sexta-feira, 18 de fevereiro de 2022

Jornalista guineense fora de perigo, mas o caso gera revolta em Lisboa

Maimuna Bari já deixou o Hospital de Santa Maria, em Lisboa. A jornalista da Rádio Capital FM foi transportada para Portugal na sequência do ataque à emissora privada. Guineenses denunciam "regime autoritário".

A jornalista guineense Maimuna Bari ficou em estado de choque depois do ataque à Rádio Capital FM, em Bissau, no dia 7 de fevereiro. Ficou traumatizada e não conseguia falar. Sofreu uma queda que terá afetado a bacia e a parte lombar da coluna vertebral. O seu estado de saúde exigia muita atenção médica, o que obrigou ao seu transporte para Portugal, por intermédio do Sindicato dos Jornalistas da Guiné-Bissau. 

Maimuna chegou a Lisboa na passada sexta-feira (11.02) numa cadeira de rodas e foi levada de imediato para o Hospital de Santa Maria, onde recebeu assistência médica de urgência, segundo o irmão da vítima, Samba Tenem Bari.

"Já deixou o hospital na passada segunda-feira e então a levámos para casa de um familiar. Ainda hoje liguei, falei com a senhora [que a acompanha] e ela me disse que [a Maimuna] já começou a andar com umas canadianas. Mas, sobretudo a perna esquerda, ela não consegue levantá-la por todo. Arrasta-se um pouco para isso", conta.

O guineense adianta que, devido à falta de meios técnicos de diagnóstico na Guiné-Bissau, a jornalista deve continuar nos próximos meses em Portugal para ser devidamente avaliada e acompanhada.

"É recomendável que ela permaneça cá uns seis meses ou até um pouco mais e que faça os exames até que ela mesma sinta que, realmente, já está completamente recuperada. E daí já dependerá do que ela decidir", afirma. 

"Eles já nos habituaram a esta violência"

Não foi a primeira vez que a Rádio Capital foi assaltada. Em julho de 2021, a emissora privada administrada por Lassana Cassamá tinha sido alvo de ataque semelhante, mas até hoje não são conhecidos os resultados das investigações policiais e judiciais.

"Eles já nos habituaram a esta violência", afirma a jurista guineense Ruth da Conceição Monteiro, ex-ministra da Justiça, a propósito do ataque à emissora, que, como sublinha, dá voz ao povo para manifestar o seu descontentamento.

"As pessoas apontam os erros, apontam os desmandos, põem o dedo na ferida e [o Presidente da República] Sissoco é absolutamente intolerante à crítica. Se criticam, ele tem que abater, e isso foi o que ele fez. O que aconteceu à Rádio Capital é apenas uma demonstração do uso da força contra quem não aplaude todos os desmandos do regime instituído", acusa. 

Monteiro entende que "dizer que o ataque à Rádio Capital foi uma situação isolada é estar a brincar com a inteligência do guineense e com a inteligência das pessoas em geral."

Críticas ao regime são vistas como "afronta ao poder"

A ex-ministra da Justiça, a viver em Portugal desde 2020 devido a perseguições e ameaças de morte na Guiné-Bissau, responsabiliza o regime de Umaro Sissoco Embaló, que, não tolerando a crítica, se intitula como o "único chefe" e quer "tornar-se intocável" pela via armada. 

"O que ele não consegue é tolerar a crítica. Ele acha que todo um povo tem que se submeter à sua vontade, tem que se subjugar à sua ditadura", acusa.

À luz dos últimos acontecimentos, Ruth Monteiro, que integrou o Governo de Aristides Gomes, também no exterior, lamenta a militarização do Ministério do Interior.

"Nós vemos o Ministério do Interior a ser armado muito mais do que os militares. Tem um efetivo, segundo estive a ler há pouco tempo, três vezes superior ao das Forças Armadas. Chegou agora um avião da Turquia cheio de armamento para o Ministério do Interior", diz.

A ex-ministra questiona a teoria da tentativa de golpe de Estado do passado dia 1 de fevereiro e refere que tudo o que sejam críticas ao regime são entendidas "como uma afronta ao poder que eles exercem". 

Ruth Monteiro foi responsável pela maior apreensão de cocaína - cerca de duas toneladas - na Guiné-Bissau.

Revolta em Lisboa

Na sexta-feira passada (11.02), um grupo de cerca de duas centenas de guineenses saiu à rua em Lisboa para condenar o ataque à Rádio Capital e responsabilizar o Governo de Bissau por não conseguir garantir a segurança às instituições públicas e privadas.  

Sumaila Jaló, um dos manifestantes que se solidarizaram com os familiares das vítimas, exige às autoridades o apuramento dos factos ocorridos a 1 de fevereiro e pedem que os seus atores sejam responsabilizados judicialmente.  

"Por outro lado, também denunciamos os raptos, os espancamentos, prisões arbitrárias e mais perseguições de pessoas que se pronunciam em contrário ao regime instituído no país, o que não pode acontecer num Estado de Direito e democrático."

O grupo está a acompanhar a situação de Maimuna Bari. Depois de ouvir a versão da jornalista sobre os factos ocorridos na Rádio Capital FM, os manifestantes vão definir os próximos passos de contestação ao Governo e às autoridades responsáveis pela segurança no país.

"As liberdades fundamentais do nosso país sempre estiveram em risco. Neste momento, temos a situação agravada com um regime encabeçado por um Presidente da República autoritário e um Governo nada sensível a todas essas liberdades, o que nos deixa muito preocupados", afirma Jaló.

O estudante guineense, a fazer doutoramento em Discursos, História, Cultura e Sociedade na Universidade de Coimbra, afirma que a Guiné-Bissau está a regredir e a colocar em causa as conquistas de mais de três décadas de democratização. 

João Carlos (Lisboa)

Sem comentários:

Mais lidas da semana