GUINÉ-BISSAU
O líder do PAIGC condena a "tentativa de golpe" que vitimou várias pessoas. Exige também um "inquérito sério" para apurar o que terá acontecido na terça-feira em Bissau e responsabilizar os culpados.
Na sua primeira reação aos ataques acorridos na terça-feira (01.02) na sede do Governo guineense, o presidente do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), Domingos Simões Pereira, manifesta-se preocupado com a violência registada em Bissau. E condena todas as tentativas de subversão da ordem constitucional por vias não democráticas.
Em entrevista exclusiva à DW, o líder do maior partido da oposição exige a criação de uma comissão internacional de inquérito para apurar responsabilidades. Simões Pereira diz que não ficou absolutamente convencido com as explicações do chefe de Estadosobre os supostos autores do ataque, alegadamente ligados ao narcotráfico. Segundo Umaro Sissoco Embaló, foram "elementos isolados" que tentaram assassinar as principais figuras do Estado, que participavam numa reunião extraordinária do Conselho de Ministros, no Palácio do Governo.
DW África: Como reage aos acontecimentos de ontem ocorridos na Guiné-Bissau?
Domingos Simões Pereira (DSP): É com sentimento de grande frustração que reajo, enquanto guineense, enquanto cidadão e também enquanto político, pela ocorrência de mais um ato de violência, uma anunciada tentativa de golpe de Estado. E, como sempre fizemos no passado, expressamos o nosso veemente repúdio e condenação de todas as tentativas de subversão da ordem constitucional por vias não democráticas.
DW África: Na sua observação, foi mesmo uma tentativa de golpe de Estado?
DSP: Penso que aquilo que os guineenses deviam exigir é que não se fique por essa explicação simplista e circunstancial. Penso que a nação guineense merece conhecer os pormenores dessa ocorrência e saber quem são essas pessoas que eventualmente intentaram esse golpe. Quantos eram? De onde vinham? Estavam a mando de quem? E quais eram os verdadeiros propósitos?
DW África: Portanto, levanta dúvidas se realmente foi uma tentativa de golpe ou uma encenação?
DSP: É importante contextualizarmos o quadro em que tudo isto acontece. Tudo acontece numa semana intensa de sobressaltos, que foi anunciada como uma semana de crise entre os parceiros do presente regime, que por via de comunicados e cartas deram conta de um mal-estar com a remodelação governamental, e isso viria também na sequência do assunto do avião [retido no aeroporto de Bissau], do acordo de exploração de petróleo, da apreensão de drogas...
E, de repente, ouvimos falar em homens armados que conseguem tomar de assalto uma sala onde estão membros do Governo e o próprio Presidente da República, há tiroteios durante cinco horas e, no final desses tiroteios, as vítimas são os guardas. Os membros do Governo e as figuras políticas presentes não saem com um único aranhão e anuncia-se o desmantelamento de uma tentativa de golpe de Estado. Eu penso que tanto a opinião pública nacional como internacional não deve embarcar numa explicação simplista. O assunto é muito grave e exige que haja realmente uma investigação pormenorizada, que vai analisar todos os pormenores do acontecido para, em função disso, poder responsabilizar as partes.
DW África: Mas o Presidente da República disse que os suspeitos são pessoas suspeitas de envolvimento no tráfico de droga. Isso não o convence?
DSP: Ele saberá do que está a falar. O que posso dizer é que, para ter credibilidade e poder realmente [convencer] a população guineense e a opinião pública internacional, há métodos que são normalmente observados: criar uma comissão internacional de inquérito, associar a esse inquérito instituições vocacionadas para o efeito e permitir que todo o mecanismo de investigação do processo tenha a credibilidade e competência necessárias para o fazer. Agora, eu não sei se a pessoa que referiu [Presidente da República] tem realmente credenciais para fazer essa afirmação.
Quando continuamos a ter um avião estacionado na pista do aeroporto por mais de dois ou três meses, sem saber exatamente de onde veio e o que transportou, [Umaro Sissoco Embaló] dá sempre explicações simplistas e circunstanciais. Tivemos também a informação de movimentos de militares estrangeiros nas águas territoriais da Guiné-Bissau, até hoje mal explicadas. Portanto, não sei se as próprias autoridades envolvidas têm as credenciais necessárias para nos tranquilizarem e assegurarem que aquilo que nos estão a vender corresponde àquilo que aconteceu.
DW África: Foi ameaçado durante os ataques de ontem?
DSP: Houve muitos rumores, houve muita coisa que circulou sobre a minha integridade física. Mas isso não se resume só a rumores ou especulações: desde que o PAIGC anunciou a realização do seu congresso, tem havido vários pronunciamentos que vão no sentido de ameaçar e perturbar esse evento. Portanto, desde essa altura que todos sabíamos que algo iria acontecer; não sabíamos era o quê, quando e como.
Não estou em condições de dizer que aquilo que aconteceu ontem terá também algo a ver com isso, mas é dentro desse quadro que eu acho justificada a exigência de um apuramento detalhado de tudo o que aconteceu. Porque tanto a oportunidade como a conveniência do ocorrido devem merecer uma atenção cuidada, antes da decisão de uma condenação abstrata.
DW África: Espera uma pressão da comunidade internacional no sentido de fazer esse inquérito?
DSP: É o mínimo que se podia e devia exigir. Lamentavelmente, já ouvimos alguma comunidade internacional a embarcar nessa explicação simplista, até adotando a narrativa que está a ser divulgada como se ignorassem aquilo que o Presidente do regime tem reiterado, que é a sua intenção de controlar todos os poderes, promover uma revisão constitucional que concentre todos os poderes e possa, a seu belo prazer, servir-se do país e das suas instituições.
DW África: Perante toda esta situação, o que tem a dizer aos guineenses, em particular aos militantes do PAIGC?
DSP: Quero transmitir uma mensagem de confiança e dizer que devemos continuar a fazer o trabalho político de esclarecimento das nossas bases, porque esta é mais uma tentativa de distrair as pessoas em relação à realidade atual do país. Estamos a menos de um mês do nosso congresso, e é importante que as estruturas continuem a trabalhar e não se deixem iludir pela realidade que está perante os nossos olhos.
O PAIGC vai utilizar todos os canais e mecanismos que estão ao seu dispor para exigir um trato responsável e sério deste acontecimento.
Braima Darame | Deutsche Welle
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