 39 dias depois, a 15 de Março nas regiões setentrionais de Angola, fossem objecto de urgente apreciação a partir de Março de 1961, no Conselho de Segurança das Nações Unidas, em virtude da situação em Angola haver sido considerada como tendo tido o potencial de constituir uma ameaça à Paz Mundial.

O embaixador Vasco Guérin, que representava Portugal nessa altura nas Nações Unidas, foi frequentemente humilhado por ter defendido a tese que a discussão do assuntos de Angola era uma intromissão nos assuntos internos de um país membro da ONU, pelo facto de Angola ter sido uma província ultramarina portuguesa, ao que os embaixadores soviético Valeriano Zolerine, informado pelo Presidente do MPLA na altura, Mário Pinto de Andrade e outros, contra-argumentavam que a posição portuguesa era uma mera "abstracção jurídica" que não procedia e que Portugal era tão pequeno e atrasado, onde uma grande parte da população era ainda analfabeta e com padrões sociais típicas de um país subdesenvolvido, pelo que pretender civilizar os angolanos e desenvolver Angola, um país pelo menos 14 vezes maior, depois de muitos séculos sem nada ter feito,  era um outro bizarro paradoxo.

A discriminação, repressão e ocupação coloniais, bem como as perspectivas de bantustanização dos angolanos, determinaram o surgimento do 4 de Fevereiro de 1961

A estratificação da população angolana com base étnica e em detrimento da população originária constituía o principal princípio estruturante da política colonial. 

Essa discriminação nos domínios económico, cultural, social e político, para não permitir a valorização da população maioritária e dominada nesses domínios, foi a expressão dos fundamentos ideológicos do colonialismo. Este não o foi em Angola, nem nunca o foi em qualquer parte do Mundo, associado com o desenvolvimento, em qualquer domínio da vida humana, da população originária de qualquer território sob ocupação colonial.

Um dos mecanismos, como se exprimiu a discriminação foi não permitir à esmagadora maioria da população originária o acesso aos direitos de cidadania, mantendo-os na condição de indígenas, e com o perfil constante da respectiva definição, actualizada no Decreto-Lei 39.666/54 de 20 de Maio,  acima mencionado. O instrumento de descriminação entre indivíduos com ou sem os direitos de cidadania era, respectivamente, possuir ou não possuir o bilhete de identidade português.

Com base naquele instrumento jurídico e associado à criação, quase concomitante, do organismo designado Junta Provincial de Povoamento, o governo da ditadura portuguesa concebeu uma política demográfica, que se destinava a aumentar continuamente a população caucasiana, pela promoção auspiciada pelo Estado da emigração sobretudo europeia para Angola, conceder a essa população espaços físicos de ocupação territorial, desenvolvimento económico e para medrar estatisticamente, ao mesmo tempo que a população originária seria confinada e condicionada no seu crescimento natural, até a um estádio em que ocorreria a conversão ou inversão demográfica, estatística e étnica, do território, em que, finalmente, os naturais ficariam confinados em reservas dos indígenas, como ocorre actualmente nos países em que se registou o genocídio da população originária, os seus descendentes vivem em reservas delimitadas, e a diáspora dos colonizadores apropriaram-se do país inteiro.  

A conversão demográfica de Angola era o objectivo último do colonialismo, por isso opunham-se vigorosamente os seus principais servidores à qualquer mais pequena manifestação sugestiva de sentimentos nacionalistas e de independência de Angola.

Por exemplo, em Março, Maio e Julho 1959 e em Junho de 1960, as autoridades repressivas coloniais desencadearam em Luanda e com alcance internacional a operação que consistiu em aprisionar mais de uma centena de ilustres figuras angolanas de origem, que militavam clandestinamente em organizações políticas, pacíficas e pró-independência e de caucasianos anti ditadura integrados em organizações culturais. 

A maioria dos prisioneiros ficou em prisão preventiva e sem julgamento até Novembro de 1960 (um ano e oito meses desde que tinham sido detidos em Março de 1959), primeiro na prisão de São Paulo até Outubro de 1959, altura em que foram transferidos para o Forte do Penedo ou Casa de Reclusão, à Boavista, sem terem sido julgados, tendo deixado os familiares deles dependentes, desprovidos de meios de sustento e atirados na mais abjecta precariedade social. Portanto, o objectivo da PIDE, que fora o organismo de repressão que fizera a operação, foi o de punir não apenas os nacionalistas, mas também todas as suas famílias. 

Foi em Junho de 1960, que o director em Luanda da PIDE deteve o Presidente Agostinho Neto e transferiu-o nessa condição para Lisboa, de onde viria posteriormente a ser exilado para a Ilha de Santo Antão em Cabo Verde, onde foi surpreendido pelos acontecimentos do primeiro trimestre de 1961 em Angola.

Depois de finalmente haverem sido julgados em Novembro e Dezembro de 1960, a maioria foi condenada a penas maiores de reclusão e trabalhos forçados de vários anos no Campo de Trabalho do Chão Bom, na localidade do Tarrafal, no extremo inóspito da ilha de S. Tiago do arquipélago de Cabo Verde e com suspensão de direitos cívicos e políticos durante mais de década e meia, quando fossem libertos.

Foram os nacionalistas condenados no âmbito do processo dos 50  e injustamente presidiários no Forte do Penedo ou Casa de Reclusão, que os combatentes do 4 de Fevereiro pretendiam libertar na madrugada desse dia.

A mobilização, o enquadramento, o treino e a implementação do plano de acções dos combatentes contra as instituições repressivas do poder colonial.

Em 1987 foi constituída uma comissão integrada por sobreviventes da heróica jornada do 4 de Fevereiro de 1961, que foi incumbida de ancorar nos anais da História do País, as suas memórias e experiências e foi integrada pelos heróis Amadeu Francisco Martins (Mukongo), Trindade Pascoal Salvador, Lourenço Diogo Vaz Contreiras, Domingos Manuel da Silva Kazumbula, António Lourenço, Agostinho Manuel Inácio e Pedro José Van-Dúnem.

Segundo os heróis acima mencionados, fazendo recurso a procedimentos de mobilização adaptados ao contexto sociológico e cultural das comunidades residente nos bairros suburbanos de Luanda, foi possível em Outubro de 1960 alistar clandestinamente 3.220 jovens, mobilizados pelos nacionalistas David Queiroz e Fernando Pinheiro e com os pseudónimos respectivos de Capitão Quinjinje e Tenente Kanguirima.

As comunidades que mais se notabilizaram na mobilização dos jovens foram a do Rangel dinamizada pelos nacionalistas Raúl Deão, Neves Bendinha, Imperial Francisco Santana e Paiva Domingos da Silva; e a do Sambizanga, dinamizada por Mário Santiago, Francisco António da Costa e Domingos Manuel da Silva Kazumbula. Esses nacionalistas animaram uma reunião com mais participantes em Outubro de 1960, na qual foi deliberada a nomeação do triunvirato, que passou a liderar o movimento clandestino para preparar o assalto às instituições de repressão coloniais em Luanda, constituído pelo nacionalista Paiva Domingos da Silva, no cargo de Comandante Geral, Raúl Deão, no cargo de Comandante Geral Adjunto, Francisco Imperial Santana, no cargo de Chefe Geral da Logística, e auxiliados pelos nacionalistas Virgílio Soto Mayor, Neves Bendinha e João Nunes de Carvalho.

Os jovens alistados foram submetidos a treinos e rituais sincréticos nos meses de Outubro e Novembro de 1960 no "Campo dos Brasileiros do Musseque Rangel", que pretensamente os imunizava dos efeitos dos projécteis das armas das forças coloniais; contudo, devido aos imperativos em manter essas actividades desconhecidas das autoridades coloniais, decidiu-se no mês seguinte em transferi-las para o "lugar da pedra" no Cacuaco. 

Esse lugar acabaria também por ser denunciado, circunstância que determinou no início de Fevereiro a evacuação do sítio e dispersão dos mancebos em residências localizáveis e onde deveriam permanecer em estado de prevenção.

Devido a essa sucessão de movimentações, o nacionalista Salvador Sebastião esforçou-se em avisar 250 combatentes na noite do dia 03 de Fevereiro, para materializar a indicação de passagem ao ataque, que recebera do pároco da Missão de São Paulo, cônego Manuel Joaquim Mendes das Neves, em virtude de, justamente também nos primeiros dois dias de Fevereiro de 1961, os nacionalistas injustamente condenados e encarcerados desde Outubro de 1959 na Casa de Reclusão Militar, terem avisado os seus familiares, que as autoridades penitenciárias os haviam informado da iminência do seu exílio para um outro presídio em Cabo Verde, pelo que solicitavam aos seus familiares o envio de alguns pertences, que lhes permitisse resistir às adversidades de presidiários para onde fossem transferidos.

Os recados suscitaram os piores receios entre os familiares dos presidiários nos bairros suburbanos de Luanda, pelo que uma multidão de pessoas indignadas e em pranto aglomerou-se no dia 03 de Fevereiro de 1961 no largo fronteiriço àquele presídio, na vã esperança das autoridades coloniais, observando o drama humano de irreprimível e inconsolável pranto colectivo de crianças, mulheres, velhos e outras humildes e vulneráveis pessoas, se decidissem pela não transferência dos presidiários para o Tarrafal em Cabo Verde.

Na medida em que a mobilização, o enquadramento e o treino dos combatentes, bem como a implementação do seu plano de ataques já estava muito avançado e previsto para realizar-se no dia 13 de Fevereiro, para libertar os nacionalistas do Processo dos 50 e outros injustiçados e encarcerados em penitenciárias e unidades policiais e administrativas dispersas na cidade, foi ordenada a antecipação da data da acção para o dia seguinte, 4 de Fevereiro, como resposta à pressão do pranto colectivo e comovente de tão grande mole de gente pacífica, desfalecida, andrajosa, desesperada, impotente e suplicante, reunida defronte à Casa de Reclusão Militar. 

A acção foi heróica, e abrangente ao ter incluído no plano de ataques a prisão de São Paulo, o aeroporto, a esquadra da polícia na avenida Deolinda Rodrigues e o Palácio (embora tenham sido atingido três dessas instituições) e posteriormente por que continuou no dia 06 no Cemitério de Sant´Ana e no dia 10 de novo na prisão de São Paulo, ainda que tenha sido de resultados materiais parcos em termos de consequências no campo dos destinatários dela, e até contraproducente em termos de avultados mártires nas hostes dos combatentes, vítimas da desesperada retaliação das enfurecidas autoridades. Mas foi seminal para a fase derradeira e contínua do processo que conduziu, 13 anos depois, à derrocada do colonialismo e, 14 anos depois, à Independência de Angola.

Conclusões e lições a guardar dos acontecimentos de 4 de Fevereiro de 1961

1 - A jornada heróica iniciada em 4 de Fevereiro de 1961 apenas foi possível em virtude dos seus integrantes haverem priorizado o interesse nacional em detrimento dos seus interesses pessoais, constituindo um princípio de orientação geral nos tempos hodiernos, quando se observam manifestações de índole diversificada e que comprometem o bem comum.

2 - Ela foi o resultado da Unidade assumida no seio dos combatentes, sem a qual nenhuma missão colectiva pode ser exitosa e interpela todo o cidadão e grupos de cidadãos a preservarem a Unidade Nacional, para Angola prosseguir na materialização do seu destino de progresso.

3 - A sublevação foi de autoria essencialmente popular, à qual se juntaram muitas figuras ilustradas e lúcidas; e o mesmo padrão de mobilização verificou-se no decurso da luta pela independência, não tendo, por inerência, sido essa epopeia o resultado da concepção de algum grupo social ou étnico, que incumbiu a população  de fazê-lo.

4 - A sublevação popular teve em vista alcançar um objectivo de interesse de todos, designadamente, a supressão do colonialismo que a todos oprimia, pelo que o resultado da Revolução que se seguiu também mobilizou de forma sistêmica a população de Angola tendo em vista o mesmo objectivo; e toda a conjuntura que não faça beneficiar de forma justa os benefícios da Independência a cada cidadão angolano, pode estar a incorrer na desvirtuação ou profanação dos esforços e dos sacrifícios desta epopeia do Povo Angolano.

5 - A ordem e a disciplina foram indispensáveis para a consumação da jornada heróica em apreço, bem como o patriotismo afogou os severos agravos consentidos; destarte, o progresso de Angola apenas pode advir da observância da ordem, da disciplina, do patriotismo e do empenho esforçado de todos que têm a sua nacionalidade protegida pela Bandeira e outros símbolos da República de Angola.

Luanda, 01 de Fevereiro de 2022

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